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Vida sem brilho e glamour

Homossexuais sonham com dias melhores após cumprirem penas em presídio carioca

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 13 de setembro de 2015 - 20:58

Ton Melo, que já foi funkeiro e participa de confecção de jornal na cadeia, deseja ser jornalista

Foto: Leonardo Ferraz

Por Renata Sena

Do glamour dos bailes funks à vida sem brilho das celas do Galpão da Quinta. As noites de festas, regadas a música e amigos, deram espaço a madrugadas longas no Presídio Evaristo de Moraes, no Rio. Desde junho de 2014, essa passou a ser a realidade do cantor Ton Mello, de 29 anos. Batizado pelos seus pais de Wellington Francisco Pereira dos Santos, Ton adotou o codinome em 2013, quando ganhou destaque na música funk.

No entanto a trajetória musical do jovem – que chegou a gravar um clipe produzido por um famoso funkeiro – não durou muito tempo. Com a homossexualidade descoberta muito cedo, Ton não foi aceito pelos pais evangélicos e saiu de casa aos 14 anos. Morou com uma tia, com um casal de amigos e começou a escrever sua história longe de Guadalupe, Zona Oeste do Rio, local onde nasceu.

Para se sustentar, Ton vendeu mate na praia, trabalhou em depósitos de bebidas e cruzou com o mundo do crime. Apesar de não querer relembrar o ocorrido, ele foi preso por estelionato com cartões de crédito aos 19 anos. Cumpriu quatro anos e quatro meses em regime fechado, na sua primeira passagem pelo sistema carcerário. Ao sair, Ton resolveu se dedicar a sua verdadeira vocação, a música, mas não conseguiu abandonar o crime.

Ele teve o sucesso interrompido quando foi preso pela terceira vez, pelo mesmo crime.

“Fui preso no momento em que tudo acontecia para mim. Dessa vez eu me arrependi de verdade. Não quero mais isso para mim”, desabafou Ton que chamou atenção do diretor do presídio.

“Quando ele foi preso da outra vez ele era mais masculino e eu era diretor de outra unidade. Quando o encontrei aqui, já estava tudo modificado, mas o respeito continua o mesmo”, contou Joseph Garcia Panema.

Apesar de usar maquiagem, pintar unhas e não esconder seu lado feminino, Ton não tem intenção em virar travesti.

“Não tenho vontade de mudar. Faço o que gosto do jeito que sou”, contou o jovem, que está usando o tempo no presídio para se dedicar aos estudos.

Planos - Além de descobrir a magia da educação, o presídio deu a Ton uma nova paixão: o jornalismo. Mesmo trabalhando como diagramador do “Jornal do Anacleto” – folhetim que ganha o nome da escola do presídio e é distribuído internamente na unidade – ele também atua como repórter no jornal.

“Foi uma coisa nova que aprendi aqui. Eu ocupo o meu dia para não ficar na cela o tempo todo. Quem sabe quando sair daqui não sigo na profissão?”, disse sonhando com um futuro melhor longe da prisão.

Bom humor para esconder a dor

O clima de brincadeira e descontração prevaleceu em quase todas as entrevistas das travestis e do homossexual a O SÃO GONÇALO. A tentativa de esconder as dores do passado contando piadas e rindo da própria realidade foi uma impressão unânime em relação a todos, que apesar de recordarem histórias tristes, não perderam o sorriso.

Mas para a psicóloga e professora da Uerj que estuda o sistema carcerário, Ana Paula Nuziel, isso não é uma regra, mas é compreensível.

“As pessoas não aguentam sofrer o tempo todo. Elas já sofreram muito e tentam esconder essa realidade dos demais no convívio social. Pode ser uma busca de recordar do passado de outra forma”, argumentou a professora universitária.

Trajetória de altos e baixos

Infelizmente não são todos os internos que conseguem apagar o passado e sonhar com o futuro, como Damião Bezerra de Andrade, ou Scarlet Horrana como prefere ser chamada, 32.

Nascida na Paraíba, Scarlet fugiu de casa adolescente, trabalhou como garota de programa por muitos anos, aplicou silicone em diversas partes do corpo, e lutou, diariamente, contra a saudade da família, a dor da solidão e a jornada perigosa da prostituição.

A vida, no entanto, ganhou contornos piores quando durante um programa sexual, ela ouviu do cliente: “Mais uma que foi”.

“Fiquei com isso na cabeça, e três meses depois descobri que estava contaminada com o vírus HIV”, contou.

Os dramas na história de Scarlet não pararam por aí. Em tratamento contra aids, ela tentou construir uma família, com um companheiro e uma menina adotada.

Quando tudo parecia estar perfeito para Scarlet, milicianos invadiram sua casa, atiraram contra a criança e o marido, que morreram na hora. Scarlet também foi atingida mas escapou ao desmaiar.

Refeita do trauma, Scarlet conheceu uma nova pessoa, no abrigo onde estava morando e achou que mais uma vez seria feliz.

“Estávamos bem, quando numa briga com um homem que não aceitou minha recusa de fazer programa com ele, que eu e meu companheiro fomos presos”, revelou.

Scarlet convive com drama de ter contraído o vírus HIV
Scarlet convive com drama de ter contraído o vírus HIV (Foto: Leonardo Ferraz)

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