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UFF cancela sem aviso prévio matrícula de estudante de medicina por não ser considerada parda

A estudante precisou recorrer à Justiça no início deste ano após a banca de heteroidentificação não reconhecer a legitimidade de sua cota

relogio min de leitura | Escrito por Cristine Oliveira sob supervisão de Cyntia Fonseca | 05 de agosto de 2025 - 15:09
Estudante de Medicina da UFF não é considerada parda pela banca de heteroidentificação e tem matrícula cancelada
Estudante de Medicina da UFF não é considerada parda pela banca de heteroidentificação e tem matrícula cancelada -

A estudante de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), Samille Ornelas, de 31 anos, foi vítima de um descaso ao ter sua matrícula cancelada sem aviso prévio, durante o primeiro semestre de 2025, após a banca de heteroidentificação da instituição não a considerar uma pessoa parda.

Samille conquistou a vaga no curso de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), seguindo os protocolos, através da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e pleiteou o seu lugar por meio do programa de cotas raciais, uma vez que Samilla é parda.


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Para ser aprovada pela cota, a estudante teve que ser submetida à avaliação da banca de heteroidentificação da instituição. Nessa etapa, Samille enviou um vídeo de apenas 17 segundos, tempo permitido pelo sistema, onde os avaliadores iriam analisar seu rosto e feições para determinar se ela se enquadra nos requisitos.

No primeiro momento, a banca não aceitou a matrícula da estudante alegando que não era compatível com os fenótipos - características visíveis de um indivíduo, resultante da mistura entre genótipo e ambiente. O direito de cursar Medicina só foi garantido após uma liminar no começo deste ano, porém a UFF recorreu na Justiça e um desembargador acatou o pedido da instituição em cancelar a matrícula.

De acordo com a jovem, que passou 6 anos estudando para conquistar a vaga, a instituição de ensino superior não a informou sobre o cancelamento de sua matrícula, que ocorreu durante o período de avaliações do primeiro semestre de 2025.

“Eu não recebi a notícia. Eu descobri porque fui barrada de entrar no RU (Restaurante Universitário), no aplicativo apareceu que eu estava com acesso negado, porque não tinha vínculo com a instituição. Aí entrei no site da UFF e todos os meus dados haviam sido apagados, ficou disponível apenas minha declaração de matrícula cancelada por liminar cassada. Nem meus advogados haviam recebido a notificação judicial da decisão do juiz”, contou a estudante de medicina da UFF em entrevista ao O SÃO GONÇALO.

Além do descaso da universidade em comunicar a estudante sobre a medida, não houve um posicionamento posterior que esclarecesse a questão.

“Não respondeu ninguém, até um deputado federal que emitiu nota, eles não responderam”, contou a jovem.

No momento a biomédica e estudante de medicina está aguardando a admissibilidade de Supremo Tribunal Federal (STF) e STJ (Superior Tribunal de Justiça)

Samille espera que a Universidade Federal Fluminense reconheça o seu erro e permita que ela volte às aulas. "Que eles reconheçam que erraram comigo e só me deixem voltar a estudar em paz, como sempre sonhei. Eu não queria essa exposição, procurei eles por diversas vezes e ninguém me atendeu ou apoiou. Então precisei recorrer ao que eu podia p ser escutada", disse.

Além disso, a estudante alega que não recebeu apoio ou orientação da universidade.

“Eu tive a sensação de desespero, sabe quando você desce uma montanha-russa e do nada dá aquele frio na barriga e a sua alma sai do corpo? Foi essa sensação, é como se eu tivesse perdido o chão, eu não contava com isso, foi desesperador. Eu só conseguia chorar e olhar para os lados e eu nem sabia quem eu procurava para pedir ajuda e eu comecei aos poucos falar com as pessoas que eu imaginei que pudesse me ajudar, só que infelizmente eu não tive a ajuda que eu esperava”, contou a estudante.

O cancelamento da matrícula afetou diretamente a vida pessoal e profissional de Samille, causando incertezas em diversas áreas de sua vida, o que também afeta sua qualidade de vida.

“Isso tem impactado a minha vida de forma surreal, porque, primeiro eu tenho 31 anos de idade, então quanto mais tempo eu levar para me formar pior é porque isso atrasa o meu lado pessoal, eu estou realizando a minha parte profissional, mas o meu pessoal está atrapalhada. Então, eu tenho 31 anos, o nosso relógio biológico, meu sonho é ser mãe, então se eu entrar agora eu vou me formar com 37 anos e quando é que eu vou poder ser mãe? E se eu for mãe agora, eu vou ter que trancar a faculdade. É um limbo, as duas opções são difíceis. Eu me sinto atrasada, tinha gente na minha sala com 17 anos, eu com 31 lá nadando contra a maré, eu precisei pedir demissão de um emprego para começar a faculdade. Então, assim são muitas coisas que estão sendo afetadas, a minha autoestima, a sensação de atraso, a sensação de não pertencimento, são muitas coisas”, desabafou Samille.

Procurada, a Universidade Federal Fluminense (UFF) esclarece que "o caso envolvendo a candidata Samille Ornelas está atualmente sob a esfera judicial, e que a instituição cumpre integralmente as decisões emanadas pelo Poder Judiciário, sem interferência ou autonomia decisória neste estágio do processo.

Ressalta-se que a candidata foi considerada inapta por duas comissões independentes e distintas, compostas por servidores e estudantes que recebem, regularmente, formação conduzida por especialistas na área dos estudos étnico-raciais. Portanto, são membros capacitados para atuar nas avaliações, com formação específica em letramento racial.

A UFF acredita firmemente na relevância das políticas de reserva de vagas para ingresso no ensino superior e tem atuado de forma contínua em sua implementação e aperfeiçoamento, com base nos princípios da justiça, diversidade e compromisso com a função social da universidade pública. A instituição busca assegurar, com máxima responsabilidade, que seus processos seletivos sejam conduzidos de forma transparente, isonômica e em conformidade com a legislação vigente".

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