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Travestis são impedidas de usar banheiro do São Gonçalo Shopping; vídeo!

O caso ocorreu na última terça-feira (05)

Escrito por Ana Carolina Moraes | 07 de abril de 2022 - 13:25
Elas foram impedidas de usar o banheiro do shopping
Elas foram impedidas de usar o banheiro do shopping -

Um vídeo viralizou na internet nos últimos dias e o cenário da situação caracterizada como desrespeitosa foi um dos principais malls do município de São Gonçalo, o São Gonçalo Shopping. A fotógrafa Amon Kiyá, de 20 anos, que é uma jovem travesti não binária, estava no banheiro do estabelecimento quando seguranças entraram no espaço e pediram que ela e sua amiga Luiz, que participou do The Voice Kids há alguns anos, saíssem do espaço, impedindo-as de usarem o banheiro. Vale lembrar que ambas se identificam como mulheres, possuindo assim o direito de utilizarem o banheiro feminino. O caso ocorreu na última terça-feira (05).

Amon e Luiz estavam acompanhadas de uma outra amiga, Laryssa Stellet, uma mulher cis (que nasceu como mulher e se identifica com o gênero que nasceu). Amon e Luiz, durante todo o vídeo, afirmam que são mulheres e que possuem o direito de usar o banheiro.

O SÃO GONÇALO, Amon contou que estava em um espaço próximo ao shopping fazendo um ensaio fotográfico com as amigas quando elas decidiram usar o banheiro do local para necessidades fisiológicas e troca de roupa. "A nossa ideia era usar o banheiro como qualquer outra mulher usa, apenas para trocar de roupa. As duas estavam na cabine, enquanto eu fiquei no espelho me olhando. Nessa hora, uma das faxineiras estava no local, encarando a gente. Ela saiu do banheiro e voltou com uma segurança que disse que não poderíamos ficar ali. Nós falamos que somos mulheres e que temos o direito, sim, de ficar ali. Depois disso, a segurança retornou com um segurança homem e, depois de tentarem impedir de usarmos o banheiro, eles saíram e nós ficamos dentro do banheiro esperando que falassem mais alguma coisa. Descobrimos, então, que eles interditaram o banheiro para não deixar ninguém entrar", contou.

Em trechos do vídeo que está na rede é possível ouvir os seguranças dizendo: "Vocês não podem estar nesse banheiro, que é feminino. Nós não temos banheiro específico ainda"; "Existe um terceiro banheiro que vocês podem estar utilizando (fazendo referência ao banheiro de deficientes)". Além de se referirem a Luiz e Amon como 'isso'. No final do vídeo, as três são retiradas do shopping com seguranças acompanhando-as. (Confira o vídeo completo abaixo).

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Confira o vídeo publicado na internet sobre o caso Reprodução/Internet
 

Amon contou que essa não é a primeira vez que passa por isso em estabelecimentos comerciais, mas ainda é difícil ter que lidar com essa situação. "Por mais que seja algo que a gente espera, ainda assim, estávamos lá trabalhando e fomos ao banheiro normalmente. A gente espera que aconteça esse tipo de preconceito, mas ainda assim não estávamos preparadas para isso. A gente ficou mal e, no dia seguinte, tentamos não pensar, mas com a repercussão aumentando, a única coisa que queremos é sumir, é não existir. Queríamos usar o banheiro normalmente, não fizemos nada de errado", afirmou, acrescentando que precisava falar sobre o tema nas mídias e com a imprensa para ter voz e conseguir expor o caso. 

Um tempo depois de o vídeo começar a ser compartilhado, o São Gonçalo Shopping postou um posicionamento nas redes sociais: "O São Gonçalo Shopping pede desculpas pelo episódio ocorrido com @euluizricardo, @amonkiya e @larystellet em sua visita ao shopping. Reconhecemos que a abordagem foi equivocada e essa postura não reflete o nosso posicionamento. Aqui, todos são bem-vindos e rechaçamos qualquer tipo de discriminação.

Sabemos que é preciso um trabalho profundo e constante para promover a conscientização, mudar essa realidade em nosso país e combater o preconceito. Por isso, estamos revendo nossos procedimentos e aumentaremos a frequência dos treinamentos, incluindo a capacitação dos profissionais envolvidos. É nossa obrigação preparar o nosso time para atender as pessoas da melhor forma possível.

Proporcionar um ambiente acolhedor e cuidar das pessoas é o nosso compromisso com toda a sociedade."

Sobre a fala do estabelecimento, Amon pede que esse posicionamento realmente seja respeitado. "Eu achei um posicionamento podre, aquilo é um texto que eles copiam e colam, que toda empresa usa e me deixou muito pior, é como se a dor que eu sinto não passasse de um texto padrão de empresa. A gente sabe que eles falam que vão mudar e não vão, que vão treinar os seguranças e não vão. Em 2015, uma travesti que trabalhava me contou que era obrigada a usar o banheiro de deficiente e não podia usar o feminino. Se eles querem mudança, tem que começar contratando pessoas travestis, que nos entendem, para trabalhar lá, podendo usar o banheiro que quiserem", afirmou. O caso foi levado para a delegacia e um boletim de ocorrência foi feito. 

Luiz também mostrou como se sentiu com a situação. "Foi horrível, muito ruim, eles não queriam entender, falamos tranquilamente, mas o caso já começou errado desde o início. A faxineira ficou nos olhando, depois ela chamou o segurança e ele veio com uma abordagem errada. Na nota oficial, o shopping postou que a postura dos funcionários não refletia o posicionamento da empresa, se não reflete, por que eles não foram treinados para lidar com isso? O shopping ficou fechado na pandemia em alguns momentos e os seguranças podiam ter treinado até em casa quanto a isso. Eles foram debochados o tempo todo e ainda nos acompanharam quando estávamos saindo do shopping", afirmou.

Luiz contou ainda que recebeu alguns comentários de apoio e outros contra ele. "O pior de tudo é a exposição. Nós nos expomos na internet sobre isso. Meu psicológico está abalado, minha família vai ver isso. Ainda recebemos comentários de pessoas falando que pelo meu nome ser Luiz e pela Amon ter barba não somos trans, mas isso não tem nada a ver. O que o shopping pode fazer agora é me pagar, nada além disso. Muita gente disse que fizemos isso para aparecer, por moda, mas eles não sabem que estamos mal com isso, que está nos magoando e causa problemas psicológicos para nós", afirmou ela, que tem 19 anos e atua como artista e recepcionista. 

Quem também se pronunciou sobre o caso foi a figurinista assistente de 26 anos, Laryssa Stellet, que acompanhava Luiz e Amon no shopping no momento do caso. "Eu sou uma mulher cis e estava ali como rede de apoio e tiveram comentários de pessoas falando que nunca viram uma pessoa cis defendendo isso com tanta força, mas não foi apenas por eu estar ali com elas, foi também pela revolta. As meninas chegaram e falaram para irmos embora, mas eu falei que se elas quisessem eu iria embora com elas, mas se quisessem, eu lutaria ali por elas. A gente tava explicando tudo e parecia que eles não entendiam. O direito das meninas estava sendo violado. Queríamos entender o motivo daquilo, de querer mandar as meninas para um banheiro de deficiente, como as pessoas não enxergavam que têm algo errado com esse pensamento? E quando o segurança homem chegou, tinham outras duas mulheres no banheiro, utilizando o local para suas necessidades", disse.

Laryssa também afirmou que não acredita muito na nota emitida pelo shopping. "Os funcionários continuam lá trabalhando hoje normalmente e nada aconteceu com eles. Lá, na hora do caso, eles falaram que estava em planejamento um banheiro para pessoas trans, mas sabemos que é mentira. Esse posicionamento foi só para tirar o deles da reta nas redes sociais, pelo número de comentários de pessoas nos apoiando e indignadas com o caso. A nota do shopping foi um texto padrão de qualquer outra empresa, a única coisa de diferente foi que marcaram nossos perfis no Instagram e foi mais direto mostrando que eles erraram com a gente", concluiu. 

O coordenador do Centro de Referência LGBTI+, Walace Ferreira, explicou como forneceu ajuda para Amon e Luiz. "Amon é uma menines trans não-bináries que é atendida por nós e, logo que o fato se decorreu, ela nos procurou e o nosso advogado, Wellington Virgílio, já entrou em contato com ela para dar as devidas orientações. Ela já fez o boletim de ocorrência informando a transfobia que sofreu e o constrangimento que passou com as amigas. Não há neste caso muito a ser feito a não ser o acompanhamento psicossocial e jurídico das vítimas. Vamos também acompanhar o caso para que não caia no esquecimento. O shopping já se pronunciou, mas de momento é aguardar o andamento dos processos", afirmou ele. 

Walace explicou também sobre como ocorrem ações de enfrentamento de atitudes transfóbicas e contra a comunidade LGBTQIA+ no município. "Nossas ações de combate à LGBTIfobia são feitas através de campanhas nas redes sociais e juntamente com os movimentos sociais da cidade para dar mais visibilidade tanto a nossa existência quanto aos nossos direitos. Estamos inclusive preparando uma capacitação para a Guarda Municipal, que ocorrerá no início de maio, e para algumas instituições de ensino buscando levar a capacitação de professores. A nossa intenção é o combate ao preconceito no geral e, para isso, estamos trabalhando com alguns parceiros como a coordenadora de igualdade racial Daniele Gonçalves", disse ele. 

Procurado, o São Gonçalo Shopping informou que "entrou em contato com as clientes para pedir desculpas pela abordagem inadequada e afastou os colaboradores em questão, para processo de treinamento e reciclagem. O shopping reconhece seu papel de combater qualquer tipo de discriminação e vai reforçar o trabalho contínuo de conscientização e reeducação de todos os colaboradores, dada a importância e a urgência desse tema. Importante ressaltar que elas não foram mantidas presas no banheiro".

Matéria atualizada às 16h28 do dia 07/04 para acréscimo de informações*

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