Crise silenciosa: suicídios entre policiais superam mortes em serviço
Famílias denunciam casos diante de surtos

Por trás da farda e do compromisso com a segurança da população, há uma rotina silenciosa marcada por pressões psicológicas, jornadas exaustivas e ausência de amparo emocional. Em meio a esse cenário, cresce um fenômeno preocupante: o número de policiais que tiram a própria vida tem superado as mortes em confrontos, revelando uma crise invisível dentro das corporações.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança 2025 revelam que os casos de suicídio entre policiais têm se mantido em alta nos últimos anos, com uma média de cerca de 100 ocorrências anuais desde 2021. O número já supera as mortes registradas em confrontos durante o serviço, evidenciando uma grave crise de saúde mental nas corporações, uma realidade que atinge não apenas os agentes, mas também seus familiares.
Leia também :
➢ Policial civil executado em Piratininga é sepultado em Niterói; família opta por não comentar o caso
Toda essa situação, quando observada para além dos números, pode parecer imaginável e até fora da realidade, mas foi o que a empresária Luana Souza viveu diante de uma situação crítica com o esposo, policial militar do Rio de Janeiro. Segundo ela, o militar já vinha apresentando sinais de crise de ansiedade e depressão, conforme os laudos emitidos por profissionais da própria instituição. Ao término de um destes prazos para retomada das atividades, o militar apresentou nova crise, tendo atentado contra a própria vida dentro de casa. O caso aconteceu na noite de terça-feira (30), em São Gonçalo, quando o mesmo chegou a ser socorrido por vizinhos, que rapidamente o levaram ainda desacordado para uma emergência hospitalar próxima e conseguiram impedir o ato.
“De que adianta a Polícia Militar fazer campanhas de conscientização e prevenção, que na verdade são vazias? A tropa está doente e precisa se calar, pois os militares ainda são vistos como números por seus comandos que não podem baixar o efetivo. Precisei ver meu esposo atentando contra a vida por não suportar mais os conflitos internos para pedir ajuda de forma coletiva, não apenas por ele, mas por todos nesta mesma condição sanitária e com demanda de ajuda. Não vou me calar com tamanha falta de empatia que pode custar a vida de alguém. Assim como aconteceu conosco, várias famílias de policiais militares enfrentam o mesmo problema”, disse a empresária.

Segundo ela, a perícia médica da junta militar de Sulacap, bairro do Rio de Janeiro, teria se negado a homologar o atestado e laudo de afastamento temporário emitido pelo hospital particular que efetuou os primeiros socorros, alegando que o Código Internacional de Doenças (CID) já era reincidente em um período inferior a 60 dias e que sendo assim, nada poderia ser feito até que o militar conseguisse uma nova consulta psiquiátrica com médicos da corporação, marcada para o mês seguinte.
“É inaceitável que uma pessoa doente com risco de morte tenha que brigar contra as burocracias internas, estando ainda sujeito a punições disciplinares, visto que os atestados não homologados resultam em faltas, que podem acarretar em prisões administrativas. Assim como a tropa sofre com os regimentos, os profissionais da saúde mental também, ao terem diagnósticos muitas vezes críticos, esbarrando com a inviabilidade de baixa em massa para não comprometer o efetivo. São apenas números”, relatou a esposa do militar.
Segundo a família, o mesmo já havia formalizado dois pedidos desesperados de ajuda, nas semanas anteriores ao caso, mas ambos foram ignorados. Depois do episódio, o policial se encontra afastado das atividades para tratamento. A família disse que irá entrar com um processo por negligência e omissão contra a corporação.
A Polícia Militar informou que o policial compareceu à Diretoria Médica no dia 2/10 e apresentou um atestado médico civil. No entanto, como o documento não continha informações consideradas "pertinentes" para reconhecimento oficial, ele foi orientado a retornar no dia seguinte. Na nova avaliação, foi atendido por um psiquiatra da corporação, que concedeu uma licença de 68 dias a partir de 2 de outubro, além de agendar uma nova consulta para dezembro.