Terreiros se preparam para celebrar Ibejada com doces, fé e solidariedade
Celebrações da Ibejada movimentam terreiros em São Gonçalo com doces, brinquedos e rituais que homenageiam as crianças espirituais e reforçam os valores da fé e da caridade

Os terreiros de Umbanda e Candomblé já estão nos preparativos para celebrar a Ibejada, linha espiritual associada às crianças. A festa, marcada tradicionalmente para o dia 27 de setembro, vai muito além da distribuição de doces: é um momento de fé, alegria, proteção e cura espiritual, segundo praticantes das religiões de matriz africana.
A celebração é dedicada a espíritos de crianças que, segundo a crença, desencarnaram ainda na primeira infância e hoje atuam como entidades espirituais. Chamadas de erês, ibejis ou apenas "crianças", essas entidades incorporam nos médiuns durante as giras com a missão de oferecer conforto, orientação e boas energias, sempre por meio de brincadeiras, cantigas e, claro, muitos doces e frutas.
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"São espíritos direcionados pela Aruanda. O que a gente chama de Aruanda é o céu. Essas crianças foram direcionadas conforme os seus feitos religiosos aqui na Terra. Muitas crianças foram escolhidas para cumprir essa missão de ajudar as pessoas. Elas são alegria pura, mas, ao mesmo tempo, na alegria delas, rezam pelas pessoas, indicam trabalhos espirituais, promovem limpezas espirituais brincando.”, disse a zeladora espiritual Ástria de Xangô, de 60 anos, responsável pela Tenda Espírita Vovó Maria Conga das Almas e Caboclo Sete Flechas, na Rua Cosme Fonte Lira, lote 17, quadra 10, Colubandê, em São Gonçalo.

Além dos tradicionais doces, as comemorações também contam com outras características comuns às crianças e que ajudam em seus trabalhos espirituais, como brinquedos, roupas, enfeites de cabelo e bonés. Os Ibejis atuam auxiliando na cura de doenças físicas e mentais.

Doação e trabalho coletivo marcam as celebrações
A tradicional entrega de saquinhos de doces também é uma das marcas da celebração no dia 27. Terreiros organizam a distribuição tanto para crianças quanto para adultos, em um gesto que carrega muito mais que açúcar.
Boa parte dos doces vem de doações, enquanto outra parte é comprada pelos próprios frequentadores. A preparação é feita em mutirões, com médiuns, cambones e voluntários colaborando na montagem e entrega.
“Distribuímos os doces na gira e também levamos para crianças nas ruas. Já conseguimos até doar brinquedos para instituições que acolhem crianças à espera de adoção”, conta Ástria. “Mas hoje, com o aumento dos ataques às religiões de matriz africana, temos receio de ir às ruas com segurança. Ainda assim, quem quiser pode buscar os doces no terreiro.”

Umbanda é caridade
Um dos fundamentos da Umbanda é a caridade e a solidariedade. Médiuns e simpatizantes se reúnem para ajudar os mais necessitados, e esse socorro pode ocorrer de diversas formas: distribuição de alimentos, acolhimento espiritual e auxílio na cura de males físicos e emocionais.
Esse trabalho de ajuda está presente em todas as linhas de entidades, não se restringindo à Ibejada.
Apesar das limitações financeiras, o terreiro cumpre esse papel social para poder ajudar ainda mais pessoas em diferentes áreas.
“A nossa casa tem alguns projetos que ainda não saíram do papel. Para algumas casas de Umbanda, é complicado atingir uma parte da população que a gente gostaria de ajudar. Por exemplo, muitas vezes a gente não consegue chegar à comunidade. Quando a gente faz as giras de Umbanda em nossa casa, a gente procura pedir 1 kg de alimento não perecível. Nem todas as pessoas podem levar, mas a gente junta o que tem e monta quantas cestas básicas forem possíveis para distribuir”, relatou a zeladora.

Quando o terreiro recebe uma doação considerável, os integrantes se organizam para escolher um local onde a ajuda seja realmente necessária.
“Quando conseguimos uma boa doação, a gente escolhe um lugar para levar os alimentos. Não é que a gente não aceite valores, mas evitamos ao máximo trabalhar com dinheiro.Pedimos 1 kg de alimento para montar uma cesta básica com o que for possível e distribuímos para quem precisa. Dentro do nosso próprio bairro, ainda não conseguimos atingir as pessoas, então os nossos projetos sociais ainda estão em fase de estudo. [...] Nós trabalhamos dentro da caridade. Fazemos o que podemos. Muitas pessoas acham que, quando a gente não estende a mão, é porque não quer. Mas é porque não consegue. Ajudar as pessoas é muito difícil. A receptividade é maior do que a gente imagina”, revelou Ástria de Xangô.

Outros pontos de festas
A cidade de São Gonçalo, considerada o berço da Umbanda, receberá diversas festas em homenagem à Ibejada.
Uma delas ocorrerá no próximo sábado (27), na Tenda Espírita São Lázaro do Pita, na Rua Dr. Pio Borges, 2181, no bairro Pitá.
A celebração contará com distribuição de doces e brinquedos para as crianças a partir das 15h.
De acordo com o Zelador Umbandista, Dirigente do Terreiro e Presidente do Museu da Umbanda, em São Gonçalo, Fernando D'Oxum, a festa reúne inúmeras pessoas.
“A festa é aberta a todos e se tornou um marco de resistência e valorização das tradições de matriz africana, que compõem a identidade cultural gonçalense.
Em cada edição, centenas de crianças e adultos participam do encontro, reforçando laços comunitários e celebrando a doçura da fé”.

Sob supervisão de Marcela Freitas