Murais de São Gonçalo: Geografia urbana e diversidade sob a ótica da arte espalhada pela cidade
No município, a diversidade artística que vai de encontro à história dos bairros, traz não só beleza, como também o sentimento de pertencimento e de representatividade encontrada em cada arte

Na prática, a arte urbana representa o encontro da vida com a arte, pois essa união se dá naturalmente enquanto o ser humano vive e se desloca pela cidade em que vive.
Manifestada através de intervenções, performances, grafite, teatro e muitas outras formas, a arte urbana é, nada mais, nada menos, do que um tipo de arte encontrada nos espaços urbanos, sendo consideradas ações artísticas de grande importância cultural em ambientes públicos, onde interagem diretamente com os indivíduos, fazendo com que os cidadãos acabem se deparando com a arte no dia a dia, em suas rotinas, sem que haja a necessidade de deslocamento até grandes centros culturais. Dessa maneira, a arte se torna acessível e democrática.
Em São Gonçalo, a diversidade sob a ótica da arte espalhada pelo município representa não só beleza às ruas e praças, mas sim um sentimento de pertencimento e de representatividade encontrado em cada pintura.
"A arte possui um papel transformador: quando bem aplicada, melhora a paisagem urbana, transmite conhecimento e fortalece a identidade cultural. Os painéis instalados em pontos estratégicos da cidade de São Gonçalo têm contribuído para uma nova percepção do território, integrando arte, urbanismo e qualidade de vida", afirmou o artista Marcelo Eco, curador do Projeto Cidade Ilustrada em São Gonçalo.
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No município, a implantação do projeto, de iniciativa da Prefeitura de São Gonçalo, que tem transformado a paisagem urbana do município desde sua criação, em 2021, trouxe, justamente, a ideia da democratização da arte em espaços urbanos antes não valorizados, facilitando, assim, a compreensão da arte e da cultura local, trazendo mais cor, identidade e beleza para as ruas e viadutos da cidade.
O contexto urbano transforma a arte em sua constante metamorfose, também proporcionando oportunidades para que artistas locais possam apresentar seu trabalho dentro do espaço onde foram criados, divulgando seus trabalhos sem precisar de um palco ou grandes estruturas.
Raízes históricas do desenvolvimento urbano
E para falar do momento atual, onde a cidade se encontra repleta de arte, é necessário revisitar sua história e entender de que forma a cultura atravessa cada parte deste município de tão grande população. A história cultural de São Gonçalo está inteiramente ligada à sua fundação e à Igreja Matriz de São Gonçalo de Amarante, a primeira paróquia do estado do Rio de Janeiro fora da capital. A devoção ao santo padroeiro, conhecido como "santo casamenteiro" e protetor dos violeiros, deu origem a festejos populares e tradições que se manifestam em danças e celebrações religiosas.
Segundo o historiador Rui Aniceto, entrevistado pela reportagem de O SÃO GONÇALO, os atuais bairros de São Gonçalo contam um pouco de suas histórias.
"Os bairros da cidade são oriundos de lugares próximos a fazendas que viraram regiões de entroncamento de estradas. As estradas de ferros e suas estações ferroviárias também foram levando ao surgimento de bairros, por terem, ao seu redor, o início do nascimento de comércios e serviços locais. Alguns bairros também surgem próximos às antigas Paróquias, como a Matriz de São Gonçalo (primeiro núcleo populacional de São Gonçalo)", explicou o historiador.
Projeto de intervenção cultural
Com o crescimento da cidade, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, São Gonçalo passou por um processo de urbanização que influenciou suas manifestações culturais. A cidade tornou-se um "celeiro de artistas urbanos", sendo reconhecida como o ponto de partida do movimento de grafite no estado do Rio de Janeiro, nos anos 90, que depois se espalhou por toda a região.
Em alguns bairros, como Alcântara, Boa Vista e também na região central da cidade, os murais a céu aberto, feitos por artistas locais sob a curadoria do também artista gonçalense Marcelo Eco, trouxeram ainda mais imponência a estas localidades cheias de história e relevância para o município.
"Esse projeto de intervenção vem desenvolvendo uma série de painéis com a temática da história de personagens locais, visando visibilizar esse conhecimento sobre a cidade, para que a população possa se reconhecer, no sentido de conhecer essas experiências da cidade e repensar sua ação na mesma. Nós enquanto seres sociais só nos tornamos um elemento social a partir da interação com o grupo. A gente só se identifica com determinados elementos a partir dessa interação com o grupo. Então a identidade local não é um dado inato, ela é construída histórica e socialmente", afirmou Rui Aniceto.
"Não existe uma única forma de se identificar com São Gonçalo, e por isso, os painéis nos permitem pensar essas diversas experiências e identidades que a cidade tem. Quando você traz, por exemplo, a temática negra, a temática indígena, os processos de conquista, você permite que a população possa complexificar essa questão da identidade, fazendo com que as pessoas possam, visualmente, entender que São Gonçalo já foi outras tantas "São Gonçalos" ao longo do tempo, e pode vir a ser tantas outras, conforme as pessoas quiserem a partir da intervenção em sua construção de futuros outros", completou o historiador.
Origem dos bairros e o impacto da arte urbana nos dias atuais
Alcântara
O nome de um dos principais bairros da cidade de São Gonçalo homenageia o imperador brasileiro Dom Pedro de Alcântara. O bairro surgiu junto a uma estação de trem e se desenvolveu no cruzamento da rodovia estadual RJ-104, que foi construída na década de 40. A via fazia a ligação da capital, Niterói, com o norte fluminense, usando o antigo traçado da Estrada Geral, ferrovia que fazia ligação das antigas fazendas do extremo oeste do município (Pacheco e Santa Isabel) à sua sede (Centro) e aos antigos portos do município.
Na década de 1970, foi construído, sobre o cruzamento, um viaduto ao longo da RJ-104. Logo depois, sob o mesmo, foi instalado o terminal rodoviário do bairro, intitulado 'Jayme Mendonça Campos', que foi reformado em 2008.
Considerado o maior polo de negócios da cidade, o bairro de Alcântara é um centro comercial onde se encontram agências bancárias, supermercados, lojas de eletrodomésticos, lojas de móveis, shopping centers, clínicas, hospitais, escolas, muitos edifícios comerciais.
O destaque fica para a Rua João Caetano, mais conhecida como “Rua da Feira”, onde existe um forte comércio de têxteis e também outros estabelecimentos no bairro.
Outro destaque está na esfera religiosa. O bairro conta com a Matriz de São Pedro de Alcântara, presente no local desde 1950, com uma circulação semanal de cerca de 5.000 fiéis. Também conta com o imponente templo da Igreja Universal do Reino de Deus, construído nos anos 2000.
A arte urbana, através da intervenção artística apresentada pelas ruas da cidade, vem sendo um fator de grande apreciação por parte da população local, que pode, ao mesmo tempo em que segue sua rotina, desfrutar de um ambiente repleto de beleza e história.

Centro
Segundo o historiador Rui Aniceto, o Centro de São Gonçalo é originado a partir da Capela construída pelo colonizador Gonçalo Gonçalves. Ele recebeu as sesmarias (grandes lotes de terra concedidos pela Coroa Portuguesa) em 1579, quando criou uma capela.
No entorno da mesma passou a surgir um núcleo populacional, que foi elevado à freguesia (unidade territorial e administrativa ligada à Igreja Católica) em 1644, com vínculo ao Rio de Janeiro. Já em 1819, a freguesia passou a ser vinculada a Niterói, (a partir do momento em que a mesma é emancipada) e em 1890, foi elevada a munícipio.
"A região central do centro da cidade, que era conhecida como vila, é essa região que vai da Praça do Zé Garoto até o Rodo. Muitas pessoas mais velhas ainda identificam essa área como vila", explicou Rui Aniceto.
O bairro tem se renovado a cada ano que passa, a partir do surgimento de novos empreendimentos, comércios e moradias, e da circulação em massa da população da cidade, que pode, agora, a partir da chegada da arte urbana representada pelos painéis, contemplar não só os atrativos comerciais, como também a beleza que é contada através dos detalhes de cada pintura.

Boa Vista
Boa Vista nada mais era do que uma fazenda do estilo colonial, de produção de açúcar, que nos 50/60 passou a ser loteada. Por isso, a origem do bairro vem justamente do loteamento destas fazendas da região.
Localizada no bairro Boa Vista, a Praia das Pedrinhas é uma comunidade de pescadores, atividade tradicional desde os tempos coloniais, tendo sua rica história inteiramente ligada à pesca e á cultura caiçara, abrigando uma tradicional colônia de pescadores e celebrando eventos como a Procissão de São Pedro e a Festa de Iemanjá.
Apesar de desafios com a poluição da Baía de Guanabara, a região tem sido alvo de projetos de revitalização, com melhorias na orla, criação de áreas de lazer e valorização artística, transformando-se num importante ponto turístico e cultural de São Gonçalo.

"Para mim, toda essa atuação é, ao mesmo tempo, profissional e afetiva. Retornar para São Gonçalo tudo o que aprendi, tanto aqui quanto em experiências com grandes empresas e projetos ao redor do mundo, tornou-se uma missão. A cada mural, buscamos reforçar o sentimento de pertencimento e estimular o orgulho de ser gonçalense", declarou o renomado artista e curador do Projeto Cidade Ilustrada, Marcelo Eco.
Amanhã você verá como os muros de São Gonçalo se transformam em símbolos de memória, resistência e orgulho. O “Povo Preto de São Gonçalo” mostra como a arte urbana celebra a identidade e a história no município.














