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Aqui tem história: Palacete do Mimi, em São Gonçalo, do luxo ao lixo

Construído no início do século XX, hoje o que se resume em lixão, já foi palco de propagação de ideias modernistas, cassino e cenário de filme

relogio min de leitura | Escrito por Sofia Miranda | 16 de julho de 2023 - 08:00
O Palacete foi construído em 1917.
O Palacete foi construído em 1917. -

Aqueles que passam pela Estrada Boqueirão Pequeno, no bairro Estrela do Norte, em São Gonçalo e tem apenas a imagem de um lixão a céu aberto com matagal abandonado de pano de fundo, não imagina que neste mesmo lugar, já esteve situado uma das arquiteturas neoclássicas mais bonitas do município, nas primeiras décadas do século XX. O retrato de descaso e negligência reflete a história do lugar, que se fragmentou com o tempo e não chegou aos ouvidos de parte dos gonçalenses. 

Para aqueles que não conhecem a história e especulações sobre o extinto Palacete do Mimi, permita-me contar, àqueles que conhecem, convido-os a emergir na história novamente. As primeiras paredes do Palacete do Mimi, que mais tarde arruinariam, foram idealizadas pelo proprietário de terras Floriano Rocha Lima, cuja família era dona das Fazendas Olho D`Água, Pureza e Curumim, ele e a família também tinham a posse da Padaria Estrela do Norte, nome do bairro onde hoje se localiza os restos do palácio. 

Para tirar a ideia de Floriano do papel, seu amigo, o italiano Ernesto Primo financiou o empreendimento revolucionário. A escolha dessa última palavra não foi atoa, além de ter sido construído em 1917 com materiais vindos da Europa, o Palacete, ornado com espelhos, janelas e vidraças vindas da França, tapetes vindo do Irã e escada de mármore branco trazida da Alemanha, abrigou a piscina em formato oval com caldeira aquecida, inédita no Brasil. 

Pintura de Paulo Nunes
Pintura de Paulo Nunes |  Foto: Reprodução/Internet

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Por que ‘’Palacete do Mimi?

A essa altura, você, leitor, deve estar se questionando quem era Mimi. Emir Porto, um dos proprietários que comprou o lugar, só se apropriou do palacete anos mais tarde, depois que a construção já havia sido finalizada. Antes disso, o lugar teve muitos proprietários e sentidos. Entre eles, um era o de recepção a artistas como Villa Lobos, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, entre outros, conforme conta o historiador e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rui Aniceto. 

‘’O Palacete serviu como um dos salões de propagação das ideias modernistas ali dos anos vinte, aquele movimento todo modernista de crítica àquela cultura europeizante que vinha em voga da valorização da cultura brasileira. Então, alguns dos grandes literatos brasileiros do período passaram pelos salões.’’ Entre esses nomes, estavam Mário de Andrade, o jornalista Irineu Marinho, pai de Roberto Marinho; o milionário Vilela Corrêa Bastos; Paulo Prado, e outras personalidades.

O Palacete foi construído em 1917.
O Palacete foi construído em 1917. |  Foto: Reprodução/Internet

No entanto, com os gastos e a dificuldade de manter o Palacete, Floriano e Ernesto venderam a propriedade. Após a venda, o Palacete circulou nas posses de alguns outros proprietários até chegar em Emir Porto, herdeiro da Gráfica e Papelaria "Mimi", distribuidora de livros didáticos. Com a gestão de Mimi, o Palacete começou a receber a participação popular. O proprietário dava festas para a alta sociedade fluminense.

‘’Ali foi oferecido o baile de gala pela posse do Dr Geremias Martins Fontes no governo do antigo Estado do Rio. O Geremias foi o único governador gonçalense que tivemos até hoje. Ele surgiu na política do local como um sucessor do Joaquim Lavoura (ex-prefeito de São Gonçalo), que é um mito na cidade.’’ relembrou Rui. 

A década de 50 foi marcada por avanços em São Gonçalo, e consequentemente, no sucesso da fama do Palacete. Dois anos seguidos o time da cidade foi campeão e bi-campeão de futebol do Estado do Rio, e o salão era o receptor dos jogadores. Além disso, Mimi fundou um cassino em sua propriedade que durou muito bem por cerca de dez anos. 

Extinto Palacete do Mimi, em São Gonçalo
Extinto Palacete do Mimi, em São Gonçalo |  Foto: Reprodução/Internet

No entanto, um decreto-lei de 1946, do então presidente Eurico Gaspar Dutra, proibiu jogos de cassino sob o argumento de que era degradante para o ser humano. Como Emir desfrutava de certa influência na política, conseguiu resistir por um tempo, mas não o suficiente para impedir o fechamento do cassino. 

Na década de 70, antes de encaminhar para o destino final do Palacete, o lugar ainda foi cenário do filme Os Monstros de Babaloo, escrito e dirigido por Elyseu Visconti.


Autor: Reprodução
‘’O Palacete entra para o imaginário da cidade como esse lugar do luxo, do esplendor. Ficava localizado no alto de uma colina, como cenário de uma época áurea, de prestígio.’’

analisa o historiador. 

Registro da piscina oval do Palacete
Registro da piscina oval do Palacete |  Foto: Reprodução/Internet

O que restou do Palacete? 

Os registros da história do Palacete, assim como a memória dos gonçalenses em relação à existência do lugar, são escassos. Por esse motivo, não se sabe exatamente o que levou Emir a abandonar a mansão. No entanto, até os anos 90 o casarão ainda estava de pé.

‘’O que eu suponho é que, o Palacete desocupado começou a sofrer com invasão, apropriação do que era possível tirar, janelas e portas. Além da ação do tempo, você teve a ação do espaço.’’ sugeriu Rui, em relação ao motivo de arruinamento do Palacete. 

Acervo do jornal O Globo
Acervo do jornal O Globo |  Foto: Reprodução/Internet

Em 2002, as ruínas foram completamente demolidas. Com o passar dos anos, hoje o retrato do lugar não se associa à história daquilo que um dia existiu. Lixão a céu aberto, moradia para usuários de droga e pessoas em situação de rua, hoje, os sentidos do Palacete são outros. 

Hoje, esse é o estado do extinto Palacete
Hoje, esse é o estado do extinto Palacete |  Foto: Filipe Aguiar

Rui Anacieto explica que embora contasse importância para o município em termos de cultura e preservação, nem todos os prédios históricos podem se tornar patrimônio.

‘’A antiguidade por si só não garante que ele seja um bem. Neste sentido, considero que o arruinamento do palacete foi, em parte, por falta de ações da comunidade em defesa do bem, por não o considerarem patrimônio ou por não verem possibilidade de que isso fosse levado adiante. Por sua localização, poderia ter sido um bom espaço de convivência para a comunidade local, pois era uma área grande e o prédio poderia abrigar um Centro Cultural que seria ótimo.’’ conta. 

Procurada para comentar sobre o atual estado do Palacete, a Prefeitura de São Gonçalo não respondeu às solicitações. 

Sob supervisão de Marcela Freitas

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