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É possível? Entenda o projeto de lei que tenta proibir a união civil homoafetiva

O casamento entre pessoas do mesmo sexo é autorizado no Brasil desde 2011, mas agora, corre o risco de ser revogado

relogio min de leitura | Escrito por Rafaela Marques | 16 de setembro de 2023 - 08:00
O casamento homoafetivo é permitido no Brasil desde 2011
O casamento homoafetivo é permitido no Brasil desde 2011 -

Nas últimas semanas, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados debateu um projeto de lei que tem como objetivo proibir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. De acordo com o Projeto de Lei (PL) 5.167/2009, “nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”.

O parecer foi resgatado pelo relator Pastor Eurico (PL-PE), na tentativa de inverter o projeto do ex-deputado Clodovil Hernandes (PTC-SP), o PL 580/2007, que pretendia alterar o Código Civil para que o casamento homoafetivo fosse reconhecido. No texto original, Clodovil propunha que o Código Civil passasse a incluir a "possibilidade de que duas pessoas do mesmo sexo possam constituir união homoafetiva por meio de contrato em que disponham sobre suas relações patrimoniais", que se assemelha à decisão do STF à favor da união LGBTQIA+, em 2011.


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Já no texto do deputado Pastor Eurico, ele escreveu: "A Carta Magna brasileira estabelece em seu art. 226 que a família, base da sociedade, com especial proteção do Estado, reconhece a união estável como entidade familiar apenas entre homem e mulher. Nesse diapasão, qualquer lei ou norma que preveja união estável ou casamento homoafetivos representa afronta direta à literalidade do texto constitucional".

"Não menos importante, o casamento é entendido como um pacto que surge da relação conjugal, e que, por isso, não cabe a interferência do poder público, já que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é contrário à verdade do ser humano. O que se pressupõe aqui é que a palavra “casamento” representa uma realidade objetiva e atemporal, que tem como ponto de partida e finalidade a procriação, o que exclui a união entre pessoas do mesmo sexo”, finalizou o relator.

Apesar da união estável e do casamento civil homoafetivo serem direitos assegurados pelo Supremo Tribunal Federal, a decisão não é garantida por lei, e por isso, corre o risco de ser revogada. O PLS 612/2011, proposto pela então senadora Marta Suplicy, pretendia que o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo se tornasse legal perante a lei, entretanto, o processo foi arquivado em 2018. 

O PL 5.167/2009 voltou a ser debatido no dia 5 de setembro, e caso seja aprovado, terá de passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser sancionado. No entanto, o texto está sendo tramitado em caráter conclusivo, o que significa que pode ir ao Senado sem ser votado pelo Plenário, a menos que haja discordância entre as duas comissões ou haja recurso assinado por, no mínimo, 51 deputados, cerca de 10% do total.

Durante a primeira sessão de debate, discussões calorosas marcaram a reunião, em que deputados contrários e favoráveis ao projeto entraram em discordância. O deputado Eli Borges (PL-TO), acusou os defensores do casamento homoafetivo de “vitimismo”, e disse estar do lado “pacífico” da história. "O que eu ouço sempre nessa casa é que nós estamos sempre fazendo registro em detrimento de um segmento da sociedade, é que nós somos homofóbicos, misóginos [...] Não somos nós que estamos ganhando as ruas para questionar símbolos religiosos, nós estamos de um lado pacífico dessa história".

Em oposição, o deputado Pastor Henrique Vieira, do PSOL, retrucou Eli Borges, e disse que o Brasil atual é um ambiente de hostilidade, violência e ódio, para a comunidade LGBTQIA+. "Sobre vitimismo, a cada 32 horas uma pessoa da comunidade LGBT é assassinada por motivo de ódio por dados oficiais. O Brasil é o país que mais mata transsexuais e travestis no mundo por dados oficiais. Eu não chamo isso de vitimismo, esse tipo de discurso não tem compaixão, não tem sensibilidade, não tem empatia, solidariedade e nem amor. Existe um ambiente de hostilidade, de violência e homicídio motivado por ódio", rebateu o pastor.

Com o intuito de mobilizar a população em prol dos direitos LGBTQIA+ e fortalecer a oposição ao PL 5.167/2009, o deputado do PSOL criou a campanha #OAmorVence, um abaixo assinado criado para pressionar outros deputados a votarem contra a proibição da união civil de pessoas do mesmo sexo. 

Para saber mais, acesse https://pastorhenriquevieira.com.br/o-amor-vence/

O que dizem os especialistas?

Em entrevista ao O SÃO GONÇALO, o especialista em Segurança Pública, Erivelton Lopes, explicou o que a aprovação deste projeto significaria para a comunidade LGBTQIA+ e a sociedade brasileira como um todo. “Acredito que esse projeto de lei só ficará na discussão. Seria incabível e de um retrocesso gigante aprovar uma decisão dessa magnitude e arbitrariedade. Além de desrespeitoso e imoral com a população LGBTQIA+ no Brasil, pensar em uma agressividade desse tipo, que diz o que o outro pode ou não fazer, é incabível e prova que ainda vivemos em uma sociedade preconceituosa e discriminatória seja de gênero ou orientação sexual.”, disse.

Já segundo o advogado brasiliense Samuel Leandro de Oliveira Neto, a aprovação deste PL seria um retrocesso nos direitos civis, mas sua aprovação ou rejeição depende exclusivamente dos legisladores envolvidos. "O casamento homoafetivo é um avanço importante na luta pelos direitos LGBTQ+ e tem sido reconhecido em muitos países ao redor do mundo como uma questão de igualdade e justiça. A legalização do casamento homoafetivo permite que casais do mesmo sexo tenham os mesmos direitos e proteções legais que casais heterossexuais, incluindo questões como herança, previdência social, direitos de propriedade, adoção, entre outros.” 

“Portanto, a criação de um projeto de lei que visa desfazer a legalidade do casamento homoafetivo é geralmente vista como um retrocesso nos direitos civis, e uma forma de discriminação contra a comunidade LGBTQ+. Esse tipo de projeto de lei costuma ser controverso e debatido intensamente na sociedade e no sistema político, refletindo diferentes visões sobre a igualdade de direitos e a inclusão. A aprovação ou rejeição de tal projeto de lei depende do processo legislativo específico e das opiniões e votos dos legisladores envolvidos”, concluiu o advogado.

Para o psicoterapeuta e conselheiro de saúde mental de centros de acolhimento à população LGBTQIA+, Pedro Cunha, a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma forma de invisibilizar essas pessoas, que já lutaram por tanto tempo para existirem, e pode ter impacto direto na saúde mental dessas pessoas.

“Eu acho que um dos maiores impactos nessa população é que quando a gente tem uma sociedade que não garante direitos, isso pode trazer muitos processos ansiosos, pode trazer muito mal estar e também uma invisibilidade. Quando você deixa de falar sobre uma coisa, quando você finge que essa coisa não existe, ela se torna um tabu, um segredo, uma coisa que não pode ser dita, e atualmente, as pessoas não vão mais “voltar pro armário”. Uma vez que as pessoas “saem do armário”, como muitas vezes a gente fala, elas não têm o desejo de voltar porque elas estão podendo se permitir serem autênticas. A autenticidade, a possibilidade de ser quem se é, é uma coisa muito preciosa no processo de saúde mental e no processo de autoestima.”, disse o psicólogo.

Por fim, ele ressaltou a importância para essa comunidade ter seus direitos garantidos por lei, pois no fim do dia, o que está sendo debatido é o amor entre duas pessoas.

“A população LGBTQIAP+ tem muitos preconceitos internalizados, então o movimento de poder ter uma relação garantida por direito, faz com que essas pessoas tenham um apaziguamento desses preconceitos e ressignifiquem isso para elas. Por isso, quando você tem uma lei aprovada nessa direção, ela pode muitas vezes ser nociva à população, reforçando esses preconceitos. É como se elas não pudessem, perante a lei, ter a união com a pessoa que elas amam, com uma pessoa que elas têm afeto, e isso é muito nocivo para as pessoas. Afinal, como é que você vai ter um estado que não garante o direito de algo tão crucial como o amor?”

Sob supervisão de Marcela Freitas 

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