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Informação e acolhimento: vamos falar do Autismo?

Mãe atípica e diagnosticada com TEA aos 35 anos, moradora de Nova Cidade, em São Gonçalo, criou grupo de acolhimento TEAcolher, que já abrange quase 2 mil famílias: conheça a história de Roberta Maia

relogio min de leitura | Escrito por Lívia Mendonça | 22 de setembro de 2023 - 19:35
Encontro do Grupo TEAcolher em uma contação de histórias na Biblioteca de Niterói
Encontro do Grupo TEAcolher em uma contação de histórias na Biblioteca de Niterói -

O aumento do número de diagnósticos de pessoas no espectro autista não é uma percepção subjetiva ou mera impressão. O aumento de informações,  incluindo os noticiários, como a recente revelação do diagnóstico da atriz global Letícia Sabatella, também evidenciam o crescente interesse pelo tema. Estima-se que os números de pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) no Brasil esteja crescendo cada vez mais, seguindo a tendência que já foi verificada nos Estados Unidos, de acordo com relatório do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). 

De acordo com a última estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), seriam dois milhões de diagnosticados com TEA dentre a população de 200 milhões de pessoas no Brasil. Ou seja, 1% da população.

Apesar de muito aquém do que pode ser considerado ideal, o aumento de profissionais especializados e, consequentemente, de diagnósticos, tem trazido avanços e conquistas no sentido de inclusão de pessoas com TEA, em comparação com gerações anteriores.


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Entre as maiores conquistas está a crescente disseminação da informação, uma vez que, munidas de conhecimento e autoconhecimento sobre a condição das pessoas com TEA, as famílias conseguem lidar melhor com tudo o que envolve o diagnóstico, incluindo direitos, desafios, necessidade de rede de apoio e o combate ao preconceito.

Acolhimento e Representatividade

Roberta Maia, 35 anos, é um exemplo em São Gonçalo da importância de buscar conhecimento sobre o assunto e, principalmente, de se ter uma rede de apoio para enfrentar os desafios diários que um diagnóstico de TEA possa ter. 

Moradora do bairro Nova Cidade, Roberta é mãe do pequeno Miguel Arcanjo, de 4 anos, que foi diagnosticado com TEA aos 2 anos. A maior surpresa dessa história é que, após o diagnóstico do filho, Roberta descobriu que também está no espectro do autismo, o que fez com que sua vida fosse ressignificada. 

"Com o passar dos anos comecei a perceber algumas características do TEA em mim, foi aí que decidi procurar ajuda. Comecei a busca através de uma avaliação neuropsicológica em janeiro de 2023 e em abril de 2023 enfim o diagnóstico veio: autismo nível de suporte II, para minha surpresa. Através do diagnóstico do meu filho, um novo mundo se abriu", disse Roberta. 

Roberta e seu filho, Miguel Arcanjo, são autistas; ela é fundadora do TEAcolher
Roberta e seu filho, Miguel Arcanjo, são autistas; ela é fundadora do TEAcolher |  Foto: Divulgação

A gonçalense é fundadora do grupo de acolhimento 'TEAcolher Mães', uma junção da sigla TEA (Transtorno do Espectro do Autismo) com a palavra acolher, que é o principal objetivo da iniciativa.

"O grupo nasceu em junho de 2021, após o diagnóstico do Miguel Arcanjo. Vi no grupo a possibilidade de, pela experiências de outras mães, entender e saber como lidar com o autismo, e viramos uma grande família. Hoje são quase 2 mil famílias que fazem parte desse projeto lindo", declarou. 

"Fiz o grupo de acolhimento para ser acolhida."

Solidão da maternidade atípica 

Receber um diagnóstico de autismo pode ser difícil para a família, mas é ainda mais difícil para mães que vivem essa experiência com seus filhos de maneira solitária, seja por ser mãe solo, seja pelo afastamento do grupo social e até mesmo pela própria mãe ser diagnosticada, tardiamente, com o mesmo transtorno. 

A notícia chega acompanhada de sentimentos como o medo, expectativas frustradas e desmoronamento de um ideal de perfeição. 

Frequentemente, mães de crianças diagnosticadas com algum tipo de deficiência têm que lidar com amigos que não se aproximam, convites de aniversário que não chegam, o afastamento das crianças no parquinho, entre outros casos. Essas mulheres muitas vezes se veem sozinhas e abandonadas, mostrando a necessidade de um grupo de apoio que as acolha e ajude a disseminar informação e conhecimento. 

Encontro do Grupo TEAcolher em uma contação de histórias na Biblioteca de Niterói
Encontro do Grupo TEAcolher em uma contação de histórias na Biblioteca de Niterói |  Foto: Divulgação

O TEAcolher realiza eventos, palestras e rodas de conversa, afim de trazer essas famílias para a sociedade e lembrá-las de não ter medo da vida e das adversidades que encontrarão pelo caminho. O grupo não possui um espaço físico para os encontros, mas tem diversas parcerias com locais de São Gonçalo, Niterói e Itaboraí. 

"O principal objetivo do grupo envolve três pilares: informação, conscientização e o acolhimento. A maioria das mães que vivem a experiência do autismo com seus filhos encontra-se sozinha", disse Roberta. 

"Eu fico tão focada em ajudar o máximo de mães possíveis que isso me ajuda, é uma loucura, mais de mil mensagens por dia. As famílias têm anseio por ajudar os filhos e não sabem como, isso é reflexo da falta de conscientização", concluiu. 

Para fazer parte e acompanhar o trabalho do grupo de acolhimento, basta acessar o Instagram do TEAcolher - @teacolhermaes. As participações nos eventos, que contam com parcerias e doações, são disponibilizadas através de inscrições. De três em três meses os encontros são apenas para as mães, sem filhos e uma vez por mês acontece o encontro terapêutico, sem a presença dos filhos também.

Grupo TEAcolher em confraternização pelo Dia das Crianças, em 2022
Grupo TEAcolher em confraternização pelo Dia das Crianças, em 2022 |  Foto: Divulgação

Representatividade na pele 

Em janeiro de 2022, através de uma parceria entre o TEAcolher e a 4 Artes Tattoo @4artestattoo - (estúdio de tatuagem em Niterói), foram oferecidas tatuagens gratuitas do símbolo do autismo para mães atípicas a partir de um cadastro para agendamento. 

Tatuagem feita por Roberta Maia, em ação de parceria entre o TEAcolher e a 4 Artes Tattoo
Tatuagem feita por Roberta Maia, em ação de parceria entre o TEAcolher e a 4 Artes Tattoo |  Foto: Divulgação

Moradora de Vista Alegre, em São Gonçalo, Luciene, de 32 anos, mãe do Bernardo, de 6, descobriu o diagnóstico do filho quando ele estava próximo de completar 3 anos. Ela foi uma das mães tatuadas graças à parceria. 

"Além de ser um ato de carinho e afeto, é uma maneira de expressar no próprio corpo essa importância do autoconhecimento", disse Luciene, que também tem uma filha de 13 anos e faz parte do grupo TEAcolher Mães. 

Você sabia? Autista é PCD 

Ontem, dia 21 de setembro, foi celebrado o Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência, e, para efeitos legais, desde 2012, com a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro, pessoas com o Transtorno do Espectro Autista são consideradas PCDs. 

De acordo com a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência,  “considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. 

O transtorno do espectro autista (TEA), é um distúrbio do neurodesenvolvimento, caracterizado por manifestações comportamentais e desenvolvimento atípicos, déficits na comunicação e na interação social, com padrões de condutas repetitivos e estereotipados, peculiaridades essas reconhecidas pelo estado da permanência, independentemente do grau de incidência. Por tais características, pode-se afirmar que o autismo é uma deficiência.

Para o psicólogo Cesar Medeiros, de 32 anos, graduado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a conscientização para a família e para a sociedade é de extrema relevância.

"É importante para além de que busquemos cada vez mais estudos nessa área, que exista uma contribuição para que esses indivíduos sejam inclusos na sociedade. Temos com o avanço da legislação pró autismo, o resguardo do direito desses indivíduos". 

O psicólogo foi diagnosticado com autismo leve com altas habilidades e concluiu o curso de psicologia, com duração de 5 anos, em 3 anos e meio. "Acredito que o meu autismo com altas habilidades me ajudou a ter esse período de encurtamento da minha graduação".

"Para mim, esse diagnóstico foi libertador, me deu respostas que eu não tinha sobre o meu comportamento, sobre até mesmo aprimoramento de algumas habilidades, alguns receios que eu tinha, questões de interação social que passei na minha infância", afirmou Cesar Medeiros.

Importância do diagnóstico precoce 

"Quanto mais cedo eu investigo e consigo rastrear o TEA em uma criança, mais cedo eu conseguirei identificar quais as barreiras são causadas pela sintomatologia resultante do autismo. Com isso poderei fazer com que aquela criança tenha um trânsito, não apenas na infância, como na adolescência e fase adulta, com um pouco mais de consciência de sua condição, que provavelmente poderão atrapalhá-la em algumas relações sociais", disse o psicólogo. 

A maior estratégia para fortalecer a conscientização sobre o TEA é ampliar os  conhecimentos. Logo, o acesso à informação é um processo que deve ser compartilhado por equipes multiprofissionais e familiares, além do autoconhecimento para pessoas autistas.

São exemplos de ações: formações, leitura de bons livros e de documentos com abordagens atuais que tenham veracidade, compatibilidade com a ciência e que considerem as legislações existentes sobre o autismo. 

"A autoconsciência para a pessoa que tem autismo é algo muito importante, pois permite que o indivíduo se enxergue, se detecte, se situe e se compreenda. Então quando ele estiver diante de uma barreira, ele vai ter uma auto compreensão melhor, caso tenha sido diagnosticado e realize terapias, trabalhando numa resolução de problemas", conclui o especialista. 

*Sob supervisão de Cyntia Fonseca 

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