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De jogador internacional a traficante: conheça a trajetória de Alex Café

Ativista social é, hoje, responsável por um dos maiores projetos dentro de comunidade em São Gonçalo, e pede ajuda para expandir o trabalho

relogio min de leitura | Escrito por Renata Sena | 06 de dezembro de 2023 - 09:44
Alex Sandro Pereira dos Santos, o Alex Café
Alex Sandro Pereira dos Santos, o Alex Café -

Ele já foi o Turú, atualmente é o Café. Já foi uma criança pobre, moradora de comunidade, um jovem jogador de futebol, com carreira internacional e também um viciado em drogas, que se tornou traficante para sustentar o vício, na favela onde nasceu, em São Gonçalo. Hoje, ele é o Alex Café, pedreiro, pai e referência na Comunidade do Zumbi, no bairro de mesmo nome, em São Gonçalo, onde se dedica a levar o esporte para as crianças através do projeto 'Lutadores da Fé'. Depois de viver a realidade do crime e das drogas, Café luta, e divide o que tem, para mudar a realidade das crianças do local.

Alex Sandro Pereira dos Santos, de 45 anos, é filho de Vera Lúcia e Adilson. Seu pai, apesar de ser trabalhador e não ter envolvimento com o crime, foi assassinado (crime passional) quando o filho tinha apenas três anos. A manicure Vera Lúcia passou então a cuidar de três filhos, dos pais e de dois irmãos com deficiência. Aos 12 anos, Alex enterrou o avô, o homem que ocupou o papel de pai e deu a ele, apesar das dificuldades, a chance de se tornar jogador de futebol.


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“Foi uma infância muito difícil, pobre mesmo. Mas, apesar de tudo, meu avô me ajudava com as passagens, com o que podia para eu ir treinar meu futebol. Comecei a jogar com oito anos de idade. Saía da escola e ia para o clube treinar. Primeiro no Canto do Rio, depois no São Cristóvão, Bangu e cheguei a treinar no Vasco e depois no Flamengo. Contudo, o futebol não dava dinheiro como hoje. Ali, eu ainda pagava para jogar, praticamente. Mas minha família me ajudou, me apoiou. Eu era um menino bom, só saía de casa para escola e futebol. Ajudava minha avó com os trabalhos da casa. Minha mãe saía de dia e só voltava de noite, para garantir o sustento da família. Meu avô, que foi minha referência de pai, morreu nos meus braços”, relembrou Café.

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O menino que aos 12 anos já havia enterrado pai e avô, não imaginava que aos 30 já teria enterrado, ou visto morrer, mais de 30 amigos, conhecidos, vizinhos e, até mesmo seu irmão caçula - executado no Zumbi, com mais de 20 tiros. Mas aguarde aí, pois antes da dor, veio a alegria na vida do menino favelado, que sonhava em ser jogador de futebol.

Diferente da maioria, Café sonhou e conseguiu realizar seus sonhos. Aos 13 anos, começou a receber um pouco de dinheiro com o futebol. Pouco depois, ele entrou na fase juniores e foi jogar no União Bandeirantes, no Paraná. Até ser aceito pelo clube, dormiu em praça e morou de favor na casa de um menino que também participava da ‘peneira’ na clube paranaense.

“Um empresário, na época, levou uns meninos do Rio e disse que era só chegar no clube que estava tudo certo. Não estava. Era uma fase seletiva. Dormimos na rua e pedimos comida para conseguir se alimentar. Uns dias depois, uma mãe deixou a gente ficar na casa dela. Após isso, eu fui aceito para compor o elenco e aí passei a viver no clube. Fiquei lá por pouco mais de três anos e depois voltei para o Rio”, contou.

“Meu sonho era vencer no futebol, mas as drogas não deixaram"
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De volta à sua comunidade no Zumbi, em São Gonçalo, Café passou a treinar em clubes cariocas. Após passar por alguns clubes menores, ele chegou ao Vasco da Gama, aos 19 anos e passou a fazer parte do elenco de um dos maiores clubes do Brasil . Ele estava vivendo o sonho de criança, até que…

“Em festas, nas saídas pós jogo, eu tive contato direto com a maconha. Depois com o 'cheirinho da loló' e cheguei na cocaína. Rapidamente, eu me tornei um dependente químico. Era o fim de um sonho e eu já não conseguia mais viver sem a droga, naquele momento. Comecei a ter a rotina afetada. Não rendia mais nos treinos, nos jogos. Passei a ser repreendido constantemente pelo treinador e, sem contar que estava usando drogas, pedi para sair do clube”, relembra.

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Alex, que nessa época era conhecido como Turú, voltou para a comunidade e, apesar do vício, era visto como o atleta do local. Tentou jogar em outros clubes, passando até pelo Flamengo, mas, sem largar as drogas, passou a jogar nos campeonatos de favelas, garantindo muitas vitórias ao time da casa, e recebendo como pagamento, ou agradecimento, drogas. Muitas drogas.

“Eu passei a ter acesso à cocaína o tempo todo. Só que quanto mais se tem, mais se quer. Ali no meio eu tinha tudo o que a carne quer. Drogas, mulher bonita, status. Me iludia a ponto de me manter naquele mundo. De usuário eu passei a ser um dependente químico. E foi por esse motivo que eu entrei no tráfico de drogas”, contou.

Turú ainda tentou. Ele conheceu um empresário que o levou para jogar bola fora do Brasil. Primeiro na França, depois na Itália. Contudo, mais um empresário teria agido de forma errada e, depois de um ano na Europa, ele voltou. Ali, o jogador de futebol parou de existir e Turú se transformou num traficante do Morro do Zumbi.

“Meu sonho sempre foi ser jogador. Meu pai chegou a jogar no Bangu, na década de 50, e eu queria levar isso pra vida do meu filho. Eu jogava na ala direita, assim como meu pai. Meu sonho era o futebol e as drogas não deixaram”, afirmou com tristeza.

Se a droga acabou com o sonho de ser atleta, foi ela também que colocou o jovem em situações que nunca imaginou viver. Apontado como ‘bundão’’ pelos colegas de crime, Turú não compactuava com as crueldades que os traficantes faziam.

“A realidade era cruel e muito distante da que eu sonhei. Aqui dentro da comunidade eu vi meu irmão caçula ser executado, com tiros no rosto, vi amigos pedindo para não morrer. Eu nunca tirei a vida de ninguém, mas quando eu via aquelas atrocidades, me perguntava o que eu estava fazendo ali. Não era o meu lugar. Não era a minha vida. Mas eu não conseguia sair de perto das drogas. A droga acabou com meu sonho, estava destruindo a vida da minha mãe e eu parecia estar preso a ela”, explicou.

"Esse garoto tem que morrer. Pra ele não tem jeito".

Quase dez anos vivendo no mundo do crime e Alex ainda não sentia pertencer aquela realidade. Um conhecido, evangélico, sempre que passava pelo jovem, lembrava que Jesus tinha uma promessa na vida dele.

“As pessoas apontavam e diziam que para mim não tinha jeito, que eu deveria morrer. Tudo que um viciado precisa é de alguém que ajude e não que aponte. E quando eu achava que estava no fundo, Deus enviou alguém que me estendesse a mão”, afirmou.

Alex foi surpreendido com uma megaoperação policial na comunidade. Ele foi abordado e seria detido, mesmo sem flagrante.

“Foi quando Deus cumpriu a promessa e o tenente responsável pela operação me entregou a promessa de Deus. Ele orou e Deus avisou que eu estava tendo minha última chance. O policial, que era evangélico, me deu o telefone dele e ao invés de me apontar, me ajudou. Daquele dia em diante, eu nunca mais usei drogas. Era tudo que eu queria. Eu queria me libertar daquilo, mas eu não tinha força sozinho”, relembra.

Ele lembra que foi difícil, e a fase da abstinência, cruel. “Eu cheguei a pedir para minha mãe me trancar no quarto”, disse. Nesse período, Alex passou a frequentar uma igreja e conheceu o jiu-jitsu.

“Foi uma terapia e uma força. Passei a me dedicar e me encontrei na luta. Das aulas na igreja, passamos a dar aulas em comunidade. Ali, então, nasceu o projeto Lutadores da Fé”, revelou.

Lutadores da Fé

Imagem ilustrativa da imagem De jogador internacional a traficante: conheça a trajetória de Alex Café

Em 2017, nasceu oficialmente o Lutadores da Fé. Com aulas de Jiu-jitsu, muay thai, aulas de reforço escolar e atendimento social e psicológico. Nas ruas, no alto do morro. No chão de cimento a céu aberto. Faça chuva ou faça sol, duas vezes por semana as crianças e jovens de 3 a 21 anos se encontram com profissionais que se voluntariam para ajudar Alex, agora Café, nessa missão.

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“Eu me reencontrei com o jiu-jitsu jitsu e vivi a transformação através do esporte. Tive o encontro com Deus e consegui sair daquela realidade. Todos os dias, eu levanto para tentar oferecer às crianças da comunidade a possibilidade de não ter aquilo como única opção”, declara.

Alex Café atua como pedreiro profissional e usa parte da sua renda para ajudar a manter o projeto em funcionamento. “A gente aqui vive só com as doações. Eu não cobro nada a criança nenhuma. Estamos aqui para ajudar a quem precisa”, diz.

Após anos atuando na rua, Alex recebeu a possibilidade de alugar por um valor simbólico um galpão na parte baixa da comunidade. Mas o local precisa de obras e o projeto não consegue arcar com as despesas.

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“Com a obra no espaço, a gente vai conseguir manter as aulas independente do clima. As crianças vão ter mais dignidade nos treinos e na hora dos auxílios profissionais", garantiu.

Além do Zumbi, Alex e seus voluntários já levaram o Lutadores da Fé para outras comunidades de São Gonçalo.

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Mais de 500 crianças e jovens são atendidas pelos voluntários e vivem a realidade do esporte como opção para mudar o futuro.

Para ajudar o projeto foi criado uma vaquinha virtual através do site https://www.vakinha.com.br/4243659

Ou através das redes sociais do projeto @lutadoresdafejj.

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