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Balão Dourado: a quadrilha gonçalense que resgata cultura e emociona gerações

Do renascimento no morro à superação de um tiroteio, grupo mantém viva a tradição das festas juninas com teatro, dança e protagonismo jovem

relogio min de leitura | Escrito por Cristine Oliveira | 24 de junho de 2025 - 08:40
Com peças teatrais autorais, a quadrilha conquista o público antes mesmo do início da coreografia
Com peças teatrais autorais, a quadrilha conquista o público antes mesmo do início da coreografia -

A Quadrilha Balão Dourado, tradicional do bairro Boa Vista, em São Gonçalo, tem se destacado como uma das principais representantes das festas juninas no estado do Rio de Janeiro, reunindo centenas de pessoas em apresentações que mesclam tradição, teatro e protagonismo jovem. Com quase 40 anos de história, o grupo resgatou suas atividades após mais de uma década inativo e hoje leva cultura popular a comunidades, mesmo enfrentando desafios como um recente tiroteio durante uma apresentação no Morro do Santo Amaro, na Zona Sul da capital fluminense.

A história da Quadrilha Balão Dourado teve início nas décadas de 1980 e 1990, mas teve suas atividades paralisadas. Após anos sem realizar apresentações, o grupo ressurgiu graças a um dos antigos integrantes, que hoje ocupa a presidência: Cristiano Pereira de Santana, de 47 anos.

Cristiano Pereira de Santana, presidente da Quadrilha Balão Dourado, lidera o grupo com paixão e compromisso desde a retomada das atividades, em 2014
Cristiano Pereira de Santana, presidente da Quadrilha Balão Dourado, lidera o grupo com paixão e compromisso desde a retomada das atividades, em 2014 |  Foto: Enzo Britto

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“Na verdade, o Balão Dourado já existia quando eu era jovem. Eu fiz parte como componente, só que ele parou entre 2002 e 2004 e ficou muito tempo parado, 15 anos, se não me falha a memória. Eu, conversando com o nosso antigo presidente, o senhor Marco Jorge Vidal, disse que iria voltar com a quadrilha, e ele falou que duvidava, que não era fácil assim. Isso foi em 2014. Em 2015, ele faleceu. Aí virou questão de honra. Coloquei nas redes sociais que iria voltar com a quadrilha e uma amiga falou que iria me ajudar. Começamos no Morro da Fazenda, aqui no bairro Boa Vista”, disse o presidente.

A Quadrilha Balão Dourado traz em suas apresentações o tradicionalismo das quadrilhas de salão, a primeira forma a chegar ao Brasil, vinda da cultura europeia trazida pelos portugueses. Como o próprio nome indica, as danças eram praticadas em salões europeus pela aristocracia, com forte influência francesa. Uma das principais características da quadrilha de salão, ainda mantida pelo grupo gonçalense, são os vestidos longos e rodados e a formação para a dança com quatro pessoas.

Contudo, o Balão Dourado também inova ao misturar elementos do estilo caipira, seguindo o tema escolhido para cada ano.

“A roupa dos meninos tem significado próprio; as das meninas, nem tanto, porque nelas mantemos a tradição das damas de salão. A nossa quadrilha é de salão. Já nos meninos, sempre adaptamos ao tema. Algo que gostamos muito de usar é a estética caipira, pois como há poucas quadrilhas caipiras, a Balão Dourado traz um estilo bem diferente: uma mistura da quadrilha de salão com o caipira”, contou Cristiano, ressaltando que, para compor os figurinos das dançarinas, são usadas anáguas de diversas cores, o que contribui para um visual mais alegre.

Dentro desse contexto, a quadrilha gonçalense estrutura suas apresentações com base em temas definidos pela diretoria, muitas vezes relacionados diretamente às festas juninas ou ao universo caipira. O grupo também busca difundir o conhecimento sobre as quadrilhas de salão por meio de encenações teatrais que antecedem as danças.

“Normalmente a gente fala muito sobre a quadrilha e o caipira. Este ano, por exemplo, o Balão Dourado conta a história de um jovem caipira muito pobre e que sonhava dançar entre os ricos. O sonho dele era vestir aquela roupa bonita. Enfim, o que ele conseguiu foi arrumar um filho, para piorar ainda mais a situação. A gente tem todo um teatro que começa antes da quadrilha e conta a história desse rapaz que pede ajuda aos santos da época, que são São João, São Pedro e Santo Antônio. Ele é atendido, mas, em troca, tem que fazer uma baita festa junina e apresentar a melhor quadrilha que conseguir. Nesse momento, entra o Balão Dourado. [...] Esse teatro é, sem dúvidas, um dos pontos mais esperados da quadrilha. E ele é organizado pela Isabel e pela Ariane. Eu passo para elas o tema, a ideia, e elas trabalham em cima disso. Deixo tudo com elas, porque já estão conosco há 10 anos. Já sabem como funciona. Elas ensaiam, aprontam tudo, apresentam para mim e eu dou o ‘ok’. Eles aprenderam, ficaram bem melhores do que eu, porque juntaram a experiência que tiveram comigo com a juventude delas e o conhecimento que estão adquirindo vendo outras quadrilhas”, explicou Cristiano.

A essência da Quadrilha Balão Dourado é a jovialidade, graças aos adolescentes e jovens com idades entre 13 e 25 anos que integram o grupo, que conta com mais de 100 componentes. Apesar da pouca idade dos integrantes, a maior parte do trabalho é realizada por eles, desde a composição da diretoria até a participação no corpo de dançarinos. Além disso, os ensaios de dança e teatro, que começam em janeiro, também são organizados pelos jovens.

Ex-integrante e atual presidente, Cristiano é a força por trás da reconstrução da Balão Dourado
Ex-integrante e atual presidente, Cristiano é a força por trás da reconstrução da Balão Dourado |  Foto: Enzo Britto

“Na verdade, a gente tem um grupo de diretores que são responsáveis: a Isabel, a Ariane, o Herick, o Jonathan, a Gabriela, a Beatriz. Cada um faz um pouquinho. Eles trabalham muito em grupo. A diretoria é toda formada por jovens e eles resolvem tudo juntos”, disse o presidente.

A Quadrilha Balão Dourado leva o nome de São Gonçalo às festas mais tradicionais do estado
A Quadrilha Balão Dourado leva o nome de São Gonçalo às festas mais tradicionais do estado |  Foto: Enzo Britto

O grupo busca aproveitar a juventude da comunidade do Boa Vista e de regiões próximas para promover cultura e oferecer um futuro próspero por meio de ensinamentos que vão além da dança, envolvendo respeito, compromisso e responsabilidade. Esse pensamento se reflete nos jovens da diretoria: Isabel Cristina Ramos de Santana, 22 anos; Ariane da Rocha Matheus, 20; Herik Franci do Nascimento da Silva, 23; Jhonatan Silva Ferreira, 24; Gabriela Regina de Oliveira Luciano, 23; e Ana Beatriz Saboia da Silva, 19.

Sabrine Castro
Sabrine Castro |  Foto: Enzo Britto

Além dos jovens, os pais das crianças e adolescentes também reconhecem como a quadrilha contribui para a formação cidadã.

“É um projeto que acolhe muitas crianças, muitos adolescentes que poderiam estar na rua, fazendo outras coisas. Estão no meio do público trazendo alegria para as pessoas. É muito gratificante ver o número de crianças que estão no projeto”, disse Sabrina de Castro, 28 anos, apoiadora da quadrilha e mãe de um dos mascotes do grupo.

“Felicidade, muita alegria. Eu gosto muito de estar presente nas danças, porque eu amo muito”, disse Sofia Rodrigues, 11 anos. “Eu fico muito feliz por estar na quadrilha, dançando, interagindo com o público, chamando eles para dançar. Fico muito feliz por isso”, contou Davi Lucas Souza, de 10 anos, mascote da quadrilha. “Era meu sonho entrar na quadrilha, porque quando eu danço, eu fico feliz, muito feliz”, revelou Maria Luisa Pacheco, 11.

Apresentações

A festa junina é uma das celebrações mais populares do país, o que gera uma grande demanda por apresentações em festas e quermesses espalhadas pelo estado do Rio de Janeiro. Por isso, a Quadrilha Balão Dourado recebe diversos convites para se apresentar em igrejas, comunidades e outros eventos.

Só em 2024, a Balão Dourado conquistou três títulos em concursos juninos pelo Rio de Janeiro
Só em 2024, a Balão Dourado conquistou três títulos em concursos juninos pelo Rio de Janeiro |  Foto: Enzo Britto

“Umas 100 apresentações em junho e julho, porque a gente vai até agosto. Hoje a gente roda o Rio de Janeiro todo. Às vezes recebemos convites de fora do estado, só que normalmente, quando isso acontece, a agenda já está lotada e não conseguimos ir, mas rodamos o Rio todo”, contou Cristiano.

Premiações

Em decorrência do sucesso de suas apresentações, a Quadrilha Balão Dourado tem se sentido cada vez mais segura para disputar competições. Em 2024, conquistou três títulos.

Em 2024, conquistou três títulos
Em 2024, conquistou três títulos |  Foto: Divulgação

“Desde o ano passado, a gente vem se preparando muito para disputar concursos, apesar de sermos uma quadrilha de apresentação. Ano passado, decidimos que estava na hora de participar de alguns. Disputamos quatro e ganhamos três: no Complexo do Alemão (Arraiá da Fazendinha), no Mercado Municipal de Campo Grande (Arraiá do Mercado) e no Arraiá do Marcelo Azevedo, na Vila do Pinheiro (Disney). O único que não vencemos foi o que mais nos motivou a melhorar”, contou Cristiano.

Caso do Santo Amaro

No início de junho, a quadrilha se apresentava na comunidade Santo Amaro, na Zona Sul do Rio de Janeiro, quando o Batalhão de Operações Especiais (Bope) entrou na região após receber denúncias sobre uma suposta invasão. Houve intensa troca de tiros. Integrantes da quadrilha, moradores e crianças ficaram em meio ao confronto. Um dançarino de 16 anos foi atingido nas costas por um projétil de fuzil, e o jovem Hero Guimarães Mendes, de 24 anos, morador da comunidade, morreu.

Projeto tira crianças e adolescentes da rua e promove inclusão por meio da arte e da convivência
Projeto tira crianças e adolescentes da rua e promove inclusão por meio da arte e da convivência |  Foto: Reprodução Internet

“Foi surreal o que a gente viveu ali. A gente vai todo ano, somos muito bem tratados. É a festa que os componentes mais gostam. Rodamos tudo quanto é comunidade do Rio. Como falei, fomos campeões no Complexo do Alemão, mas no Santo Amaro temos um carinho especial. Temos uma regra de que, para apresentações em comunidade, levamos apenas maiores de 16 anos. O Bope entrou, havia cinco quadrilhas, incluindo a nossa. Era uma festa familiar, com muitas crianças. Aquilo marcou minha vida. Quando começaram os tiros, mandei todo mundo se abaixar. Foram minutos de horror. A gente escutava as balas passando [...]. Eu pedia a Deus para a gente sair bem dali. Quando levantei a cabeça, achei que ia ver um massacre, porque foi surreal”, relatou Cristiano.

O jovem Emanuel da Silva Félix, de 16 anos, integrante do grupo, apresentou melhora em seu estado de saúde.

“Ele está bem. A bala ficou alojada nas costas. Eu o levei para o Souza Aguiar. A ressonância mostrou a bala, mas o médico achou melhor não operar, pois seria arriscado. Com o tempo, ela sairia. Duas semanas depois, a mãe voltou ao hospital, fez os mesmos exames e a bala não estava mais lá. Ninguém viu, ninguém sabe para onde foi. O médico até perguntou se algo tinha acontecido, mas a bala simplesmente desapareceu. Então, a mãe já liberou ele para dançar”, contou Cristiano.

A Quadrilha Balão Dourado segue como uma das maiores expressões culturais de São Gonçalo, reunindo arte, tradição e transformação social.

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Sob supervisão de Marcela Freitas 

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