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UFF integra projeto social que ocupa os tempos livres nas escolas públicas

Quem quiser se voluntariar pode se inscrever através do site: www.atados.com.br/ong/biblioteca-de-aulas

Escrito por Redação | 06 de novembro de 2020 - 20:00
Imagem ilustrativa da imagem UFF integra projeto social que ocupa os tempos livres nas escolas públicas

Futebol sem bola. Piu-piu sem frajola. Sou eu assim sem você... No famoso hit de Claudinho e Bochecha, os músicos descreveram em versos alguns parceiros inseparáveis nas artes, nos esportes e na vida, como a própria dupla que formavam. Eles narraram como essas combinações constituíam uma unidade quase indissociável, não fazendo sentido pensar uma coisa sem a outra.

Escola sem aula não é um dos versos da música, mas facilmente poderia ser encaixado nela. Apesar dessa “indissociabilidade”, o cotidiano de muitas das unidades escolares públicas brasileiras, que vêm enfrentando ao longo dos anos inúmeros problemas estruturais com a escassez de recursos, revela o contrário: nem sempre tem aula na escola. Faltam muitas coisas, desde material didático até professor.

Sensibilizada com essa situação, que fez parte de sua vida por anos, Mariah Lima teve a ideia de desenvolver como projeto de conclusão de sua graduação em Processos Gerenciais, na UFF, uma proposta ousada e criativa de intervenção nessa realidade. Nascia assim, em 2017, o “Biblioteca de Aulas”.

O intuito era o de treinar voluntários para entrar em sala de aula propondo debates e dinâmicas variadas sempre que houvesse tempo vago. Nas palavras de Mariah, “o objetivo é transformar um problema social – o sucateamento do ensino público – em uma oportunidade de resistência. Entendemos que é possível despertar no corpo discente do ensino público o potencial necessário para que eles tenham autonomia de traçar novos rumos profissionais”, explica.

A iniciativa se transformou em realidade quando, há quatro anos, a então aluna da UFF procurou a Secretaria de Educação de Niterói para uma parceria, juntamente com o antigo voluntário e colega de curso de Processos Gerenciais, hoje parceiro na gestão estratégica e operacional do projeto Cleyson Melegari. Receptivos à proposta, o órgão encaminhou a dupla para a Escola Municipal Levi Carneiro, que naquele momento enfrentava uma baixa repentina em seu corpo docente de sete professores contratados.

Foram 45 dias de trabalho no colégio, com a ajuda de voluntários captados nas redes sociais e também nas salas de aula do Departamento de Empreendedorismo da UFF. Assim, a universidade passou a ser também integrante do projeto, não só como palco de captação de novos participantes (estudantes da universidade), como  também cedendo espaços para a realização dos treinamentos necessários. Desde 2017, Mariah informa que mais de 200 alunos da UFF, de diferentes áreas, já integraram o projeto, sendo que as de maior destaque são: Processos Gerenciais, História, Pedagogia, Ciências Sociais e Serviço Social.

Uma nova etapa foi conquistada em 2018 quando o “Biblioteca de Aulas”, já mais estruturado, se instalou na Escola Municipal Altivo César. De acordo com Mariah, 70% do corpo docente estava em vias de se aposentar, sendo rotineiras as ausências pontuais e também as licenças prolongadas dos professores. Em uma manhã na escola, em média, cada voluntário entrava de três a quatro vezes em sala de aula. Só no primeiro semestre, mais de 100 novos integrantes se filiaram à iniciativa, que impactou, até o final daquele ano, mais de mil estudantes da escola.

Os estudantes da rede pública não veem a universidade federal como um território atingível. Estamos presentes e resistindo, pois é possível transformar essa realidade - Mariah Lima

Em 2019, mais uma vitória: o projeto foi agraciado com o Prêmio de Ações Locais da Prefeitura de Niterói, sendo reconhecido como Ponto de Cultura da cidade. A premiação, que visa fortalecer práticas, atividades e projetos culturais, artísticos e de comunicação, homenageia coletivos que tenham reconhecimento da comunidade local ou do seu território de atuação. Com isso, explica a coordenadora, foi possível aperfeiçoar ainda mais a iniciativa, que passou a contar com “mediadores âncoras” - aqueles que acompanhavam os voluntários de “primeira viagem” na escola.

Já ao longo de 2020, durante a quarentena, no entanto, o projeto se remodelou e passou por muitas transformações. Segundo Mariah, com a suspensão das aulas presenciais, foi perdido o contato com os alunos e os colégios. Dessa forma, houve a urgência de reinventar o formato do “Biblioteca de Aulas”, partindo para uma atuação online. “Era um momento crítico: tivemos relatos de alunos que passavam o dia inteiro sozinhos em casa, pois a jornada de trabalho dos responsáveis em supermercados ou farmácias havia dobrado com a pandemia”, enfatiza.

Foi então que nasceram as “Jornadas Biblioteca de Aulas”: encontros temáticos e diários com uma hora de duração, via WhatsApp, no qual estudantes e mediadores voluntários trocariam experiências e estimulariam o debate num ambiente seguro e confiável de suporte. A coordenadora pontua que foram rodadas duas jornadas-piloto voltadas para os aspectos emocionais, denominadas “Jornada do Afeto”, com a proposta de conduzir conversas sobre a questão da ansiedade, como ela se manifesta, assim como sobre as expectativas em torno da volta às aulas e das angústias trazidas pelo momento de pandemia.

“Também testamos uma jornada com a temática do autoconhecimento, em que a proposta foi voltada para o planejamento pessoal, assim como ferramentas funcionais e gratuitas para serem usadas no dia a dia, e técnicas de auxílio ao estudo e à concentração. Previmos no decorrer dos encontros elementos gamificados, como desafios, tarefas e recompensas, visando incentivar a participação dos alunos, inicialmente desconfiados e desmotivados. Muitos deles investiram em suas redes sociais, onde mostraram seus talentos e interagiram com seguidores. Nosso objetivo era o de estimular e valorizar esses talentos invisíveis, compensando a ausência deixada pelo espaço escolar. A intenção era mantê-los ativos para não abandonarem o colégio, como muitos infelizmente fizeram, por falta de opção”, esclarece.

Com a volta às aulas presenciais, a meta é ocupar duas escolas e seguir expandindo para mais e mais unidades escolares. E não para por aí! Segundo Mariah, formalizar o projeto também está nos planos: “a ideia é que nossa metodologia possa um dia ser uma política pública”, enfatiza.

A idealizadora do “Biblioteca de Aulas” coleciona relatos emocionantes de voluntários. Alguns deles se surpreendem ao entrarem em sala e verem alunos estigmatizados por "não terem jeito" compartilhando ativamente opiniões e sustentando posicionamentos muito conscientes para a idade deles. São muitos os casos, explica a ex-aluna da UFF, de “potências desperdiçadas em estigma social”.

“Destaco uma Roda de Escuta Afetiva que fizemos com uma turma de nono ano. Uma estudante teve a oportunidade de denunciar à turma que sofria bullying por falar ‘com sotaque’. Ela explicou que esse sotaque, na verdade, existia por ela ter apenas 15% de audição em um dos ouvidos e expôs o quanto isso a magoava. A turma, com a mediação dos voluntários, pôde debater e esclarecer o que estava sendo exposto. Todos participaram e se envolveram”, comemora.

Aluna de Licenciatura em História na UFF e também voluntária do projeto há seis meses, Maria Eduarda de Melo foi uma das pessoas que viveu e acompanhou essa mudança por parte dos alunos, que têm se mostrado muito receptivos à iniciativa. “Passei por muitos estudantes que diziam que a matéria História era chata e se perguntavam o porquê de estudar aquilo, já que não tinha nada a ver com eles. Então comecei a planejar aulas a partir da história de vida deles, entrelaçando com ocorrências históricas que eles costumam estudar nos livros. Isso gerou um resultado que eu jamais poderia esperar”, destaca.

Entusiasmada com o Biblioteca de Aulas, Maria Eduarda conta que não queria esperar até o meio do curso para ter a experiência de entrar em sala de aula como professora. Ela ressalta que o projeto tem sido importante não só para o desenvolvimento crítico dos discentes mas como um auxílio para que possam compreender melhor a si mesmos, seus medos e desejos. “O projeto encanta muitos alunos e até mesmo funcionários da escola, que se impressionam com o engajamento dos jovens”, vibra. Já, Mariah Lima vai ainda mais longe: “Os estudantes da rede pública não veem a universidade federal como um território atingível. Estamos presentes e resistindo, pois é possível transformar essa realidade”, conclui.

Como ser um voluntário: https://www.atados.com.br/ong/biblioteca-de-aulas.

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