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Dia das Mães: o amor e os desafios das mães atípicas

Mães de crianças com necessidades especiais comentam jornada da maternidade atípica

relogio min de leitura | Escrito por Felipe Galeno | 12 de maio de 2024 - 10:37
Mães de crianças com TEA falam sobre o turbilhão de emoções e amor incondicional da maternidade
Mães de crianças com TEA falam sobre o turbilhão de emoções e amor incondicional da maternidade -

Trazer uma vida ao mundo e cuidar de seu crescimento é sempre um desafio, mas, para famílias com crianças que precisam de necessidades especiais, a jornada de “criar um filho” é ainda mais marcada por obstáculos. No último Censo do IBGE, o Brasil tinha 760 mil crianças com algum tipo de deficiência ou necessidade especial. Por trás da estatística, estão milhares de mães atípicas, mulheres que experimentam as alegrias e tristezas da maternidade com ainda maior intensidade.

Para essas mulheres, comemorar o Dia das Mães neste domingo (12) é celebrar um amor que vai “além do incondicional”, como define a professora e escritora Josileine Pessoa, de 40 anos. Ela é mãe do Caio, de 11 anos, e do Yan, de 6 anos. Os dois fazem parte do espectro autista; o mais velho está no Nível 3 de suporte, “grau” mais acentuado de necessidade de apoio, enquanto o mais novo está no Nível 1. Lidar com as particularidades na criação deles transforma cada dia em um novo turbilhão de eventos.


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“O dia-a-dia de uma mãe atípica é literalmente uma roda gigante de emoções e sentimentos. A gente se culpa, a gente quer fazer ao mesmo tempo o possível e o impossível e depois ficamos com a sensação de impotência. Nós tentamos lidar com todos esses sentimentos, fora as questões da criança, ter de descobrir no filho todo dia um desafio diferente. Ele pode reagir de formas diversas e a gente tem que se reinventar o tempo inteiro”, afirma Josileine.

Essa “roda gigante” começa logo na descoberta do transtorno. A professora explica que as primeiras reações ao laudo do Transtorno do Espectro Autista (TEA) são particularmente difíceis. “Para pais e famílias atípicas, receber o diagnóstico é como uma puxada de tapete da vida. Ninguém espera e vive-se o luto do filho idealizado. Depois que passa esse luto, a gente começa a correr atrás de tratamentos, que também não é uma coisa fácil. Mas o diagnóstico é sempre um baque para a família, nem tanto pelo autismo em si, mas por como a gente sabe que o mundo recebe uma criança com um transtorno tão complexo como o do autismo”, esclarece Josileine.

A bibliotecária e assistente social Alice Souza, de 37 anos, concorda. Além das preocupações com o tratamento do próprio filho, há ainda as inseguranças relativas a como a sociedade irá se comportar ao redor da criança. Mãe da Laura, de 5 anos, Alice conta que essa inquietação passa pela cabeça logo nas primeiras etapas da relação com o transtorno e o tratamento.

Alice Souza é mãe da Laura, de 5 anos
Alice Souza é mãe da Laura, de 5 anos |  Foto: Arquivo Pessoal

“O primeiro momento é impactante. A gente fica sem saber como lidar, como explicar pras pessoas, sem saber como minha filha vai conseguir viver, conviver, o que ela vai ser, como as pessoas vão tratar. Tudo isso passa [pela cabeça] quando se recebe o diagnóstico. Mas é preciso ação. Principalmente quando se fala de autismo e neuroplasticidade, enquanto está pequenininho é a hora de correr pelo aprendizado da criança”, enfatiza a bibliotecária.

Passado o choque inicial, vêm uma série de outros desafios práticos que passam a marcar a rotina da mãe atípica. Roberta de Souza, de 42 anos, mãe do Murilo, de 5, explica que algumas das principais dificuldades no cuidado com o filho autista estão, por exemplo, na hora de montar uma dieta adequada às necessidades da criança ou de encontrar um atendimento de qualidade que seja acessível à realidade da família.

“A criança autista tem muitos desafios na questão da alimentação, do trato com a sociedade. A gente tenta fazer com que ele tenha todas as ferramentas que ele precisa para poder lidar com isso. É difícil porque às vezes a gente não consegue a terapia num local bacana, tem a demora na resposta de atendimentos tanto público como privado. Algumas coisas frustram bastante a gente”, desabafa Roberta, que, além do Murilo, também é mãe da Ana Mel, de 22 anos, e do Miguel, de 4, ambos neurotípicos.

Roberta de Souza é mãe do Murilo, de 5 anos
Roberta de Souza é mãe do Murilo, de 5 anos |  Foto: Arquivo Pessoal

Enfrentar esses desafios requer uma rede de apoio familiar e a disposição para sacrificar certas vontades, como explica Alice: “Você precisa levar para as terapias, precisa estar com os atendimentos consolidados no dia-a-dia dela. Para isso, precisa ter pessoas junto. Como a gente está falando aqui de uma família que tem alguns recursos, mas não somos ricos, então a gente precisa abrir mão de muita coisa. Muitas vezes a gente não consegue ter nem mesmo um simples lazer. Eu mesma não saio muito, não faço coisas muito sozinha, porque é sempre tudo mobilizado em prol da Laura. Não tem relaxamento”.

A falta de políticas públicas voltadas para essas famílias e o pouco alcance das alternativas públicas de atendimento especializado torna essa rotina ainda mais sacrificante, como contam as mães atípicas. Apesar dos avanços em termos de legislações voltadas para mães de crianças com transtornos neurodivergentes, a advogada Danielle Jacques explica que ainda há lacunas fundamentais na garantia desses direitos.

"Embora muitas leis garantam direitos básicos às pessoas com deficiência, como acesso a cuidados de saúde, medicação, nutrição e educação, as mães, frequentemente, se veem desamparadas, especialmente aquelas que são as únicas tutoras", destaca a advogada.

Para isso, além do apoio de familiares e pessoas próximas, é importante desenvolver válvulas de escape; encontrar espaços para desabafar sobre os fardos e, através disso, encontrar ainda mais força no amor pelo filho. Para Josilene, a estratégia foi retomar a prática da escrita, hábito que abandonou durante os primeiros anos de maternidade, que a ajudou a levar a jornada com um pouco mais de leveza.

“Eu voltei a exteriorizar os meus sentimentos, colocar no papel, e isso foi funcionando para mim como um homeopático, uma terapia. Escrever está me fazendo desabafar e me sentir bem depois, mesmo que aquela escrita não fosse de um verso tão belo ou de uma história tão bonita”, conta a professora - que hoje é autora de uma coluna virtual sobre maternidade atípica, onde, além de compartilhar seus relatos, ela também traz informações de conscientização sobre o TEA.

Josileine Pessoa é mãe do Caio, de 11 anos, e do Yan, de 6
Josileine Pessoa é mãe do Caio, de 11 anos, e do Yan, de 6 |  Foto: Arquivo Pessoal

Alice encontrou uma alternativa parecida através do seu trabalho. “Busco falar para as pessoas o que é o autismo. Eu sou bibliotecária e faço muitas atividades na biblioteca em que busco levar para os alunos essas discussões, falar sobre a questão do capacitismo, do preconceito”, conta a mãe da Laura, que também tem uma coluna sobre literatura e inclusão.

E, no fim das contas, apesar de todos os obstáculos e correrias que marcam a trajetória, é na inexplicável relação de amor entre mãe e filho que todo desafio da maternidade atípica se justifica, como enfatizam as três mamães. Escutar um “eu te amo” depois de muitos anos, como conta Josileine; ou perceber como sua própria presença garante segurança e alegria para a filha, como compartilha Alice; esses momentos reforçam que amar um filho é a maior recompensa que todos esses esforços podem ter, como conclui Roberta: “Ser mãe é uma dádiva, uma honra, um presente e eu tento só fazer de tudo para que eu mereça essa honra”.

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