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Dia dos Pais: novo modelo de paternidade mostra que 'o presente é ser presente'

Neste Dia dos Pais, O SÃO GONÇALO buscou entender o novo modelo de paternidade que tem ganhado força nas famílias brasileiras: a paternidade pelo afeto

relogio min de leitura | Escrito por Rafaela Marques e Felipe Galeno | 13 de agosto de 2023 - 09:30
Rômulo e seus filhos: Isack, de 10 anos, Benjamin, de 3, e David, de 2
Rômulo e seus filhos: Isack, de 10 anos, Benjamin, de 3, e David, de 2 -

Com o nascimento de uma criança, a vida de uma família muda e novas funções são destinadas a cada integrante daquele núcleo, independentemente da configuração familiar. Entretanto, por muito tempo, os cuidados com o bebê foram divididos de forma desigual entre as mães e os pais, seguindo os estereótipos de que o homem é a figura de autoridade que provê para a família, e a mulher é quem cuida, dá amor e participa do dia-a-dia da criança. Há 100 anos, essa era a imagem mais comum que se tinha de um pai. E hoje?

A resposta para essa pergunta é simples: hoje, ser pai vai muito além dos estereótipos que foram estabelecidos séculos atrás. Mais do que nunca, os homens têm assumido o papel de pais cuidadosos, que além de contribuírem no sustento da família, são figuras de referência para seus filhos em amor e carinho. 


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A historiadora Marcia Esteves Agostinho escreveu um artigo sobre esse novo modelo de paternidade, em que diz que "já não basta mais que os homens sejam uma figura de autoridade ausente na vida dos filhos, e nem mesmo o pai participativo fica livre das críticas".

“Como Fábio Júnior deixou claro na letra de “Pai”, espera-se que pai e filho sejam “muito mais que dois grandes amigos”, e por isso, um pai precisa demonstrar genuíno envolvimento emocional. A nova paternidade se funda sobre vínculos de afeto. A autoridade baseada na competência se transforma em autoridade baseada no cuidado”, explica Marcia.

Assim, a visão do “super-herói” sai de um pedestal e se torna próxima, real e, muitas vezes, imperfeita, mas mostra que ser pai é se esforçar para fazer o certo e o difícil.

Por mais que, por muito tempo, os pais tenham ocupado uma posição mais afastada dos conflitos e dilemas das vidas de seus filhos, são os que têm coragem para serem vulneráveis e abertos que podem ser considerados verdadeiros heróis. A vulnerabilidade é a nova chave para uma paternidade em que as emoções importam e o afeto, ultrapassa qualquer dificuldade.

É através do afeto e da união, que Rômulo de Oliveira, que já é pai há dez anos, ressignificou a paternidade há dois anos e meio, com o nascimento de seu terceiro filho.

Rômulo e seus filhos: Isack, de 10 anos, Benjamin, de 3, e David, de 2
Rômulo e seus filhos: Isack, de 10 anos, Benjamin, de 3, e David, de 2 |  Foto: Divulgação/ Arquivo Pessoal

O marceneiro, de 43 anos, é pai do Isack, de 10 anos, fruto de seu primeiro relacionamento, e dos pequenos Benjamin, de 3, e David, de 2 anos, filhos de sua segunda companheira Estela, que faleceu precocemente aos 33 anos, pouco tempo depois de dar à luz. Desde a morte da parceira, ele se desdobra entre o trabalho e as demandas de pai - e mãe - das crianças.

A responsabilidade pelos pequenos, ele toma como uma convocação ‘divina’, um destino que, segundo ele, já pressentia muito antes dos contornos trágicos pelos quais sua história viria a passar. “Uma vez, ainda durante o meu primeiro relacionamento quando já tinha o Isack, eu estava subindo uma escada e ouvi uma voz falando: ‘Tu será pai de filhos’”, relembra Rômulo, dono de uma marcenaria em Pendotiba, Niterói.

Na época, o dito chamado não fez tanto sentido, já que sua então esposa não queria ter outros filhos. Muitos anos se passaram até que ele voltasse a pensar no assunto, quando Estela, que conheceu algum tempo depois de se separar e com quem construiu a nova família, ficou grávida. A gestação, no entanto, foi interrompida.

“Nós perdemos a criança. Ela ficou entre a vida e a morte lá no Santa Marta, pelo período de um mês. Teve infecção generalizada, mas, por um milagre, ‘reviveu’. A médica disse que ela não podia ter filhos. E aí nasceu, um ano depois, o Benjamin. Ainda no resguardo do Benjamin, ela engravidou do Davi. Foi tudo muito rápido, foi uma ‘carreira meteórica’”, ele comenta.

A gestação do Davi, porém, aconteceu ainda no auge da pandemia de Covid-19. No último mês de gravidez, início de 2021, Rômulo foi infectado pelo coronavírus e a companheira começou a também sentir os sintomas. “Ela começou a sentir muita falta de ar. Fizemos os testes [de Covid], mas dois testes dela deram negativo. Levamos para o hospital, achando que, por ser a parte final da gravidez, a parte respiratória já estaria mais sacrificada, porque a criança estava empurrando. Só que já era consequência de uma Covid não-diagnosticada”, explica.

O quadro piorou e alguns dias mais tarde, às vésperas do parto, Estela acordou passando muito mal, com um semblante avermelhado. “No dia, ela me falou: ‘Vida, se alguma coisa acontecer comigo, você diga para essas crianças que eu dei todo o meu amor por elas. E você dê muito amor a elas também’. Eu falei: ‘que isso, como você fala uma coisa dessas? Vamos para o hospital!’”, rememora o viúvo.

No Hospital Estadual Azevedo Lima (Heal), a gestante ainda conseguiu passar pelo trabalho de parto, bem-sucedido, mas acabou entubada por conta de um agravado quadro de Covid. No CTI, algumas de suas últimas palavras foram declarações de amor às crianças, incluindo a Isack, que não era seu filho, mas por quem tinha um profundo carinho. Pouco tempo depois, Estela faleceu.

“Eu tinha certeza de que Deus sabia o quanto essas crianças precisavam da mãe, tinha uma certa paz de que Ele não a levaria por causa disso. Só que Ele é soberano e, no entender Dele, resolveu levá-la”, conta Rômulo, com um misto de dor e consolo na voz e no olhar. Ao luto, ele tenta responder com um sentimento de dever cumprido.

“A gente se amou. A gente ficou junto até o último momento. Até a última pá de terra no sepultamento, eu estava ali com ela. Fui até o fim e vou continuar, através desse amor por essas crianças”, ele define. O trauma da perda deixou muitas marcas, mas também reforçou sua determinação diante da paternidade, que se tornou uma missão de vida.

Após a morte de sua esposa, Estela, Rômulo se viu diante da necessidade de assumir a paternidade solo
Após a morte de sua esposa, Estela, Rômulo se viu diante da necessidade de assumir a paternidade solo |  Foto: Divulgação/ Arquivo Pessoal

Os primeiros meses após a morte de Estela foram os mais difíceis, na sua opinião. “Foi muito difícil chegar do hospital com o Davi no colo e me deparar com o Benjamin pela casa, procurando a mamãe”, revela o marceneiro. Além das dores emocionais, havia as demandas básicas de suprir, sozinho, as necessidades de uma casa com crianças de colo.

Para isso, ele destaca a importância que os apoios externos tiveram: “Recebi ajuda de gente que nem conhecia”. Familiares, amigos, ‘irmãos’ de sua fé e mesmo pessoas de crenças e realidades totalmente diferentes da sua enviaram doações de dinheiro e comida a alimentos e outros itens. O suporte se multiplicou a ponto de Rômulo, em alguns meses, ter conseguido compartilhar parte das doações com famílias carentes.

Com o tempo, as coisas foram se acertando. Hoje, sua rotina é extremamente atarefada, mas, entre as ajudas e esforços, ele tem dado conta de garantir uma criação saudável aos pequenos. Voltou a morar perto do filho mais velho e cuida dele e dos pequenos o máximo de tempo que pode, antes de deixar os mais novos na casa da mãe, que toma conta deles enquanto Rômulo trabalha na marcenaria.

“É uma correria”, explica o marceneiro, que já não sabe bem o que é ter algum tempo para si próprio. Para ele, no entanto, isso o ajudou a enfrentar o luto e o desafio da paternidade solo. “Através disso, minha mente se mantém ativa. Se eu parar demais para pensar, voar demais, eu acabo caindo naquelas nostalgias, melancolia. Eu vejo que esse tempo bem ‘tomado’ de coisas é uma forma de eu continuar”.

Mesmo no dia-a-dia de tábuas e serragem, a paternidade não o deixa, seja no cuidado a distância com as crianças, seja ele próprio relembrando que, além de pai, é filho. Há alguns meses, seu pai, o Seu Wanderval, de 71 anos, voltou ao antigo ofício de empalhador de cadeiras e agora divide o espaço da marcenaria junto com ele.

“A gente briga muito, mas ele é um grande amigo. Temos muitas diferenças, mas a gente se entende. Trouxe dele muitos ensinamentos, o temor a Deus, e essa amizade de uma pessoa com quem posso contar. Isso não tem preço, na hora que você não tem ninguém, não tem nada, ter o ombro de um pai para contar”, celebra Rômulo.

É esse tipo de apoio que ele pretende ser para os filhos a cada dia, sem deixar, é claro, que os esforços e cansaços para chegar a isso tirem de seus olhos o brilho de apenas estar presente na vida das vidas que ajudou a trazer ao mundo. “Eu amo ser pai. Eu acho, particularmente, que é isso que falta a muitos pais: se descobrirem no prazer de ser pai. Esse amor, essa satisfação em ter seu filho te procurando, nas responsabilidades de proteger, ensinar, prover”, conclui.

É com esse mesmo amor que Leandro Azeredo, conhecido pelos mais íntimos como “Nem”, encontrou forças para criar seus dois filhos: Daniel, de 16 anos, e Bruno, de 21. Assim como Rômulo, que se viu diante de uma situação em que precisou assumir 100% a responsabilidade pelos filhos, Leandro também o fez. Ele, que morava com a mãe dos meninos até 2007, quando ela se tornou dependente química e saiu do lar, precisou, mais do que nunca, reunir suas forças para fazer o melhor por Daniel e Bruno, que na época, ainda eram crianças.

Leandro é pai de dois meninos: Daniel, de 16 anos, e Bruno, de 21
Leandro é pai de dois meninos: Daniel, de 16 anos, e Bruno, de 21 |  Foto: Divulgação/ Arquivo Pessoal

Desde então, Leandro se tornou um pai “solo”, e assumiu por completo o papel de pai, educador e amigo dos filhos. Mesmo com a ajuda dos pais e da ex-sogra na criação dos meninos, o comerciante era quem trocava fraldas, fazia mamadeiras, e cuidava dos filhos todos os dias, enquanto conciliava com a rotina de trabalho.

Hoje, com os filhos maiores, “Nem” leva uma rotina menos agitada, e aproveita todo o tempo que tem, para se fazer presente na vida deles. “No nosso dia-a-dia nós levantamos cedo, tomamos nosso café, e eu sempre faço questão de levar o Daniel à escola pela manhã. Quando retorno, já pego o Bruno para me auxiliar no comércio, e à tarde sempre quando retornamos, treinamos, e aproveitamos esse tempo para conversarmos muito... À noite levo o Bruno à faculdade, e sempre espero ele para voltarmos para casa”, detalhou Leandro.

Para ele, ser pai é mais do que dar aos filhos tudo o que querem, e sim fornecer o necessário para que eles encontrem o próprio caminho, com segurança, apoio, e presença paterna para ajudar no que for preciso.

O comerciante, que sempre morou com a dupla, conta que hoje, os três trabalham juntos aos finais de semana, e que se orgulha muito de ver onde chegaram: “Ensino a eles desde pequenos que a verdade é sempre o melhor caminho. Estudar e agregar valores e conhecimento, é a única coisa que ninguém pode te tirar. Tudo o que faço é por eles e pra eles, e a melhor parte é quando você vê eles chegarem aonde você sempre lutou, batalhou e sangrou por anos para chegar. Aí você pode dizer ‘Consegui!’, e ouvir deles ‘Obrigado pai!’”.

“Um pai que não ama seu filho , que não é presente na vida do filho, para mim, é uma pena. O ser humano vive, em média, 80 anos, e aproveitar os momentos para levar a escola, ir à uma festa de Dia dos Pais, que seu filho irá em tão poucas, talvez três ou 4 e depois passa tão rápido, são memórias que farão a diferença pra vida inteira. O pai é tão importante na educação de um filho quanto a mãe.  Eu mesmo desempenhei esses dois papéis. Sou pai e mãe deles e venci. Nós somos espelhos e nossos filhos são o nosso reflexo, e por isso, temos que servir de exemplo para eles”, completou Leandro.

Apesar dele e Rômulo terem precisado assumir a paternidade sozinhos e terem encontrado formas de se fazerem presentes no meio de suas rotinas agitadas, nem todo bom pai é um pai solo. No caso de Rafael Marques, de 45 anos, que é casado e tem dois filhos, uma menina de 20 anos e um menino de 11, ser pai sempre foi um sonho, ele apenas não imaginava que aconteceria repentinamente aos 24 anos. 

Rafael é pai de Arthur, de 11 anos, e Rafaela, de 20
Rafael é pai de Arthur, de 11 anos, e Rafaela, de 20 |  Foto: Divulgação/ Arquivo Pessoal

No início, a rotina de trabalho, estudo e a paternidade, foi algo a que precisou se adaptar, mas de uma coisa ele sempre entendeu: amor. 

Durante muitos anos, Rafael, que é servidor público, precisou ir e voltar do Centro do Rio diariamente, mas desde que passou a trabalhar em home office, tudo mudou. Com o tempo maior que passa em casa, agora ele assume responsabilidades que antes não conseguia, e aproveita o tempo para se conectar com os filhos.  

“Com a possibilidade do trabalho home office atualmente estou muito mais presente na vida deles. Consigo dividir o tempo do trabalho e sempre que posso, procuro facilitar o dia deles levando e buscando de suas atividades, conversando e orientando em suas tomadas de decisão. Quando eu trabalhava no Centro do Rio perdia muito tempo no trânsito e hoje posso utilizar esse tempo para ajudá-los", disse.

No dia a dia, ele acaba sendo o responsável por exercer a função de “uberpai”, como ele mesmo brinca, e de cozinhar para a família, já que passa mais tempo em casa. Como sua filha, Rafaela, já está na fase adulta, acaba se dedicando mais a acompanhar as tarefas diárias do filho mais novo, Arthur, e se dedica também ao caçulinha da casa: o cãozinho de 3 anos, Uther, que é a alegria da família.

“Como a diferença de idade dos meus filhos é grande hoje me ocupo mais com meu filho mais novo. Minha filha, que já é adulta, eu procuro ajudar sempre que posso dando uma carona para o estágio ou buscando na faculdade. O mais importante além da presença física é poder compartilhar de suas rotinas, brincar, conversar e orientar sempre que posso”, contou Rafael, que disse que mesmo com as diferentes rotinas e a vida corrida, sempre busca, junto de sua esposa, com quem está casado há 20 anos, encontrar um tempo para conversar e trocar as experiências que viveram durante o dia.

Para ele, o papel de um pai é educar e proporcionar uma infância saudável para seus filhos, se empenhando para torná-los fortes e prepará-los para os desafios da vida adulta. Muito do pai que é hoje vem da sua relação com o seu pai, e da vontade de fazer diferente com Rafaela e Arthur.

“A relação com meu pai foi de muita amizade e admiração. No entanto, como ele sempre trabalhou no comércio, tinha pouco tempo para acompanhar o meu dia-a-dia quando criança. Nos aproximamos muito quando comecei a trabalhar com ele quando jovem.”, revelou o servidor público, que chegou a trabalhar na peixaria e no restaurante do pai, no Mercado de Peixe São Pedro, ainda na juventude. E completou: “Como meu pai não podia me acompanhar nas minhas atividades escolares ou de atividades físicas eu procuro fazer diferente com meus filhos. Levo e busco nas suas atividades sempre que posso e principalmente procuro incentivar na evolução pessoal deles”.

Mesmo com as dificuldades que surgem na rotina da família, Rafael acredita que ter uma relação próxima com os filhos, dá a eles a segurança que precisam para fazerem boas escolhas e terem a certeza de que sempre terão com quem contar. Por terem muita liberdade para expressar seus sentimentos, as conversas fazem com que mesmo diante dos dilemas da adolescência e da vida adulta, Arthur e Rafaela se sintam apoiados e orientados para serem suas melhores versões.

Diferente do que muitos podem pensar, a proximidade com os filhos não traz benefícios apenas para as crianças. Acompanhar o crescimento e o desenvolvimento de sua dupla é uma grande alegria, tanto para Rafael, quanto para Rômulo e Leandro, que torcem e caminham lado a lado em cada conquista dos filhos.

Segundo Rafael, sua maior alegria é poder compartilhar de bons momentos com os filhos, e tenta aproveitar ao máximo enquanto os dois ainda moram com ele. “Como a minha prioridade de vida é a educação deles, eu me alegro de ter a possibilidade de poder compartilhar estes momentos. Sei que o tempo passa rápido e em pouco tempo eles seguirão por conta própria, mas terão a certeza que poderão contar comigo. E depois vêm os netos e quem sabe um novo ciclo se inicia. Se eu conseguir ser um exemplo de pai para os meus filhos, espero que eles façam o melhor para meus netos.”

E é com o desejo de fazer o melhor por e para seus filhos, que Rafael aconselha outros pais a fazerem o mesmo. 

“O tempo é curto e é uma questão de prioridade. Se você participa da vida do seu filho hoje, se tem amizade e admiração na relação é provável, não certo, mas provável, que no futuro, terá um grande amigo ao seu lado para dividir as alegrias e tristezas”, finalizou.

Mesmo com realidades e histórias completamente diferentes, o amor pelos filhos e a vontade de serem os melhores pais que puderem, é o que torna Rômulo, Leandro e Rafael, semelhantes. Cada vez mais é possível ver homens buscando entender a paternidade de maneira diferente do que lhes foi apresentado na infância, e é com esse movimento que pais mais presentes e afetuosos tem surgido em todo o mundo. 

Afinal, é como o ditado diz: “Não basta ser pai, tem que participar!”.

*Sob supervisão de Cyntia Fonseca

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