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Arte em tempos de covid-19 | Quadrinista resiste em São Gonçalo

Eberton Ferreira teve renda afetada mas irá lançar uma nova HQ

Escrito por Redação | 19 de maio de 2020 - 18:40

Por Rennan Rebello

A cultura, além de entretenimento, também é trabalho e um dos pilares básicos para o desenvolvimento social da população. Isso devido aos esforços de artistas que dispõem de seu tempo para criar, a fim de viverem através de sua arte para sustentar a si, a sua família, pagar impostos, entre outros compromissos financeiros comuns em nossa vida em sociedade. Com o necessário isolamento social ocorrido após a pandemia do novo coronavírus (covid-19), como fica a situação destes trabalhadores culturais? Partindo desta premissa, a reportagem de O SÃO GONÇALO entrevista idealizadores de diversos segmentos artísticos de São Gonçalo, com o objetivo de contar suas trajetórias e as dificuldades de se sustentarem durante esta epidemia enquanto trabalhadores da cultura, uma atividade de suma importância intelectual com grande potencial econômico, mas que não é tão valorizada no Brasil.

O primeiro entrevistado é o quadrinista Eberton Ferreira, 41 anos, também conhecido como Ton. Morador do Porto da Pedra, criou um selo independente para lançar suas revistas de histórias em quadrinhos, as famosas HQs. Até o momento foram 32 publicações (12 impressas e 20 digitais) e por conta da pandemia, ele, que é do grupo de risco por ser diabético, teve a sua renda mensal prejudicada.

Seja na venda de seus quadrinhos e também com sua atividade complementar de vendedor ambulante de churrasco em sua vizinhança, atividade da qual chama de 'Churrasquinho Cultural do Ton' (conforme já anunciado por OSG, em 2017), seu rendimento caiu, mas ele segue trabalhando como quadrinista em casa, onde vive com sua esposa Erica, 37, que trabalha como analista de sistemas, e da filha, Ana Clara, de 9 anos.   

"Eu vivo de vendas. Durante a semana vendo churrasquinho e na madrugada faço meus quadrinhos para no final de semana vender em eventos. Quando havia eventos maiores em outros estados ou em eventos literários com duração de uma semana, por exemplo, eu deixava de vender o churrasco para trabalhar na produção dos quadrinhos. Mas com a pandemia, fiquei sem as duas rendas., já que não posso trabalhar com entrega por aplicativo porque não tenho clientes cadastrados e a maioria eu nem conheço, pois são pessoas que passam na rua e compram o churrasco. Além disso, também não tenho CNPJ para me cadastrar no Ifood e eu preciso adquirir o MEI (Microempreendedor Individual), porém, preciso ver a minha situação financeira porque isso tem um pagamento mensal. No mais, todos os eventos foram adiados e ninguém sabe quando irá voltar. Por sorte, tenho dois imóveis alugados e um deles tive que negociar e abaixar o preço, porque o inquilino também está passando por necessidade. E aqui em casa, a minha esposa também está trabalhando em home office. A minha rotina continua agitada, pois tenho uma filha para cuidar e em paralelo tento vender meus quadrinhos pela internet. Tento sair de casa o mínimo possível porque sou diabético", explicou Eberton, que também é um dos organizadores da NitComics, que teve a sua primeira edição no ano passado, no Praia Clube São Francisco, Zona Sul niteroiense. A versão 2020 desta feira de venda de quadrinhos - que reúne centenas de pessoas -  até o momento está adiada por tempo indeterminado.

Outro ponto que Eberton destaca em sua carreira é o apoio de sua família, pois reconhece que o mercado brasileiro para quem se dispõe a viver em nome da arte é um caminho árduo.  "A família é sempre o porto seguro de todo artista porque sem o apoio familiar a gente não consegue correr atrás de um sonho. Viver de arte no Brasil é para poucos. Eu tenho apoio incondicional da minha esposa e filha. Inclusive recebo apoio até da minha mãe, tios, primos, que apoiam e acreditam no projeto e às vezes até ajudam financeiramente em uma impressão, assim como amigos próximos e alguns clientes que criei amizade e buscam apoiar meu trabalho", relatou o empreendedor cultural que está prestes a lançar sua nova HQ de super heróis intitulada como 'OsSe7e - Volume 2' que contará com a participação de heróis nacionais, tendo também 'paladinos da justiça' gonçalenses, na trama como os personagens Bombeiro Mascarado e Comandante (herói inspirado no passado da Força Expedicionária Brasileira, a FEB, na Segunda Guerra Mundial. Este personagem é uma espécie de Capitão America brasileira), do quadrinista da cidade Ruan Victor e  Conde Kombrácula do também gonçalense Jorge Antonio.

"Esta revista fala sobre sete super heróis nacionais que reativam o grupo para resgatarem um amigo em comum, um alienígena chamado Crânio, que foi capturado pelo governo brasileiro, por almejarem manipular o DNA deste extraterrestre para fins escusos. A HQ ainda está sendo impressa por uma gráfica de São Paulo e por conta do coronavírus, a entrega vai demorar um pouco. Como estou evitando sair de casa, estou pedindo a compreensão de alguns clientes que querem comprar outras revistas para que eu faça a encomenda quando a remessa de 'Os Se7e - Capítulo Zero' chegar, pois, desta forma vou aos Correios apenas uma vez para enviar os exemplares para as pessoas que já adquiriram na pré-venda, além de enviar outras revistas que foram encomendadas. Antes da pandemia, eu vendia bem para um independente. A série 'Causos' por exemplo, de 2015 até agora, vendi mais 10 mil quadrinhos. Somando outros títulos como 'Xamã', 'Os Se7e - Volume 1' e 'A Rede da Carne', passei de 20 mil exemplares vendidos. Isso ainda é pouco em quantidade, mas é muito para um autor que não é famoso como eu", contou. 

O mercado digital de quadrinhos não se resume apenas a envio das histórias em formato PDF ou Ebook. Há  plataformas virtuais especializadas como as sul-coreanas Tapas e Webtoon, que reúnem publicações de diversas partes do mundo e é um espaço virtual bastante acessado pelos leitores do gênero, pois podem ler edições em quadrinhos em formato responsivo, tanto para leitura no computador ou no celular.

Embora esteja acompanhando este movimento e traduzindo uma de suas revistas para o inglês em busca da internalização de sua marca através da internet, Eberton não acredita muito que este modelo seja bem sucedido no país. "Eu acho que não é o forte daqui do Brasil. Inclusive, eu estava falando com o Rafa Pinheiro, editor-chefe da Guará Entretenimento, que estava fazendo uma pesquisa de mercado para saber se as pessoas compram HQ digital e ele recebeu muitos 'não' como resposta. O público brasileiro gosta do físico. De ter e tocar a revista em quadrinho. No meu caso, durante esta pandemia vendi apenas quatro PDF mas recebi bastante pedido por revistas impressas, que eu só vou poder entregar nos Correios quando chegar a nova remessa de 'Os Se7e'. Isso está enraizado em nossa cultura. Se eu lançasse apenas em formato digital, teria prejuízo'", opinou.

Sai o churrasqueiro, entra o aventureiro -  Uma das táticas de venda que Eberton costuma utilizar quando vai a eventos vender suas HQs é usar a roupa de seu personagem mais famoso, o bandeirante português Gonçalo (nome em homenagem à São Gonçalo*) da série 'Causos',  que ao lado do Índio Iberê enfrentam monstros do folclore brasileiro na selva no período colonial. Ele usa uma roupa de caçador e um chapéu de cowboy que ganhou de seu sogro que gosta de andar à cavalo, em Inoã, Maricá.

Deste jeito, o vendedor ambulante consegue chamar atenção e realizar suas vendas por encontrar uma ótima oportunidade de contar a história de seus personagens. "Quando comecei a vender nestas feiras eu ia com roupa casual e desta forma eu era mais um no local. Até que me vesti do meu personagem, o bandeirante Gonçalo, e tive até ajuda no meu sogro na vestimenta, ele me arrumou o acessório mais importante: o chapéu. A  partir disso foi muito curioso, pois as pessoas me param nestes eventos e perguntam se estou fantasiado de Indiana Jones e eu digo que não, e falo que é o Gonçalo e meu interlocutor fica sem entender. E é neste momento que explico sua história e a relação de meus heróis brasileiros da série 'Causos' com o folclore. E também aproveito para mostrar outros títulos, que sempre resulta em ótimos papos e boas vendas", conta, se divertindo.

Fã gonçalense - O jovem João Pedro Albano, de 13 anos, morador de São Gonçalo, é fã das histórias dos heróis idealizados por Eberton. Ele lê os quadrinhos desde seus 11 anos e tem alguns exemplares guardados da série 'Causos' (uma releitura do folclore nacional) e 'Xamã'. "Eu lembro que as histórias tinham viradas interessantes, em retrospectiva, era o que mais me interessava. E se a minha memória me ajuda, eu tenho quatro ou cinco revistas dele", comentou o adolescente.

Para quem quiser comprar os quadrinhos (em versão física ou digital) ou baixar gratuitamente as HQs infanto-juvenis e os dois livros escritos por Eberton, basta acessar o site:  https://estudioton.blogspot.com/

Aos interessados em entrar em contato diretamente com o autor de 'Xamã', o Whatsapp é (21) 96736-1309; ou pelo e-mail: eberton.ton@gmail com.

* Nota da reportagem: Gonçalo Gonçalves foi um colono lusitano que no dia 6 de abril de 1579 ergueu a capela em homenagem a São Gonçalo de Amarante, do qual era devoto. Desta forma, a freguesia (mais tarde cidade) passou a ser conhecida pelo nome do santo padroeiro português. 

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