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Exclusiva: Mulher que 'parou' a Ponte Rio-Niterói faz revelações sobre violência

Advogada Regina Maria Evaristo cedeu entrevista à O SÃO GONÇALO: "Sou uma sobrevivente", desabafou.

Escrito por Renata Sena | 15 de julho de 2022 - 14:09
Regina é indígena e, ainda adolescente,  veio "para a cidade grande", buscar tratamento de saúde para a mãe, que teve um acidente vascular cerebral
Regina é indígena e, ainda adolescente, veio "para a cidade grande", buscar tratamento de saúde para a mãe, que teve um acidente vascular cerebral -

"Eu, desde sempre, sou uma sobrevivente". A afirmação é da advogada Regina Maria Evaristo, de 56 anos, sobrevivente de estupros, abandono e violência doméstica.  Regina também sobreviveu a vontade de se jogar da Ponte Rio-Niterói, na tarde desta quinta-feira (14). Contudo, apesar de tantas dores, ela dedica a vida a ajudar pessoas que passam por qualquer tipo de violência ou vulnerabilidade, mas, há anos, vive fugindo de um ex marido agressor, e não consegue ajuda da justiça.

Regina é indígena e, ainda adolescente,  veio "para a cidade grande", buscar tratamento de saúde para a mãe, que teve um acidente vascular cerebral. A mãe foi tratada e voltou pra tribo, em Minas. Regina ficou, aos 14 anos, em Bonsucesso, no Rio de Janeiro trabalhando em casa de família.

Mas, o patrão da adolescente a estuprou. Ali ela entendeu que já tinha passado por isso em casa. O pai também a estuprava. Ela foi trabalhar em outra casa, depois em outra, até que sofreu mais um estupro.

 
Não sei, mas as coisas se repetiam. Eu era muito nova, indígena, sozinha. Ali eu vi que não dava mais e saí. Eu não aguentava mais passar por aquilo e fui morar na rua Regina Maria Evaristo
  

A advogada viveu em situação de rua por cerca de dois anos. Mas, sem vício algum e já sabendo ler e escrever, passou a ajudar os outros moradores da região.

"Eu fui muito respeitada. Na rua, até então, foi o lugar onde mais me respeitaram", contou.

Aos 17 anos policiais levaram Regina para a Delegacia. Na época, ainda existia crime de vadiagem. Porém, ao saberem da história, apresentaram a menina para uma nova família, onde ela trabalhava como empregada doméstica. Ali, ela começou a ter oportunidade de estudar.

"Fiz um monte de curso técnico. Fazia unha, cabelo. Consertava as coisas. Fiz de tudo. Até que passei pra faculdade de Direito".

 

Regina passou a morar na comunidade Vila dos Pinheiros. Trabalhava de dia e fazia faculdade à noite. Quanto mais se estabelecia, mais ela ajudava ao próximo.

"Eu sempre ajudei todo mundo. A gente aprende isso na natureza mesmo. É  preciso compartilhar, viver junto, ajudar", contou a mulher, que tem dois filhos biológicos,  um deles falecido, e 11 filhos de coração.

Ao melhorar a situação em que vivia, Regina fundou uma ONG para abrigar, apoiar e tratar mulheres vítimas de violência sexual ou doméstica, crianças e pessoas em situação vulnerável. Na pandemia, Regina cuidou de pessoas com Covid-19.

Nesse mesmo período em que a ong era fundada, nos anos 2000, ela conheceu o ex companheiro. Contudo, a relação entre eles começou somente em 2012. Quatro anos de relacionamento e em 2016, ela não aguentava as mudanças de comportamento dele e pediu a separação.

"Ele estava se formando em Direito. Mas tinha perdido o emprego e estava bebendo. Foi mais ou menos um ano. Aí eu falei que não dava mais e pedi para ele sair de casa. Ele concordou e pediu uns dias, só para passar o exame da Ordem dos Advogados. Concordei. Mas foi aí que minha vida virou um inferno", relembrou.

Nesse período, ela sofreu a primeira agressão. Buscou ajuda e enquanto relatava o caso, ele colocou fogo na casa do casal. Ela conseguiu a primeira medida protetiva. De 2016 até hoje, ela perdeu as contas de quanta violência sofreu, de quantas medidas protetivas foram quebradas e de quantas vezes implorou por ajuda.

No último dia 8 saiu mais uma medida protetiva contra o acusado. Desde então Regina dorme no carro. Dorme, não. Ela mora no carro, fugindo dele e com medo de colocar outras pessoas em risco.

"Eu tenho pessoas vítimas de violência doméstica na ONG. Eu não posso ficar lá e colocar outras pessoas em risco. Não posso ir pra casa de ninguém e colocar em risco. É  desesperador".

Após receber a confirmação da nova medida protetiva, ela buscou novamente ajuda aos órgãos competentes. Não obteve, mais uma vez.

Na última quinta-feira (14), Regina estava desesperada. Após a recusa de ajuda por órgãos responsáveis, ela teve a consulta com a psicóloga desmarcada. Ela começou atravessar a ponte, sem pretensão. Até que o desespero falou mais alto.

"Inicialmente eu subi no carro, mas ventava muito. Aí eu subi na grade. A vida passa toda na cabeça. Será que não seria a solução? Mas não é.  Eu sou sobrevivente", contou a mulher que foi retirada pela Polícia Rodoviária Federal.

Nesta sexta-feira (15), Regina recebeu um convite para encontrar com a presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB Niterói, Andréia Kraemer. "Eu não quero política, pois fazer política com a dor dos outros é fácil. Eu tô aqui, Andréia, advogada, para ajudar. Como mulher mesmo. Eu nunca sofri violência, mas a dor de uma mulher é a dor de todas nós. Eu vou ajudar como colega de profissão e mulher. Eu estou Presidente, mas a ajuda é pessoal", destacou Andréia.

Daniele Velasco, presidente da Comissão de Violência Doméstica da OAB Niterói, também esteve na reunião. Ela e Regina já possuem uma relação de ajuda mútua.

Ele descumpre as medidas. Já foi flagrado me agredindo. Já agrediu outra companheira após terminar nossa relação. Levou meu dinheiro, ficou com a casa. Hoje tudo que tenho está nessa mala, que anda comigo. O que mais estão esperando para prender esse homem Regina Maria Evaristo
  

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