'OSG Encontros' recebe Décio Machado, que há 40 anos, faz da cultura a 'arte de viver'
Radicado em São Gonçalo, ele, que é pintor, artista plástico, poeta e compositor musical, fez um balanço da carreira e também falou de novos projetos que quer consolidar, ainda para 2025

A série 'Encontros 'OSG', espaço para entrevistas de personagens voltados à cultura na região recebeu um convidado especial essa semana: o poeta, compositor musical, pintor e artista plástico Décio Machado. 'Cria' de São Gonçalo ele fez um histórico de seu trabalho e também anunciou alguns projetos que pretende colocar em prática ainda esse ano. Autor de músicas que ganham cada vez mais adeptos nas plataformas virtuais, ele, entre outros trabalhos, foi quem fez o relógio movido a energia solar na Parada 40.
OSG: Décio Machado, que bom estar com você.
Décio: Bom, o prazer é todo meu. É maravilhoso falar sobre arte, sobre cultura, sobre educação. Sem cultura e sem educação, nós não vamos a um bom lugar - a verdade é essa. Precisamos de muita arte nesse mundo, né? Para dar alegria e paz à humanidade.
OSG: É, e você falando sobre arte, você tem uma vida inteira dedicada a isso, né?
Décio: Com certeza, eu já passei de 40 anos na vida cultural. Muitas vezes eu tive vontade de parar, mas está no sangue, né? A gente sempre perpetuando, continuando o processo de luta. E a gente continua essa labuta até hoje.
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OSG: Vamos falar primeiro sobre o seu início, você que dedicou a vida toda a arte, como é que começou tudo isso?
Décio: Minha história é uma coisa muito curiosa. Na verdade, eu comecei através do esporte. Eu treinei muito judô, jiu-jitsu. Eu estudei na UFF, eu fui campeão universitário, fui campeão carioca e rodava o estado representando o meu município de São Gonçalo.
Aí um belo dia, perdi minha avó. Eu trabalhava com meu pai, que tinha uma padaria, De manhã, teve o enterro, que é uma coisa triste, e depois do enterro da minha vó eu voltei para minha luta, entregar o pão. Por estar muito cansado - fiquei a noite toda no velório da minha avó - eu acabei dormindo no volante e bati num poste. E, a partir desse poste, fiquei um ano em cima da cama, andei de muleta. Minha perna atrofiou. Então, nunca mais eu pude subir num tatame. Meu kimono tá até hoje lá.
A partir daí, eu comecei a encontrar um amigo meu que hoje é baterista, Beto Xavier. Ele era professor de literatura portuguesa e falou: “Décio, vamos fazer um concurso de poesia?”. Eu estava dentro, queria fazer. Fiquei um ano em cima da cama, né? Nós fizemos no colégio Walter Orlandini, perto da UERJ, e fizemos o primeiro concurso de poesia. Foi um sucesso. Teve edição em Angola, Portugal. Aquilo me incentivou demais. Depois, ele sugeriu fazer um [evento] de xadrez. Fizemos o xadrez; também teve um patrocínio muito bacana.
Assim começamos a nossa labuta. Montamos o projeto. Nós chamamos de Força, depois de União Cultural. E íamos para a rua. Não existia Secretaria de Cultura. Não tinha nada disso: fundação, nada. Era na marra, no peito, na coragem.

OSG: E isso, em que década mais ou menos?
Décio: Década de 80.
OSG: Quer dizer, então, que o seu primeiro contato com a cultura foi através da poesia nessa fase?
Décio: Não, na verdade começou antes, indiretamente. Como é que começou, na minha vida, a paixão pela poesia? Eu estudei no colégio São Gonçalo. No que antigamente era o primário, que hoje é fundamental, no final do ano, a professora dava uma premiação aos melhores alunos da sala. E teve um ano em que eu fui premiado com um livro. E a professora me deu um livro chamado, nunca esqueci, “Perereca”, e botou uma dedicatória para mim. Aí eu escrevi um negocinho também embaixo que eu nunca mais esqueci, chamado “Medo”:
Medo?
O que é medo?
Medo de quem?
Se nasce com medo,
morre com medo também.
Medo da vida, por quê?
Ou da morte também.
Eu não posso falar nada,
pois tenho medo também.
Foi a primeira coisa que eu fiz. Minha mãe também incentivava. Minha mãe é uma pessoa maravilhosa, né? Gostava da arte, estimulava a gente. Aí eu comecei a escrever poesias escondido embaixo do colchão, para ninguém ver. Um belo dia, minha mãe limpando a cama encontrou aquele papelzinho com os meus poemas.

OSG: E aí depois você começou a difundir através de quê? Da pintura?
Décio: Não, a pintura também veio depois. Aliás, eu não procuro nada na minha vida. Deixo o universo me levar e as coisas irem acontecendo. A arte veio disso. Eu agradeço àquele poste. Se não fosse aquele poste, eu não estaria aqui até batendo esse papo com você, né? O criador sabe o que faz, a verdade é essa.
Aí dali eu fiz esses movimentos de música nas praças, fiz uma série de questões de festivais. Depois, eu montei uma união com um nome; lembra a época do He-Man, que falava “Eu tenho a força”? Eu pensei: “Eu não”. Aí botei o nome do grupo de “Nós Temos a Força”, porque ninguém faz nada sozinho.
Dali foram passando os anos, o grupo foi aumentando e eu fundei a União Cultural Gonçalense, com 14 grupos de cultura. Aí foram acontecendo os fatos. Teve aniversário do evento e eu queria fazer um presente ao movimento e à cidade. Aí nós tivemos a ideia de construir um relógio-sol, em São Gonçalo, que está até hoje lá.
OSG: Essa questão do relógio-sol é uma curiosidade, né, porque parece que é o único no mundo.
Décio: É, ele é. Eu não inventei relógio nenhum. Quem inventou o relógio foram os chineses e os egípcios há 5 mil anos atrás. O relógio acompanha a história da humanidade. Então, primeiro, eles fizeram aquele relógio do sol, da sombra. Depois, veio o descobrimento em 1500, vieram os navios. Como nos navios, a sombra...Criaram a ampulheta, aquele relógio de areia, de água. Depois teve a revolução industrial, as pessoas botavam o relógio nas igrejas para que entrassem. Depois, o Santos Dumont descobriu o avião. Como é que ele via a hora lá em cima? Ele inventou o relógio de pulso. Teve essa evolução.
Então, esse relógio aí, o relógio de sol de São Gonçalo, é o único do mundo para marcar esse momento histórico do mundo, não só da cidade. Ele tem um relógio atrás vertical e equatorial ao mesmo tempo. Ele tem um ponteiro chamado Gnomo. Ele tem uma numeração de 6 a 18. E o outro lado é de 8 a 18.
Isso é porque o sol nasce às 6 da manhã, morre às 18 horas. Mas naquela época, 5 mil anos atrás, se marcava o tempo não de uma em uma hora, mas de duas em duas horas. Então botou no começo de oito horas para simbolizar aquela época que começava em duas em duas horas.
Eu dou palestras para os alunos e é muito engraçado. As crianças falam: “E à noite, como é que eu vejo horas?”. Gente, não é relógio da noite, é relógio de sol. E se chover, não é relógio de chuva, é relógio de sol.
[O relógio] fica na Parada 40, onde eu nasci, inclusive. A casa onde eu nasci, ali meu pai nasceu, meu pai faleceu. Ali morou meu avô, que nasceu em 1895, ali naquela casa. Ali eu montei também o Museu da Cultura Gonçalense, com uma série de trabalhos ali dentro. Então, a gente vem sempre incentivando essa questão da cultura.
OSG: Bacana. vamos falar um pouco sobre a sua arte na pintura. Quantos quadros você já pintou? Que exposições você já fez?
Décio: Eu já fiz exposição pelo município, já fiz exposição pelo Estado do Rio de Janeiro...Como disse a você, eu não procuro nada na vida, deixa o universo transpirar. Quando eu fiz o meu primeiro livro, eu tinha uma amiga que me telefonou: “Décio, vem tomar um cafezinho comigo na minha casa”. Aí eu fui à casa dela, chegando lá, ela me disse que viu meu livro. E queria uma orientação para fazer um livro. Ela lia muito. Mas eu falei que ninguém me ensinou a fazer um livro. Eu que fui teimoso: escrevi uma vez, não gostei, a segunda, a quarta. Eu dei umas dicas a ela e ela lançou um livro, “As Duas Faces de Mirna”
Depois, seis meses depois, ela me chamou para tomar um cafezinho de novo. Eu fui lá. Ela era artista plástica. Chegando lá ela contou que não ia tomar café, não. “Eu vim ensinar você a pintar”. Eu falei: “pô, eu não sou pintor, não sou desenhista. Se eu pintar um cachorro, vão pensar que é um cavalo, porque eu não desenho muito bem”. Ela: “Não! Você vai dizer que é fácil”. Ela me pegou pela mão, me levou ao ateliê dela, que fica na parte de baixo da casa dela, e começou a me ensinar, me dar aquelas dicas das cores, da sombra, da luz. Eu fiquei com medo de pintar, né? Porque ela era uma fera de pintar. Ela me deu umas dicas, me deu o pincel, Quando eu saí de lá, eu parei numa loja, comprei a tela e comecei a pintar em acrílico, porque eu sou muito apressadinho. Em óleo, demora a secar. Aí eu levei ela, quando a vi, eu desço e ela fala: “Alguém pintou isso para você?”. “Não, fui eu quem pintei mesmo”. Então, ela começou a incentivar. Eu sou muito grato. Porque a gente tem que passar o que a gente sabe para o outro.
Aí começou a minha história da pintora.
OSG: Com o pincel, com a criatividade, com a imaginação, você já pintou quantos quadros?
Décio: Ah, eu não tenho muito cálculo, não. É meio difícil, a gente vai fazendo, né? Eu devo ter feito uns 40, 50, mais ou menos.
OSG: E agora vamos para uma outra paixão sua, né? Você tem um outro trabalho também, que é a música.
Décio: Ah, eu sou apaixonado pela música, é verdade.
OSG: Então, como é que a música entrou na sua vida?
Décio: É outro caso que mostra que também não procuro nada. Eu fui o primeiro coordenador de ação cultural do estado do Rio de Janeiro Metropolitana 2, que é a escola do estado. Então eu coordenava os municípios de Niterói, São Gonçalo e Maricá. Eram 320 escolas. Então eu fui convidado para ser o cobaia, como coordenador de ação cultural, para ver se funcionava. Funcionou e depois implantou todo o Estado. E a partir daí, quando eu fazia reunião com os animadores culturais, quando a gente ia entrar, tinha um piano, tinha uma menina tocando piano. Aí, tocando piano, eu olhei. Depois da reunião, fizemos, ficamos amigos. Conclusão: combinamos de bater papo falando sobre música e ela virou minha parceira musical.
Eu escrevi [letras], ela começou a também colocar melodia, a cantar. E nós nos apresentamos em vários teatros, apresentamos aqui no terminal de Niterói.
Hoje, eu tenho vários parceiros de música, participei em festivais. Nunca ganhei nenhum. Mas em São Gonçalo, participei de um festival de músicas. Fiquei em segundo lugar. Lá no Rio de Janeiro, no Baden Powell, fiquei em terceiro lugar. Sempre com as músicas, sempre passeando. É uma paixão que a gente tem.

OSG: Quantas músicas compostas?
Décio: Eu tenho mais ou menos 12 músicas compostas minhas.
OSG: MPB?
Décio: Eu gosto muito do MPB, eu gosto muito. Mas meu foco são as letras. Porque ninguém faz nada sozinho, né? A gente tem que criar. Já transformei poemas em música, em canções. Fora as guardadinhas, né, que estão guardadinhas lá.
OSG: A gente já falou um pouco sobre as suas paixões e você parece que tem um projeto aí que você deve colocar em prática talvez ainda esse ano, que mistura poesia e música. Fala um pouquinho.
Décio: É verdade! [O projeto] se chama-se O Poeta e Suas Canções, para mostrar à sociedade que tudo é transversal, nada é separado, né? A música está ligada com a letra. Toda música é uma poesia. A verdade é essa. Um quadro é uma poesia, né ? Então a gente pode transformar essa letra em música.
Nesse projeto, primeiro faço palestra nas escolas, mostro os poemas. Aí as crianças cantam e começam a se estimular a transformar em música. Isso tem a ver com uma coisa que eu também criei no passado, um estilo literário chamado Compactuarismo Universal.
Isso aí há uns 10, 15 anos atrás, que é tudo compactado, né? As palavras, as formas de escrever. Eu faço também romance, né? Fábulas, crônicas… eu faço algumas coisas também nesse estilo.
É um arpejo que coloca meus poemas musicalizados. Inclusive, participei em vários festivais com essas músicas. Eu tenho música com minha voz e tem música com meus parceiros também. E também parceiros que botam a melodia. A última canção que veio é “Se Tu Soubesse Como É Bom Amar”. Ela foi parar até na Espanha. África. As pessoas estão gostando, fizeram até clipe dela na África.
Uma outra música que eu fiz se chama "Tocaia". Tem uma série de pessoas - o Ian Medeiros, Dilson Vilar - enfim, uma gama enorme de pessoas envolvidas nesse projeto. E nós estamos montando esse projeto com música e também com imagem. Porque nós temos um documentário chamado 'O Escritor'. Então a gente vai usar essa linguagem de cinema, né? Vai juntar tudo, juntar com a música, fazer um casamento.
OSG: Muito interessante. Você quer lançar isso aí nesse ano?
Décio: Esse ano, se Deus quiser. Nós estamos nos preparando para isso.