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Técnico em celulares é preso injustamente por receptação por falhas no sistema da Anatel

Profissional é acusado de receber aparelho roubado em seu quiosque que não consta no sistema da Anatel

relogio min de leitura | Escrito por Enzo Britto | 17 de outubro de 2025 - 11:41
Técnico foi preso por receptação qualificada, mas alega inocência e diz que seguiu todos os procedimentos de verificação
Técnico foi preso por receptação qualificada, mas alega inocência e diz que seguiu todos os procedimentos de verificação -

O comerciante Fábio Luiz da Silva, 42 anos, responsável por um quiosque de assistência técnica para em telefones celulares no Centro de Niterói, mantém um procedimento padrão para todo aparelho que chega a seu estabelecimento: antes de aceitar o serviço, ele checa o número do Imei, que identifica o aparelho, e consulta nos sistemas oficiais do Governo Federal se há registro de roubo do equipamento. Mesmo assim, ele foi surpreendido em setembro por uma operação da Polícia Civil que encontrou duas carcaças de aparelhos na sua bancada, que constavam com registro de roubo. Fabio acabou sendo preso por três dias e hoje responde na Justiça, em liberdade, pelo crime de receptação.

Fábio Luiz da Silva em seu quiosque no Centro de Niterói, onde atua como técnico em manutenção de celulares há 10 anos
Fábio Luiz da Silva em seu quiosque no Centro de Niterói, onde atua como técnico em manutenção de celulares há 10 anos |  Foto: Divulgação

O problema é que apenas a Polícia Civil sabia que os aparelhos eram roubados, pois no sistema de checagem da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que ele usa como fonte de consulta, os equipamentos não constavam com nenhum registro.


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“Quando eles disseram que o aparelho tinha queixa de roubo, eu não acreditei. Falei que era impossível, porque eu tinha checado. O aparelho estava ‘limpo’ na Anatel, eu sempre olho os Imeis. Aí eles falaram: ‘não, a nossa base de dados não é cruzada com a da Anatel’. Não tinha como saber”, conta Fábio.

O caso aconteceu no último dia 22 de setembro, durante uma ação da Polícia Civil através da 'Operação Rastreio'. O técnico de celular, que trabalha na área há dez anos, ficou preso por três dias e responde por receptação qualificada e, agora, busca provar sua inocência. Paralelo a isso, Fábio resolveu se mobilizar para criar uma organização que reúna técnicos em manutenção de aparelhos celulares para legalizar a profissão, o que pode ajudar a evitar que casos como o dele ocorram.

Após a prisão, Fábio quer criar uma associação para técnicos de celular e lutar pela legalização da profissão
Após a prisão, Fábio quer criar uma associação para técnicos de celular e lutar pela legalização da profissão |  Foto: Divulgação

Sistema de checagem criado pelo governo do Estado do Rio não funciona

Os dois dispositivos com registro de roubo chegaram ao quiosque de Fabio através de um tio dele. Os aparelhos eram considerados “sucata” por Fábio e pertenciam a colegas do familiar, que haviam comprado os telefones usados. Ao checar os Imei (números de identificação) dos dispositivos nas plataformas “Celular Legal” e “Celular Seguro”, do Governo Federal, não havia registro de restrições.

No Rio de Janeiro, entretanto, por questões políticas, os registros de roubo e furto, mantidos pela Polícia Civil, não 'alimentam' e não são repassados para a base de dados do Governo Federal. O Governo do Estado lançou, no último mês de julho, a plataforma “Celular Seguro RJ”, que prometia permitir que o público geral verificasse “se há restrições na base de dados da polícia e da Anatel” vinculadas a algum aparelho, segundo o site da plataforma.

Só que o aplicativo apresenta problemas de funcionamento. “Desde que foi lançado, em julho, nunca consegui acessar. Testei em aparelhos diferentes e sempre dá erro na hora de ‘logar’. Se for olhar na Play Store, tem um comentário meu comunicando o erro um dia depois do aplicativo ser lançado”, denuncia Fábio.

Fábio passou três dias preso em Benfica e agora responde ao processo em liberdade enquanto tenta limpar seu nome
Fábio passou três dias preso em Benfica e agora responde ao processo em liberdade enquanto tenta limpar seu nome |  Foto: Divulgação

E não é só ele que não consegue acessar: a maior parte das avaliações na loja de aplicativos digital que disponibiliza o app é de usuários que também não conseguiram acessar. A reportagem de O SÃO GONÇALO tentou usar o serviço por várias vezes e também não conseguiu passar da tela de login.

Mesmo enfatizando que tentou, mas não conseguiu acessar a base de dados, Fábio acabou preso e levado para a 76ªDP (Niterói) no mês passado. Ele chegou a ser transferido para uma unidade prisional em Benfica, no Rio, onde ficou por três dias, antes de conseguir o direito de responder em liberdade. Ele conta que nunca imaginou que teria de passar pela situação, já que sempre fez questão de trabalhar com aparelhos de procedência legal, exigindo a comprovação por parte de seus clientes.

“Eu sempre procurei fazer um ‘filtro’, não receber qualquer aparelho suspeito. Não recebo, por exemplo, aparelho que chega bloqueado, suspeito. Sempre checo na Anatel se há algum registro. Eu nunca compactuei com roubo, até mesmo porque eu já fui vítima duas vezes. Meus filhos foram roubados também. Ainda assim, fui vítima de uma 'parada' que o Estado não me deu condição nenhuma de conseguir saber. Não tinha como saber se aquele objeto era uma coisa roubada ou não”, destaca o técnico.

Niteroiense quer criar associação de técnicos

Enquanto aguarda o desenrolar judicial, ele e o advogado Thiago José Aguiar buscam alternativas de encontrar soluções para o problema que acabou levando o técnico para a prisão. Uma dessas estratégias envolve a criação de uma associação de técnicos de celular de Niterói que Fábio já começou a mobilizar.

“Estamos montando uma organização dos técnicos com a finalidade de defender a criação de um projeto de lei que tenha um manual de boas práticas, para que o técnico que trabalha correto e age com boa fé, consiga juridicamente trabalhar e exercer minimamente [o ofício] sem sofrer prisão arbitrária”, explica o técnico.

Uma das ideias do grupo é cobrar políticas públicas que ajudem os sistemas de checagem a ficarem mais completos. O advogado do técnico explica que uma das iniciativas que o grupo pretende propor às autoridades é uma regulamentação que faça com que os Imeis e números de identificação de dispositivos roubados sejam listados com restrições no sistema da Anatel assim que um boletim de ocorrência por roubo ou furto de celular for registrado em uma delegacia da Polícia Civil.

“A gente está querendo fazer uma certa contingência para que aqueles que querem atuar de boa fé, exercer sua profissão com probidade e honestidade, não sejam vítimas como o Fábio foi dessa arbitrariedade que é fundamentada principalmente numa insuficiência do Estado de atestar de que aquele celular é roubado”, destaca o advogado Thiago José.

Procurada, a Anatel disse que a consulta pública disponibilizada em seu sistema “reflete apenas o status do aparelho no momento da consulta, não sendo possível consultar o histórico de bloqueios e desbloqueios de um determinado IMEI” e que o histórico deve ser “solicitado às prestadoras pelas autoridades competentes”.

Já a Polícia Civil disse que iria apurar o erro no aplicativo.

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