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Prefeitura de Itaboraí é acusada de perseguir religiões de matriz africana

Terreiros denunciaram Prefeitura após cobrança de alvarás e ameaças

relogio min de leitura | Escrito por Felipe Galeno | 24 de novembro de 2023 - 21:49
Líderes religiosos relatam ter ouvido ameaças de fechamento de terreiros
Líderes religiosos relatam ter ouvido ameaças de fechamento de terreiros -

A Prefeitura de Itaboraí está sendo acusada de perseguição religiosa contra grupos religiosos de matriz africanas. Líderes da umbanda e do candomblé na cidade afirmam que fiscais tem feito intimações irregulares e ameaçado fechar seus espaços de culto enquanto cobram alvarás de funcionamento para os terreiros.

De acordo com as denúncias, a intimação, recebida por pelo menos três terreiros na cidade, se baseia em uma lei municipal publicada em 2014. Apesar disso, a cobrança só começou a acontecer recentemente e com um prazo súbito: apenas 15 dias. Além disso, os fiscais responsáveis por intimar tem, segundo os relatos, ameaçado proibir o direito de culto dos terreiros caso não sejam cumpridas as exigências.


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O babalorixá Diego T'Osogian, do Ilè Asè Òrìsà Ìwín Sòlá, na Aldeia da Prata, explica que as exigências do alvará de funcionamento cobrado pela intimação levam bem mais que quinze dias para serem cumpridas. Além disso, ele relata não ter visto o mesmo rigor no tratamento com grupos de outras religiões, apesar de a Prefeitura afirmar estar exigindo de denominações de diferentes crenças.

"No meu bairro, por exemplo, nenhuma igreja recebeu. Aqui mesmo tem uma igreja na nossa esquina; o pastor, inclusive, é meu amigo e não recebeu essa notificação", ele explica. 

"A gente não quer brigar com o governo, só queremos ter o mesmo direito que os outros", defende babalorixá
"A gente não quer brigar com o governo, só queremos ter o mesmo direito que os outros", defende babalorixá |  Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Segundo os líderes, o que reforça os indícios de perseguição é o fato de que os terreiros intimados participaram de um protesto contra intolerância religiosa em 2022, na época das declarações polêmicas feitas pelo pastor Felippe Valadão em um evento de aniversário da cidade. "Receberam a intimação somente os terreiros que fizeram parte da nossa manifestação ano passado, os que 'botaram a cara'", conta Diego.

O professor e escritor Gelson D’Olufon Ribeiro, babalorixá do Ilé Bàbá Omi Àṣẹ Ajàgúnà, no bairro Sossego, também recebeu a intimação. De acordo com ele, é a primeira vez em mais de duas décadas que seu terreiro recebe uma exigência drástica do tipo.

"Estou há 22 anos no mesmo local, na mesma atividade e nunca sofri nada. A maioria dos vizinhos não segue a mesma religião e nenhum vizinho reclama de nada. Por que só agora essas exigências? Não estou fazendo nada de diferente do que faço há muito tempo. Fica essa interrogação", comenta o autor.

"Não estou fazendo nada de diferente do que faço há muito tempo", desabafa líder religioso
"Não estou fazendo nada de diferente do que faço há muito tempo", desabafa líder religioso |  Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Para os babalorixás, o episódio é uma má notícia ruim não apenas por pôr em risco sua liberdade de culto, mas também por representar mais um obstáculo no diálogo com as autoridades locais.

"A gente não quer brigar com o governo, só queremos ter o mesmo direito que os outros. Nem a menos nem a mais. Enquanto a Prefeitura não viabilizar meios de a gente se aproximar também do Governo, dialogar, ter políticas públicas, fica complicado. Queremos ter nosso espaço, como os outros templos têm. Quando se trata da gente, a coisa é mais complicada, infelizmente", lamenta Diego T'Osogian.

O caso foi para a Defensoria Pública da União (DPU) que está prestando assistência jurídica aos grupos. Em nota enviada a OSG, a DPU afirmou que a defensoria do Estado (DPRJ) está apoiando as ações "para tratar dos indícios de racismo religioso".

"Recentemente, a DPU encaminhou um ofício à Secretaria Municipal de Fazenda de Itaboraí, buscando esclarecimentos sobre a cobrança do alvará de funcionamento, além de ter enviado outro documento ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPE-RJ) solicitando que sejam tomadas as medidas necessárias para investigar o caso. A DPU aguarda o retorno desses pedidos de informação", afirmou o órgão, em nota.

Procurada, a Prefeitura de Itaboraí informou que as cobranças de alvará fizeram parte de um programa de recadastramento imobiliário feito pela Secretaria Municipal de Fazenda e Tecnologia (SEMFAT). O órgão negou que a cobrança tenha sido feita apenas com templos de religiões de matriz africana e alegou que assuntos religiosos estejam sendo usados "de forma inescrupulosa" para fins políticos.

"O cadastro não é direcionado apenas a templos de religiões de matrizes africanas, mas sim a todas as denominações religiosas. Neste período, foram notificadas 46 igrejas evangélicas e apenas quatro templos de matriz africana. A SEMFAT destaca ainda que há uma equipe para orientação de todos os responsáveis das entidades religiosas, garantindo a devida atuação do Estado Laico. A Prefeitura lamenta profundamente que questões religiosas sejam utilizadas politicamente de forma inescrupulosa", afirma a nota.

Polêmica em evento de aniversário

Essa não é a primeira vez em que a Prefeitura é citada em denúncias de preconceito religioso na cidade. Em maio do ano passado, o pastor evangélico Felippe Valadão, da Igreja Lagoinha, foi acusado de intolerância contra grupos umbandistas da cidade durante um evento oficial do aniversário de 189 anos de Itaboraí.

No palco da celebração, Valadão chamou os religiosos de matriz africana de "endemoniados", além de afirmar que o "tempo da bagunça espiritual" havia acabado no município. "Se prepara para ver muito centro de umbanda sendo fechado na cidade!”, declarou o pastor.

Na época do ocorrido, a Prefeitura de Itaboraí publicou uma nota, afirmando ter comprometimento em assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e garantir a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. "O município de Itaboraí registra que a nossa Constituição estabelece que ninguém será privado de seus direitos por motivo de crença religiosa e que é contrário a qualquer tipo de intolerância religiosa", comunicou, na época.

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