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Aqui tem história: Berços da indústria naval brasileira, conheça os estaleiros de Niterói e SG

Dos fornecedores aos clientes finais, entenda como nasceram e funcionam os estaleiros

relogio min de leitura | Escrito por Sofia Miranda | 13 de agosto de 2023 - 09:30
Estaleiro São Miguel
Estaleiro São Miguel -

A região metropolitana do Rio detém o pioneirismo de vários setores que entraram em expansão no Brasil com o tempo, como é o caso da indústria e a sempre lembrada 'era de ouro' da Manchester Fluminense. Com a indústria naval não seria diferente, visto que parte dos municípios fluminenses estão localizados em regiões estratégicas para o desenvolvimento das atividades.

Mão de obra, incentivos políticos e localização geográfica, seriam esses os ingredientes para que São Gonçalo e Niterói tenham sido o berço da indústria naval brasileira? É o que vamos explorar em mais um capítulo desta série. Episódio de hoje? Desvendando os estaleiros, as "fábricas" das estruturas flutuantes. 

Para entender isso, voltemos à gênese da existência humana. Desde as primeiras sociedades, o trabalho e a divisão de tarefas ditam como funciona a humanidade. Quando a fase da sobrevivência é superada e as sociedades começam a organizar suas vidas conforme a sobra de suas produções, as trocas começam.

Inicialmente, pelo escambo e à curta distância, num segundo momento, com a construção de embarcações de madeira, as trocas e ocupações começaram a superar rios e mares em anos, meses e, finalmente, em semanas as maiores distâncias foram encurtadas. É neste momento, caro leitor, que percebemos que o início da globalização se deve ao início das atividades navais. 

Junto ao encurtamento das distâncias e a rapidez na qual essas embarcações iam transportando cargas, a necessidade de navios mais resistentes foi nascendo. É neste contexto que entendemos o ponto central desta reportagem. Afinal, você já se perguntou como foram construídos os navios? 


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O primeiro estaleiro 

O primeiro estaleiro do Brasil escolheu a Baía de Guanabara como lar, por fatores geográficos e políticos. Por um lado, a posição do Rio de Janeiro como capital do Império Português estimulou o surgimento dos estabelecimentos, por outro, a posição geográfica permitia a construção de embarcações de forma mais segura, visto que, nas baías, a ação das ondas é menor. O resultado da junção da posição estratégica com as atividades econômicas feitas de forma fluvial se deu no fomento à indústria naval. 

"No período colonial, todo o litoral de São Gonçalo foi pontilhado por portos, a produção local era escoada por esses portos que eram associados às fazendas e funcionavam como atracadores para escoar a produção. Nas fazendas você tinha então esses personagens responsáveis pelo manejo das embarcações e o cuidado com elas", explicou o historiador e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rui Aniceto.

No entanto, segundo o próprio historiador, a produção e construção de navios inicialmente era uma tradição mais associada ao município de Niterói. Agora vamos direto ao século XIX, mais especificamente ao ano de 1846. Irineu Evangelista de Souza, mais conhecido como Barão de Mauá, tornou-se proprietário do  Estabelecimento de Fundição e Estaleiros da Ponta d' Areia, em Niterói, em 11 de agosto daquele ano e inaugurou o que hoje conhecemos como o Estaleiro Mauá. O fato foi considerado um empreendimento pioneiro na industrialização do Brasil.

Estaleiro Mauá, em Niterói
Estaleiro Mauá, em Niterói |  Foto: Reprodução

Quando a Guerra do Paraguai eclodiu, em 1864, quase um terço da frota naval brasileira havia sido construída no estaleiro Mauá. A indústria chegou a construir mais de 70 navios a vapor e a vela para navegação de cabotagem (transporte de cargas) no país. No entanto, em 1890, suas atividades foram praticamente encerradas e a frota que operava no Brasil era estrangeira em quase sua totalidade.

Já em 1905, o estaleiro foi integrado à Companhia Comércio e Navegação (CCN), especializada em construção e reparo de navios. Em 1973, a companhia já conhecida como Estaleiro Mauá, atingiu o máximo da sua produção, fabricando 12 navios de médio porte. 

Navio classe Liner, construído no estaleiro Mauá
Navio classe Liner, construído no estaleiro Mauá |  Foto: Reprodução

No entanto, a indústria naval enfrentou e enfrenta alguns desafios. Em 1950, com o Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek, algumas medidas de desenvolvimento e modernização das embarcações foram iniciadas, mas sofreram declínio no final da década de 70, quando o setor naval foi quase desativado.

Já que as produções não operam de forma isolada, assim como o aquecimento da economia niteroiense acontece a partir da mão de obra dos próprios residentes, o contrário também foi uma realidade quando a indústria estava enfraquecida. Isso, por sua vez, abateu alguns dos trabalhadores que moravam próximo aos estaleiros. Na Ilha da Conceição, onde se concentra a indústria naval do município, a economia sobrevive através desta atividade.

"Aqui sempre foi um polo industrial da cidade de Niterói por ter mais de dez estaleiros dentro do bairro. Sendo que, alguns desses estaleiros devido à pandemia e aos problemas econômicos, fecharam as portas mas estão abrindo novamente porque o governo está investindo. Finalmente estão olhando para o lado que deveriam olhar. As plataformas estão sendo reconstruídas aqui nos estaleiros da ilha. Já estão gerando emprego", contou Sérgio Lopes, presidente da Associação dos Moradores da Ilha da Conceição. 

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2014, aproximadamente 33% da composição da receita de Niterói provinha das atividades industriais. Em São Gonçalo, o percentual era de 14%.

São Gonçalo na cena naval 

Apesar do pioneirismo na indústria naval, Niterói não é o único personagem nesta história. Em São Gonçalo, o primeiro estaleiro instalado no município chama-se Estaleiro São Miguel. Inicialmente, depois de fundar uma empresa de navegação, o empresário Marcelino dos Anjos Nascimento notou a demanda de um serviço que reparasse seus navios.

Foi essa ideia que deu origem à criação do estaleiro, que hoje fica localizado às margens da Rodovia BR-101. O estaleiro faz parte do grupo Bravante, que teve como primeiro segmento a empresa de bunkering Navemestra. Posteriormente, concentrou as demais empresas Hidroclean e Bravante offshore. 

Como uma das missões é reaquecer a economia gonçalense, 75% dos funcionários do estaleiro são residentes do município. Hoje, a empresa conta com quase 400 funcionários, mas nem sempre foi assim. O diretor do estaleiro Luiz Antônio Harduim, conta sobre os momentos de estabilidade e enfraquecimento que narram o setor. 

Diretor do estaleiro São Miguel
Diretor do estaleiro São Miguel |  Foto: Layla Mussi

"Nós tivemos um ‘boom’ muito grande em 2008 até 2014. Em 2015, tivemos uma crise que impactou muito os estaleiros porque o carro-mestre é a Petrobras. Se a Petrobras cair, cai todo o resto. Nós conseguimos passar pelo temporal, não chegamos a parar, mas ficamos bem reduzidos. Tínhamos 1.200 funcionários e ficamos com 100, 80 funcionários. Agora nós estamos voltando a quase 400 funcionários. Há dois anos, a coisa voltou forte na parte de reparo, mas pouca na parte de construção". 

Por falar em reparo e construção, o diretor explica aquilo que grande parte das mentes que já viram uma estrutura flutuante se pergunta:

‘’Como um navio fica em 'pé'?’’

 "Dique é onde você coloca a embarcação para fazer a manutenção. Como você coloca um navio de 2 mil a 3 mil toneladas no seco? Você entra com ele dentro de um um dique que pode ser flutuante ou dique seco. O dique seco é quando ele é feito dentro da terra, o flutuante é uma embarcação que afunda e o navio entra e depois ela levanta. Imagina um elevador de carro", explicou o diretor. 

Segundo ele, os navios são classificados em portes pequeno, médio e grande. Para construir um navio, leva-se em conta um  período de 1 a 2 anos. "Um navio não é construído em seis meses. Ele é muito mais trabalhoso, só o projeto do navio leva uma média de três a seis meses. Saindo o projeto você vai fazer a encomenda dos equipamentos pesados, a chapa, os motores. Hoje os motores levam quase um ano para chegar, os navios têm motores quase que específicos para eles",  detalhou. 

Soldadores
Soldadores |  Foto: Layla Mussi

Em relação aos reparos, existem dois tipos: "Tem os reparos por acidente, que é quando o navio bate numa pedra, bate em outro navio, numa plataforma, quebra uma hélice, pega numa pedra. E tem o reparo obrigatório, chegou cinco anos, o navio tem que parar porque os documentos vencem. No ponto que ele parar precisa fazer o reparo, a vistoria. O casco depois de tantos anos precisa passar por uma medição de espessura para ver o desgaste da chapa e saber se ela vai precisar ser trocada ou não, o motor que faz a embarcação se mover na água tem que ser revisado para ver a propulsão. Tem uma cartilha a seguir", explicou o gerente de reparo Alexandre Araújo. 

Já o trabalho nos estaleiros funciona como uma engrenagem onde cada função depende da outra. O planejamento e organização inicia desde o setor corporativo mas as mãos que operam são de caldeireiros, soldadores e montadores. 

O cenário da indústria naval, no entanto, tem se reposicionado no mercado nos últimos anos e vem tentando se restabelecer. De acordo com o horizonte atual apontado pelo diretor do estaleiro São Miguel, as expectativas são animadoras: "Hoje, para se ter uma ideia, se quiser fazer um reparo num navio vai ter que deixar na fila", concluiu. 

*Sob supervisão de Cyntia Fonseca

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