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Caso Complexo B: crime que chocou São Gonçalo completa 10 anos

De Portugal, onde vive, Beto Neves relembra empenho pela condenação dos acusados pelo triplo homicídio

relogio min de leitura | Escrito por Felipe Galeno | 29 de agosto de 2023 - 13:50
Mãe, sobrinha de estilista gonçalense e namorado dela foram mortos em casa
Mãe, sobrinha de estilista gonçalense e namorado dela foram mortos em casa -

Cenário de mais de 6,9 mil homicídios nas últimas duas décadas, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), a população de São Gonçalo ‘se acostumou’ com episódios de mortes violentas nos noticiários locais. Mesmo assim, alguns crimes em específico se destacam e acabam tendo uma repercussão maior entre os moradores.

Um deles foi o caso “Complexo B”, como ficou conhecido o episódio de um triplo homicídio cometido em São Gonçalo em 2013. No último domingo (27/08), o crime completou dez anos e figura na lista dos mais brutais da história recente no município, mesmo depois das prisões e dias de julgamentos que o seguiram.


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Foi no início da tarde de um terça, 25 de agosto, que Linete Loback Neves, de 65 anos, Manuella Neves da Camara, de 22, e seu noivo Rafany Pinheiro Ricardo, 23, foram encontrados mortos, com ferimentos de tiros na cabeça, deitados sobre uma das camas da residência onde viviam, na Venda da Cruz. As vítimas eram, respectivamente, mãe, sobrinha e amigo de um dos estilistas mais conhecidos da cidade, Beto Neves, proprietário da grife Complexo B.

Na casa não haviam sinais de arrombamento e apenas os aparelhos celulares das vítimas foram levados. Beto foi o primeiro a se deparar com a cena do crime. Em seu perfil no Facebook, ele publicou: “Acabei de perder minha mãe e sobrinha. Assassinato. O que fazer meu Deus”. Mais tarde, policiais militares e civis estiveram no local para fazer a perícia, antes de a Defesa Civil levar os corpos para o IML de Tribobó. Eles foram sepultados no Cemitério do Maruí, no Barreto, Niterói.

Dono da marca Complexo B foi o primeiro a encontrar cena do crime
Dono da marca Complexo B foi o primeiro a encontrar cena do crime |  Foto: Reprodução/Redes Sociais

Inicialmente não haviam muitas respostas sobre o que resultou no crime. Nos dias posteriores, porém, os jornais já começavam a escrever sobre as investigações que envolviam o advogado Michel Salim Saud, ex-padrasto de Manuella e ex-marido da irmã de Beto, Rosilene Neves.

Os conflitos entre a família já acumulavam cerca de 40 queixas registradas na Polícia do Rio e esse histórico começou a desenhá-lo como um dos suspeitos pelas mortes. Para a Polícia, uma vingança pessoal após o conturbado fim do relacionamento era apontada como a motivação.

Ex-cunhado de Beto Neves foi acusado de atuar como mandante do crime, mas absolvido em julgamento anos depois
Ex-cunhado de Beto Neves foi acusado de atuar como mandante do crime, mas absolvido em julgamento anos depois |  Foto: Reprodução/Redes Sociais

As acusações de perseguição a Rosilene e de ameaças verbais reforçaram as suspeitas. Alguns dias depois, Salim já não era mais encontrado pelos policiais na sua residência e seu segurança era 'linkado' ao caso como um dos acusados de executar os disparos. 45 dias após as mortes, vieram as primeiras prisões; Romero Gil da Rocha, que era segurança de Salim, e Pablo Medeiros, apontado como comparsa, foram localizados, presos e confessaram o crime.

Em 21 de outubro daquele ano, o advogado e empresário foi preso pelos policiais da Delegacia de Homicídios da região (DHNSG). Era só o início da jornada de anos para esclarecer mais detalhes sobre o crime. Alguns anos depois, em 2016, os dois suspeitos presos inicialmente foram condenados oficialmente pelo crime. Um deles, o segurança Romero, morreu na cadeia no ano seguinte. Já o julgamento de Salim, acusado de ordenar as mortes, passou por diversos adiamentos.

As audiências decisivas só vieram a acontecer mesmo em 2019. A jornada até lá foi extenuante para os familiares das vítimas, sobretudo para Beto, que, além de ter perdido a mãe e a sobrinha, de quem era bem próximo, também acabou se tornando uma espécie de “porta-voz” da família sobre o caso. Em conversa com OSG, o estilista falou sobre o resultado dos julgamentos e o desenrolar do caso uma década depois.

O dono da Complexo B relembra o cansaço que os dias de sessão judicial evidenciaram. “Já faziam seis anos do crime e que ele estava preso, e eu realmente já não aguentava mais toda a pressão que eu tinha com relação a responsabilidade de responder pelos fatos, de debater toda a injustiça e a covardia que foi feita”, desabafa.

Sentença emitida em 2019 chegou a ser anulada, mas foi mantida por decisão do STJ
Sentença emitida em 2019 chegou a ser anulada, mas foi mantida por decisão do STJ |  Foto: Divulgação

Durante três dias, ele foi obrigado a relembrar a cena do crime diversas vezes. Após a análise das evidências e dos argumentos de ambos os lados, o caso foi para júri popular. No dia 19 de junho de 2019, os quatro homens e três mulheres que compunham o júri decidiram absolver Michel Salim, que foi solto e considerado inocente. Para Beto, o resultado foi um baque e a culminância de um cenário no julgamento que ele define como “de total injustiça, de mentira”, comentando os argumentos da defesa do acusado.

A coisa ficou mais confusa judicialmente depois que o Tribunal de Justiça do Rio, em dezembro de 2020, decidiu anular o julgamento. A desembargadora Suimei Meira Cavalieri, da 3ª Câmara Criminal, foi a relatora do recurso que determinou, ainda, que um novo julgamento fosse marcado. Antes que isso viesse a acontecer, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em dezembro do ano seguinte, optou por manter a sentença de 2019 e Salim continuou, portanto, absolvido.

Antes mesmo dessa reviravolta, ainda em 2019, Beto já não tinha muitas perspectivas de que a situação poderia mudar para o acusado. “Logo depois [do julgamento] veio a pandemia, e Justiça foi ficando mais lenta e eu sem dinheiro. Fui ficando sem capacidade de recorrer. Refleti bem e vi que quem tinha sido absolvido e libertado aquele dia tinha sido eu”, ele declara.

"Ele [Salim] tinha conseguido a liberdade da Justiça, mas não a liberdade divina. E eu sim, eu tinha cumprido meu papel", desabafa estilista
"Ele [Salim] tinha conseguido a liberdade da Justiça, mas não a liberdade divina. E eu sim, eu tinha cumprido meu papel", desabafa estilista |  Foto: Divulgação

Para o estilista, o resultado, em sua visão, frustrante e injusto serviu para dar fim à sua luta. “Ele tinha conseguido a liberdade da Justiça, mas não a liberdade divina. E eu sim, eu tinha cumprido meu papel. Tinha ficado 6 anos da minha vida dedicado àquilo, tinha exposto e deixado o nome da minha empresa, da minha marca, envolvido com o crime, sem eu ter nada com ele. Não era casado com ele, não tinha nenhuma relação com ele, não gostava dele, não gostava da família dele. Eu consegui concluir que eu estava livre, que eu já tinha feito mais do que eu podia”, destaca.

Beto comenta que um aspecto positivo da demora no julgamento, em sua opinião, foi que, quando Salim saiu da cadeia, ele já “não tinha nenhum poder" sobre as duas filhas que já se aproximavam da maioridade. Ele acredita que elas duas também foram personagens bastante afetadas pela situação.

“Elas sim, as filhas deles foram as que mais perderam. Perderam a avó, que elas adoravam; a irmã mais velha, que era como uma ídola; o amigo e o pai. Porque, por mais que a Justiça não o tenha condenado, elas, eu e todo mundo sabemos da responsabilidade dele. E ele também sabe. A família dele também sabe. Todo mundo sabe. Mas, pelos sete jurados, ele foi declarado inocente”, diz.

A desembargadora que relatou o pedido de anulação dessa sentença foi procurada por OSG, mas disse que não poderia falar sobre o caso. Em resposta, o TJ-RJ informou que alguns recursos interpostos pela defesa do acusado ainda constam como pendentes, o que a impede de poder falar sobre o assunto. Apesar disso, o caso não tem perspectivas de mudanças, já que, conforme informado pelo STJ, todos os trâmites relativos ao caso que foram para a Corte Superior “estão com trânsito em julgado”.

De qualquer forma, Beto não acha que insistir nos processos judiciais, mesmo que com base nas evidências encontradas, teria mudado muita coisa. “Eu não vou trazer ninguém de volta. Eu não vou mudar a Justiça. Eu não vou mudar a lei nesses casos de machismo e feminicídio, esse poder que os homens acham que tem sobre as mulheres. Não admitem que perdeu, não admitem que a pessoa pode seguir a vida dela”, argumenta.

"Sigo minha vida com essa ferida, esse machucado, esse vazio do que poderia viver ainda com a Manuella, minha mãe e o Rafa", conta estilista
"Sigo minha vida com essa ferida, esse machucado, esse vazio do que poderia viver ainda com a Manuella, minha mãe e o Rafa", conta estilista |  Foto: Reprodução/Redes Sociais

‘Livre’ das pressões ligadas ao caso, o estilista vive, atualmente, em Lisboa, capital de Portugal, para onde se mudou há pouco mais de um ano por conta de uma proposta profissional. Enquanto monta seu projeto por lá, sua marca, a Complexo B, segue funcionando no Brasil, gerida pelo próprio Beto, que administra o negócio à distância tentando adequar o horário comercial brasileiro com o fuso horário europeu.

Rosilene, ex-esposa de Salim e irmã de Beto, segue vivendo no Brasil. Por conta de outras questões judiciais envolvendo sua relação com o advogado absolvido, ela preferiu não falar sobre o caso. 

“Eu, desde aquela época, não desejo mal a ninguém. Não desejo mal a ele [Salim], como também não desejo bem. O que sinto por ele hoje é o mesmo que sentia antes, que é um nada. Não dá para sentir alguma coisa por uma pessoa que é oca, que não tem sentimentos, que parece não ter emoção, que parece não ter ninguém no mundo além dele”, afirma Beto Neves.

Por fim, o estilista reconhece o peso que o crime teve em sua vida e no imaginário gonçalense nesses dez anos, mas acredita que é hora de seguir em frente, mesmo com o sofrimento que o acompanha.

“Acho que eu realmente me libertei. Uma das coisas que eu pedia a todos os meus protetores era que não deixassem o ódio dominar meu coração. Acho que consegui isso. Sigo minha vida com essa ferida, esse machucado, esse vazio do que poderia viver ainda com a Manuella, minha mãe e o Rafa. Principalmente com a Manuella, que era como se fosse minha filha”, conclui.

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