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De Niterói para o mundo: Dan Caricaturas relembra trajetória no desenho e fala sobre virar tema de filme

Com passagem pelos principais jornais do Rio de Janeiro, cartunista é nosso convidado da semana na série de entrevistas 'OSG Encontros'

relogio min de leitura | Escrito por Sergio Soares | 04 de julho de 2025 - 20:00
Premiado, cartunista será tema do documentário “Traços de Uma Nova Página”
Premiado, cartunista será tema do documentário “Traços de Uma Nova Página” -

A série de entrevistas 'OSG Encontros' recebe, nesta sexta (04), uma das referências locais no universo do desenho. Daniel Souza Silva, o Dan Caricaturas, veio até a redação do jornal O São Gonçalo para contar um pouco de sua trajetória na arte. Recém premiado no 19º Salão Internacional de Humor de Caratinga, Dan já foi cartunista em dezenas de jornais e revistas, já desenhou centenas de personalidades e teve seus trabalhos expostos em salões de arte em todo o Brasil e até fora do país.

"Cria" da comunidade Coronel Leôncio, em Niterói, ele começou a desenhar ainda criança, em meio ao universo humilde e de muita luta, seguindo o mesmo caminho de perseverança dos trabalhadores que querem vencer na vida. O que começou como uma distração da infância pobre se tornou uma paixão que o levou a páginas de periódicos como 'Extra', 'O Globo', 'O Dia' e também em 'A Tribuna de Niterói, 'O Fluminense' e 'O São Gonçalo'. Atualmente, ele desenvolve  o projeto social "Desenhando o Futuro" que leva palestras, exposições e oficinas de desenho para escolas públicas e comunidades carentes. Em breve, ele se tornará tema de um documentário, previsto para chegar aos cinemas ainda neste ano.

Confira a conversa na íntegra:

[link youtube]

OSG: Dan, você tem o lápis como seu grande e fiel companheiro ao longo de toda a vida. Você começou a desenhar ainda durante a infância, certo?

Dan: Isso. Eu desenho desde criança. A minha mãe fala que, quando eu era criança, eu desenhava em tudo quanto era lugar da minha casa - até na contracapa da bíblia dela eu chegava a desenhar. Fui crescendo com essa vontade de aprender mais sobre desenho, mas não foi fácil, porque eu venho de uma família muito humilde. A gente sempre trabalhou, sempre correu atrás. Tenho orgulho da minha mãe, dos meus irmãos; esses foram meus exemplos.

O trabalho realizado por ele rendeu importantes premiações
O trabalho realizado por ele rendeu importantes premiações |  Foto: Enzo Britto

OSG: Você tem quantos irmãos?

Dan: Éramos sete. Eu sou o caçula. Na época em que comecei a desenhar, meu pai não morava mais com a gente. Ele foi embora e largou minha mãe com as crianças. Minha mãe teve que se virar, correr atrás. Ela foi trabalhar fora, em casa de família, enquanto minhas irmãs mais velhas cuidavam dos filhos mais novos.

Minha mãe não tinha condições de comprar um brinquedo para a gente. Então, o desenho foi meu recurso de diversão, sabe? Eu comecei a desenhar para me divertir. E, na verdade, eu não tinha o material para desenhar. Eu tinha um lápis - que, no caso, era o meu lápis da escola - e não tinha papel.

Na minha época, o pão vinha embrulhado no papel. Então, eu pegava esse papel de pão para desenhar. Eu também não tinha lápis de cor. Meu sonho era, no Natal, ganhar uma caixinha de lápis de cor para poder pintar os desenhos que eu fazia durante o ano. Minha mãe não tinha condições de me dar essa caixa, porque o dinheiro que tinha era para ela comprar a nossa comida, a nossa roupa. Então, eu me lembro que eu achava lápis de cor na rua, no chão, e levava para casa.

OSG: Como é que você começou a entrar no mercado das artes através desse seu trabalho, dessa sua arte?

Dan: Com uns 12 ou 13 anos, eu comecei a trabalhar para ajudar minha mãe. Eu lavava carro na feira, entregava jornal todo sábado e, durante a semana, eu ia para o Rio vender ficha ao lado de um orelhão. Eu saía de casa às 6h da manhã e trabalhava das 7h às 18h. Ficava lá, faça chuva ou faça sol, com uma placa grandona escrito: “ficha”.


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Aí, em meados da década de 80, eu comecei a trabalhar na oficina do jornal 'A Tribuna'. E pintou uma vaga de paginador e eu comecei a fazer um estágio no jornal. Nessa época, eu já desenhava, mas não era um profissional da arte; fazia meus desenhos com uma caneta Bic.

Um belo dia, o diretor [do jornal], Jourdan Amora, estava paginando o jornal e ficou um “buraquinho” numa página. Ele falou para mim: “Dan, você fez uma caricatura do governador Moreira Franco; você tem ela aí ainda?”. Estava na minha gaveta e dei a caricatura a ele. Ele pegou e publicou no jornal.

Fiquei todo bobo! Eu me lembro que eu pedi o jornal e levei para a favela toda. Saí entregando o jornal para todo mundo, mostrando meu desenho. Foi muito bom ver as pessoas me abraçando, me parabenizando. Dali, eu não parei mais.

Dan terá um documentário sobre sua vida e obra, que está sendo produzido em Niterói
Dan terá um documentário sobre sua vida e obra, que está sendo produzido em Niterói |  Foto: Enzo Britto

OSG: Bacana! E aí começou sua trajetória, né? Você tem passagem pelos principais jornais do Rio de Janeiro; participou de salões de arte em diferentes lugares. Foi esse desenho que te ajudou a abrir os caminhos?

Dan: Isso. Eu só tinha 16 anos quando comecei a fazer trabalhos no jornal. Então toda aquela brincadeira e os meus momentos de diversão, de ficar com os amigos, eu tive que abrir mão. Parei para poder começar a me dedicar à arte. Passei a ser chamado para salões aqui no Rio, em Teresina. Até do exterior cheguei a participar, em um salão da Bulgária e outro no Irã.

Eu comecei a querer mostrar o meu trabalho e não deixar só o meu trabalho aqui em Niterói. Assim, eu fui selecionado em vários salões. E agora, há pouco tempo, eu fui premiado no Salão Internacional lá em Caratinga. Dentre 49 países e quase 2 mil trabalhos, eu fiquei em terceiro lugar.

OSG: Que bacana! Qual foi o trabalho que você fez lá?

Dan: Eu fiz o desenho do cartunista Ique Woitschach e fiquei em terceiro na categoria “Caricaturas”. Ele foi uma das minhas inspirações. Minha base da arte gráfica foram o Ique, o Chico Caruso, o Ziraldo, o Gil, essa galera toda. Quando eu não sabia desenhar, eu copiava os trabalhos deles.

OSG: Legal. E por que jornais você passou?

Dan: Eu trabalhei nos grandes jornais aqui do Rio. Comecei na 'Tribuna', depois no jornal 'O Fluminense'. Aí eu atravessei a poça e trabalhei no 'Jornal do Brasil'. Depois, passei pelo jornal 'O Dia', pelo 'Extra' e por 'O Globo'. Depois, voltei e trabalhei aqui no 'São Gonçalo'. Além de outras participações em jornais de bairro, jornais semanais, mensais.

Meu trabalho foi publicado em vários lugares. É aquilo que eu te falei: eu não tinha material, sabe? Hoje, eu agradeço muito a Deus pelo dom que ele me deu.

OSG: Legal. Você trouxe aqui para a gente ver algumas figuras que desenhou: Vinicius Jr., Palhaço Carequinha, Rebeca Andrade… Me fala mais sobre os personagens que você já desenhou.

Dan: Então, eu procuro fazer personagens do momento, que estão em evidência. Mas, como eu faço exposições também, às vezes você tem que ter um certo número de caricaturas para poder compor a exposição. Então, eu já começo a fazer trabalhos diferenciados; pego [personagens] de várias áreas para poder compor.

Dan consegue desenhar o rosto de uma pessoa em apenas alguns minutos
Dan consegue desenhar o rosto de uma pessoa em apenas alguns minutos |  Foto: Enzo Britto

OSG: O trabalho de um artista não para. Então, a gente tem aí uma novidade para contar em primeira mão. O Dan vai virar documentário. A vida e a obra dele vão virar um tema de um filme que está sendo produzido. Vai se tornar público ainda esse ano, né?

Dan: A produtora Alomnesia, daqui de Niterói, tem um diretor que é muito talentoso: Bruno Rafael. Ele está fazendo esse documentário que conta minha vida desde a infância, na Coronel Leôncio. Foi lá onde eu aprendi a formar meu caráter. As pessoas acham que não tem nada de bom na favela. Mas a favela comporta pessoas de bem, pessoas que trabalham todo dia e correm atrás.

O documentário conta essa história desde lá, da Coronel Leôncio, passando por toda a minha trajetória - não só artística, mas pessoal também - até os dias de hoje.

Esse documentário, no início, era para ser um curta, mas a história foi ganhando uma proporção tão bacana que acabou virando um longa-metragem. Acredito que até o final do ano, vai ser lançado esse documentário, que vai se chamar “Traços de Uma Nova Página”.

OSG: Esse nome, realmente, representa bem você...

Dan: É, porque, quando eu comecei a trabalhar no jornal, tinha uma coisa que me incomodava muito: eu chegava todos os dias no jornal e só via as manchetes das páginas policiais falando de comunidades. Entre elas, estava a Coronel Leôncio.

OSG: Foi a comunidade onde você nasceu...

Dan: Isso me incomodava muito e eu comecei a pensar em maneiras de mudar essa página, entendeu? Então, eu procurei fazer meus trabalhos para que eles saíssem em outra página; para falar que tem morador da Coronel Leôncio fazendo trabalhos diferenciados. Com o tempo, eu fui saindo nas páginas de cultura e de artes no jornal, e foi uma coisa que eu senti como uma conquista particular. 

O  que começou como uma distração da infância humilde levou o desenhista para para as páginas de grandes jornais
O que começou como uma distração da infância humilde levou o desenhista para para as páginas de grandes jornais |  Foto: Enzo Britto

OSG: E realmente é uma conquista, porque você marcou época no jornalismo local, nas artes. E você agora tem até livro com alguns de seus traços, né? Queria que você aproveitasse e dissesse para o nosso público quais são as suas redes sociais.

Dan: Bom, no Instagram eu tenho o @dancaricaturas e no Facebook sou Dan Souza Silva. Eu uso as redes para divulgar o meu trabalho e contar um pouquinho sobre o que eu estou vivendo. Meu trabalho é meu dia-a-dia, e não é fácil fazer caricaturas. As pessoas acham que é fácil, mas não é. Ainda mais agora, que eu estou fazendo pintura digital, o processo fica um pouquinho mais “estudado”.

Eu começo [o processo] pesquisando fotografias dos personagens que eu vou ilustrar. Não é fácil porque, se eu não tiver uma boa referência, não vai sair um bom trabalho. Eu faço esses estudos de fotografias e, muitas das vezes, vou fundindo as fotos para poder sair a caricatura do jeito que eu estou imaginando.

Quando a caricatura fica pronta, um só trabalho tem várias fotografias juntas. Pego a cabeça de uma foto junto com um pouco de outra. De repente, o olhar é de outra foto e eu vou montando tudo isso para depois ver se o resultado está sendo o que eu estou imaginando. Aí é que eu começo a distorcer em forma de caricatura para depois pintar aquela arte que eu fiz.

OSG: É a arte contada pelo próprio artista. Dan, muito obrigado. Quando você tiver o documentário para mostrar, volta aqui para a gente poder falar mais com você. Muito obrigado por ter nos dado a honra de recebê-lo aqui no OSG Encontros.

Dan: Eu que agradeço; muito obrigado. Toda honra e toda glória sejam dadas a Deus. Não é fácil e eu estou nessa luta aí há mais de 30 anos, mas eu creio que grandes resultados estão para vir. A gente trabalha, a gente planeja, mas a gente sabe que o resultado final quem dá é Deus. Então, eu estou muito feliz de viver esse momento profissional e eu só tenho a agradecer vocês pelo convite.

As reproduções de 'famosos' são uma das especialidades de 'Dan Caricaturas'
As reproduções de 'famosos' são uma das especialidades de 'Dan Caricaturas' |  Foto: Enzo Britto

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