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“Pé de Pão”: solidariedade que alimenta moradores de São Gonçalo há quase seis anos

O projeto doa os pães frescos toda manhã e conta com o apoio de moradores e admiradores da iniciativa

relogio min de leitura | Escrito por Cristine Oliveira | 16 de outubro de 2025 - 10:02
Solidariedade se transforma em pão fresco todas as manhãs no bairro do Pita
Solidariedade se transforma em pão fresco todas as manhãs no bairro do Pita -

O ditado popular "fazer o bem, sem olhar a quem" é cumprido à risca por meio do "Pé de Pão", uma ideia simples: pendurar sacolas de pães nos galhos de uma árvore na Rua Pio Borges, no Pita, em São Gonçalo. Criada pelo artesão Charles Melo de Almeida e apoiada por moradores da região, a ação existe há quase seis anos e já foi destaque no jornal O SÃO GONÇALO em 2021. Desde então, segue transformando solidariedade em alimento para quem mais precisa.

A ideia surgiu em 2019, após uma reunião entre familiares e amigos. O artesão Charles viu um homem procurando o que comer no lixo. Sensibilizado com a cena, ele deu alguns pães ao catador. Naquele momento, despertou nele a vontade de ajudar pessoas que não têm sequer um pão para se alimentar.


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“Estávamos tomando café da tarde, quando vimos um catador de recicláveis buscando alimento no lixo. Na hora, falei: ‘Tem aqui um pãozinho, vamos te dar para você não precisar procurar no lixo’. Após entregar os pães, tive a ideia de colocá-los naquela arvorezinha”, contou Charles.

Charles Melo de Almeida, idealizador do "Pé de Pão", pendura pessoalmente os saquinhos de pão todas as manhãs em uma árvore na Rua Pio Borges
Charles Melo de Almeida, idealizador do "Pé de Pão", pendura pessoalmente os saquinhos de pão todas as manhãs em uma árvore na Rua Pio Borges |  Foto: Layla Mussi

No primeiro momento, a ação não teve o efeito esperado. Os pães, pendurados sem qualquer sinalização, foram confundidos com lixo e recolhidos pelo caminhão da coleta. Entretanto, o idealizador não desistiu e buscou formas de mostrar à comunidade a verdadeira finalidade da iniciativa.

“Um amigo alertou: ‘O caminhão do lixo vai passar, vai ver a sacola e vai recolher’. Eu disse que não, pois ele só passava de manhã, e já era à tarde. Mas ele estava certo. Pendurei o saquinho, e o caminhão passou e levou. [...] Depois disso, coloquei uma placa identificando a árvore como especial, explicando que ali havia pães e que as pessoas podiam pegar”, explicou Charles.

Apesar da nobreza do gesto, o “Pé de Pão” enfrentou críticas. Alguns acreditavam se tratar de loucura ou afirmavam que pessoas que não precisavam estavam se aproveitando da ação.

“No começo, você é tido como louco. Acho que a diferença entre o louco e o gênio é o resultado: se dá certo, você é o cara; se dá errado, você é maluco. Nas primeiras semanas, diziam que quem não precisava pegava. Mas quem precisa também pega. Durante a pandemia, continuei colocando pães todos os dias, mesmo em menor quantidade. Minha avó doava R$ 2,00, e o projeto começou com R$ 3,00 por dia. Nunca faltou. Depois, o dono da padaria começou a doar R$ 4,00 em pães por dia. Clientes também deixavam o troco para colaborar”, lembra Charles.

Sensibilizado após ver um homem revirando o lixo, Charles criou o projeto que já inspirou moradores de outros bairros e cidades
Sensibilizado após ver um homem revirando o lixo, Charles criou o projeto que já inspirou moradores de outros bairros e cidades |  Foto: Layla Mussi

Atualmente, a ação distribui de 10 a 20 saquinhos por dia, cada um com dois pães. Os números variam conforme as doações feitas na padaria parceira. Os saquinhos ficam disponíveis entre 6h30 e 7h30 da manhã, todos os dias.

As funcionárias da padaria separam os pães nas sacolas, e Charles faz uma triagem sempre que percebe excesso de pães em uma só embalagem. Assim, garante que cada pessoa receba a mesma quantidade.

O “Pé de Pão” alimenta catadores de recicláveis, carroceiros, idosos e até crianças, que levam os pães para a merenda escolar. Quem quiser colaborar pode pendurar alimentos na árvore ou deixar uma quantia quitada na padaria.

Colaboradores e suas histórias emocionantes

A iniciativa recebe apoio de moradores da região, como o dono da padaria e vizinhos que se sensibilizaram com cenas tocantes.

“Passei aqui às 7h da manhã, debaixo de chuva, e vi uma senhora com uma criança no colo e duas meninas pequenas. Perguntei se ela esperava alguém, e ela respondeu: ‘Estou esperando o rapaz colocar o pão aqui. Não tenho nada para dar às minhas crianças’. Aquilo me doeu por dentro. Levei-a à padaria, comprei R$ 5,00 de pão, dava de 18 a 20 pães na época. Ela disse que era muito, mas respondi que no dia seguinte poderia chover de novo e ela já teria pão em casa. Desde então, passei a ajudar sempre que posso”, contou Geraldo Teixeira Fontes, de 83 anos, morador do Zumbi.

Aos 83 anos, Geraldo Teixeira Fontes é um dos apoiadores do projeto e se emociona ao lembrar de sua infância marcada pela escassez
Aos 83 anos, Geraldo Teixeira Fontes é um dos apoiadores do projeto e se emociona ao lembrar de sua infância marcada pela escassez |  Foto: Layla Mussi

Além da emoção do momento, a história pessoal de Geraldo também o motivou. Quando criança, sua mãe muitas vezes não tinha pão para alimentar os seis filhos.

Outro colaborador é o serralheiro Anderson dos Santos Fonseca, de 53 anos, que passou a doar pães após sua filha ser curada de um câncer.

“Minha filha teve câncer há dois anos. Prometi que, se ela fosse curada, faria uma festa. Então o Babau (Charles) me perguntou: ‘Você pediu a quem para ela ser curada?’ Eu respondi: ‘A Deus’. E ele disse: ‘Então, por que vai fazer festa para os homens? Faça algo para agradar a Deus’. E foi o que fiz. O dinheiro da festa doei à igreja, e desde então não parei de ajudar. Também contribuo com o ‘Pé de Pão’”, relatou Anderson.

Após a cura da filha, Anderson Fonseca passou a contribuir com o projeto como forma de gratidão e fé
Após a cura da filha, Anderson Fonseca passou a contribuir com o projeto como forma de gratidão e fé |  Foto: Layla Mussi

“Me sinto feliz porque vejo que o projeto deu certo. As pessoas vêm, pegam os pães, e a fome de muitas é amenizada. Espero que essa ideia inspire outros a fazer o mesmo”, completou.

O desejo de Anderson já está se realizando, pois o projeto do ‘Pé de Pão’ recebe ajuda e contribuições de pessoas de outras localidades, que admiram o trabalho desempenhado pelos moradores de São Gonçalo.

“Tem gente que ajuda quando pode. Outro dia recebi ligação de uma pessoa de Papucaia (Cachoeiras de Macacu), pedindo meu Pix para doar uma quantia. Mas prefiro não trabalhar com dinheiro. A ideia é simples: passa, coloca o pão, e quem precisa pega. Se quiser ajudar, vá até a padaria, deixe pago, e eu retiro os pãezinhos”, finalizou Charles.

Projeto criado por artesão e apoiado por vizinhos alimenta dezenas de pessoas há quase seis anos
Projeto criado por artesão e apoiado por vizinhos alimenta dezenas de pessoas há quase seis anos |  Foto: Layla Mussi

Sob supervisão de Marcela Freitas 

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