Passageira com esclerose relata constrangimento em voo e especialistas apontam possível violação de direitos
Caso de Paloma Alecrim, impedida de acessar banheiro adaptado em voo da Latam, acende alerta sobre falhas na acessibilidade aérea e pode resultar em processo por danos morais

A artista e ativista Paloma Alecrim, de 29 anos, denunciou uma situação de profundo constrangimento vivida durante um voo da Latam Airlines, entre Los Angeles (EUA) e São Paulo, no dia 18 de abril. Diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença neurodegenerativa progressiva que compromete funções motoras, Paloma foi impedida de utilizar o banheiro adaptado da aeronave e, diante da ausência de alternativas dignas, precisou trocar fralda na área da cozinha do avião.
Segundo relato publicado nas redes sociais, a jovem, que já havia informado à companhia sobre sua condição e solicitado assistência especial, foi surpreendida pela falta de preparo da tripulação. Ao solicitar o uso do banheiro acessível, foi informada de que ninguém sabia onde estava a chave. “A funcionária chegou no meu ouvido e disse: ‘A chave, a gente não está encontrando’. Depois, sugeriram que eu urinasse no próprio chão do avião e que eles limpariam depois”, contou Paloma. Diante da recusa, ela e seu acompanhante foram conduzidos à cozinha da aeronave, onde, sem qualquer estrutura adequada, improvisaram a troca de fralda com água mineral e guardanapos.
A denúncia gerou forte repercussão nas redes e acendeu o debate sobre a falta de acessibilidade no transporte aéreo brasileiro. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) lamentou o episódio e informou estar em contato com a Latam para apurar o caso. De acordo com a Resolução nº 280/2013 da Anac, as companhias aéreas são obrigadas a prestar assistência adequada a passageiros com necessidades especiais, incluindo o acesso às instalações sanitárias durante todo o voo.
Em nota oficial, a Latam nega qualquer desrespeito e afirma ter oferecido “toda a assistência necessária à passageira e ao seu acompanhante”. Segundo a companhia, foi disponibilizado um “espaço maior e isolado por cortinas” para garantir a privacidade da passageira.
Nota completa:
"A LATAM Airlines Brasil esclarece que a tripulação do voo LA8087 (Los Angeles-Guarulhos), de 18/04, ofereceu toda a assistência necessária à passageira e ao seu acompanhante. Durante o voo, o acompanhante solicitou o uso do toalete para a troca de fraldas da passageira. Visando oferecer mais conforto e espaço para o procedimento, os comissários ofereceram um espaço maior e isolado por cortinas, garantindo a privacidade de ambos. A companhia nega qualquer tratamento desrespeitoso à passageira".
No entanto, a versão contrasta com o relato de Paloma, que descreve a experiência como “humilhante, violenta e desumana”. Ela afirma nunca ter se sentido tão exposta: “Me lavaram com água mineral e me enxugaram com guardanapo. Gravar o ocorrido foi uma forma de ter provas, porque se a gente só fala, dizem que é exagero, mentira.”
Para especialistas, a situação configura grave violação de direitos. O advogado Rodrigo Alvim, especialista em Direito dos Passageiros Aéreos, afirma que o caso é passível de indenização por danos morais. “É extremamente vexatório. A passageira tinha direito ao uso do banheiro adaptado, e a empresa tem o dever de garantir isso. O fato de não encontrarem a chave não exime a responsabilidade da companhia”, analisa.
A advogada Fabiana Soraia Gomes destaca a importância de passageiros com necessidades especiais documentarem situações semelhantes. “Gravar vídeos, reunir provas e informar imediatamente o SAC da companhia são medidas importantes. Se a reclamação não for solucionada, é possível registrar denúncia na plataforma consumidor.gov.br e acionar a Anac”, orienta.
O advogado de Paloma, Jorge Luiz dos Santos Júnior, informou que ingressará com uma ação judicial contra a Latam por danos morais e pedirá uma retratação formal da empresa. Ele também pretende acionar o Ministério Público e a Anac.
O caso de Paloma Alecrim lança luz sobre a urgência de revisão nos protocolos de atendimento a passageiros com deficiência no setor aéreo. Mais do que um problema isolado, o episódio expõe uma lacuna estrutural na acessibilidade e no preparo das tripulações para lidar com situações que envolvem dignidade, autonomia e direitos humanos. “Infelizmente, as pessoas ainda não estão preparadas para tratar pessoas com deficiência de forma anticapacitista”, lamentou a ativista.
Paloma voltava de um centro de pesquisa da Universidade da Califórnia, onde busca tratamentos que melhorem sua qualidade de vida. Ela foi diagnosticada com ELA há três anos e, segundo estimativas médicas, o prognóstico de vida varia entre dois a cinco anos. “Não é só sobre mim. É sobre todas as pessoas que precisam ser tratadas com humanidade, mesmo a 10 mil metros de altitude”, conclui.
Leia também:
Guarda Municipal prende homem que tentava arrombar estabelecimento comercial no Centro
Papel que floresce: como negócio em São Gonçalo transforma resíduos em impacto positivo