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Crimes sexuais: vítima conta como rompeu o silêncio e quebrou ciclos

Assédio, abuso, estupro. Delegada explica a diferença dos crimes e reforça a importância de denunciar

relogio min de leitura | Escrito por Renata Sena | 03 de novembro de 2023 - 17:51
A jovem, que apesar dos traumas vive um casamento feliz há mais de uma década, entende que se tivesse falado antes, talvez tivesse sido silenciada
A jovem, que apesar dos traumas vive um casamento feliz há mais de uma década, entende que se tivesse falado antes, talvez tivesse sido silenciada -

Dos 6 aos 12 anos ela viveu uma rotina de violência sexual. Após 20 anos de silêncio ela resolveu falar. A denúncia, aos 32, foi narrada por ela, como assédio, abuso, até que a policial afirmou: “na verdade, você foi estuprada”. Ali, a ficha caiu mais uma vez. Ela viveu por seis anos como vítima de um tio, que fez com ela o que já havia feito antes com outra sobrinha…e fez depois com mais outra. “Talvez se eu tivesse falado antes ele não teria feito com mais ninguém. Mas eu fiz um propósito com Deus que se eu soubesse de qualquer outra vítima eu falaria. E quando eu soube, eu não me calei mais. Agora, ele não vai mais fazer com ninguém”.

Sentindo-se ‘pronta’ para falar, aos 34 anos, Maria, como vamos chamá-la, confirmou as dificuldades que a vítima encontra quando resolve quebrar o silêncio. Da falta de apoio à falta de conhecimento para buscar por justiça. Maria demorou a entender que havia sido estuprada por seis anos seguidos. Você saberia identificar o crime, mesmo sabendo que não houve penetração?

Segundo a delegada Débora Rodrigues - titular da Delegacia de Atendimento à Mulher no momento da apuração da matéria e responsável pela prisão do algoz de Maria - é muito comum que as vítimas não identifiquem o que passaram, o que muitas vezes, pode diminuir a punição do autor. A população ainda entende que só é estupro após a penetração, o que não é verdade.

Delegada Débora Rodrigues foi a responsável pela investigação e prisão do suspeito
Delegada Débora Rodrigues foi a responsável pela investigação e prisão do suspeito |  Foto: Filipe Aguiar

“Existe o crime de assédio sexual, de importunação sexual, de ato obsceno e estupro, quando falamos dos crimes sexuais. Cada um tem sua especificação, mas sempre, qualquer ato que seja cometido através de violência ou grave ameaça é estupro”, explicou a delegada, que detalhou todos esses crimes.

Maria era obrigada a ver seu tio se masturbar ao longo das sessões de abuso sexual. Mesmo que ele tivesse parado ali, ele já seria um criminoso.

“Se a pessoa está cometendo um ato obsceno, mas está direcionado a alguém, é importunação sexual. E, nesse caso, a pena varia de 1 a 5 anos de reclusão. Sendo assim, é um crime sem fiança e quem comete a importunação fica preso. Por isso, a gente precisa entender que o homem que faz isso na rua para desconhecido, em ônibus…pode ser comum, mas não é legal, não é permitido. É um crime e se você denunciar, ele será preso”, explicou Débora.

Mas, no caso de Maria a violência foi além. Apesar de não relatar em detalhes o que sofria, a jovem se lembra que o tio, quase 30 anos mais velho que ela, não chegou a consumar o ato sexual, mas foi somente isso que ele não fez.

Eu tinha medo de dormir, tinha medo de ir para o banho. Ele sempre conviveu com a gente, com a família e eu era obrigada a estar perto dele o tempo todo Maria

“Eu tinha medo de dormir, tinha medo de ir para o banho. Ele sempre conviveu com a gente, com a família e eu era obrigada a estar perto dele o tempo todo. Ninguém da família sabia e mesmo depois que eu consegui escapar dele eu precisei aceitar a presença dele. Ele estava nos natais, nas festas de aniversários, ele estava no meu casamento. Só eu sabia o quanto doía, mas hoje eu entendo o porque me calei tanto tempo”, desabafou Maria.


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A jovem, que apesar dos traumas vive um casamento feliz há mais de uma década, entende que se tivesse falado antes, talvez tivesse sido silenciada. “Quando eu contei, eu não recebi o apoio que achei que fosse receber. Minha palavra foi colocada em dúvida, questionaram se eu não estava criando. Mas eu vi um familiar duvidando da minha prima quando ela teve coragem de contar. E aí, na hora eu lembrei do propósito que eu fiz com Deus. Se houvesse outra vítima eu falaria e ali era a hora de falar”, recordou.

Maria apoiou a prima, foi na audiência, contou tudo que viveu em frente seu algoz, que assistia a tudo sentado ao lado de uma advogada. “Eu pedi desculpa a ela, pois se eu tivesse contado antes, talvez ela não teria sido vítima dele. Aí, depois, uma outra prima me pediu desculpa. Na cabeça dela, se ela tivesse contado, eu não teria sido vítima. Mas, na verdade, ela passou o que eu passei, e que bom que a mais nova contou e a gente conseguiu romper um ciclo de silêncio e de dor. Hoje ele está preso”, afirmou.

E assim como Maria, somente em 2022, 3.438 crianças foram vítimas de estupro de vulnerável no estado. Isso significa que mais de nove crianças foram violadas por dia no Rio de Janeiro.

“Quando falamos de estupro de vulnerável estamos falando de menores de 12 anos, ou quando a vítima não está possibilitada de responder por si. Nesse caso, o código penal estipula uma pena que vai de 8 à 15 anos de prisão, sendo, também, um crime inafiançável”, explicou.

Se utilizarmos os números para olhar a cena de forma mais ampla, contabilizando o número total de estupros, entendemos que a cada dia, mais de 13 mulheres foram estupradas no Estado em 2022. Somente em São Gonçalo, de janeiro a setembro de 2023 já foram registrados 160 casos de estupros.

“Esses criminosos não cometem só um crime. Por isso é importante registrar. O crime de estupro, em sua maioria, é cometido de forma recorrente, por conhecidos, parentes. Quando se consegue romper o ciclo e denunciar, a prisão é o que impede que ele troque de vítima e siga agindo”, reformou a delegada.

“Hoje eu entendo que eu precisava construir força para falar sobre isso sem as lágrimas caírem. Recebi um super apoio do meu marido, de alguns familiares e, assim, eu consegui manter e encarar quem não estava apoiando. Eu entendo o quanto é difícil”, finalizou Maria, que com a prisão de seu estuprador, finalmente foi libertada da prisão do medo e da vergonha.

E quando o crime é no ambiente de trabalho, como agir?

Segundo o código penal o crime de assédio sexual só acontece quando o superior hierárquico usa seu poder para manter, convidar ou insinuar que o funcionário mantenha relação com ele.

“O nome ganhou popularidade, mas o crime refere-se aos casos que envolvam hierarquia. Portanto, um colega de trabalho não comete assédio, mas, ele pode cometer importunação sexual. O crime de assédio é um crime de menor potencial ofensivo, com pena de até dois anos de reclusão. Mas, vamos relembrar que o crime de importunação não tem fiança e deixa preso”, explicou Débora Rodrigues.

Para finalizar, a delegada explicou que “Os crimes de importunação, de estupro, de assedio, são crimes onde as vítimas não costumam ter testemunhas. Então é preciso lembrar sempre que a palavra da vítima tem força. Tem poder. Conte para uma colega de trabalho, uma prima, uma amiga. Mesmo que ninguém tenha visto, contem para alguém e denuncie. Existem diversos meios periciais de comprovar que o que a vítima relata é a verdade. Mas, também não podemos deixar de recordar que a falsa comunicação de crime é crime”, finalizou.

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