Seu Nicodemus e Cosme: dois pais mortos e três órfãos de 'balas perdidas' em São Gonçalo

Por Alan Emiliano

Enquanto o país atinge o número de 100 mil mortes pela epidemia de coronavírus, outra 'peste' continua matando brasileiros, principalmente moradores das periferias: a violência urbana. E, muitas vezes, as vítimas têm sido pais e filhos, mortos por 'balas perdidas' no meio da 'guerra' entre os 'homens de farda' e 'bandidos', que sem nomes, viram números nas estatísticas oficiais. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio, 1.810 pessoas foram mortas durante operações policiais em 2019. 

Para homenagear personagens invisíveis dessa violência, O SÃO GONÇALO conta hoje, Dia dos Pais, a história de duas vítimas inocentes dessa 'estória', que deixaram três filhos órfãos em São Gonçalo: o Seu Nicodemus Rodrigues da Costa, 58, e o sobrinho dele, Cosme de Araújo Aguiar, de 35 anos. 

O Dia dos Pais sempre foi uma data especial para a família do comerciante Nicodemus Rodrigues que veio de 'mala e cuia' do Rio Grande do Norte para São Gonçalo na década de 70. Hoje, segundo a filha única dele, a psicóloga Bruna Rodrigues, seria um dia de comemorar a data com um café da manhã especial, com almoço ao gosto do papai, abraços, presentes e carinho.

"Hoje era um dia simbólico de prestar homenagem a ele. Sou grata a Deus por me permitir tê-lo ao meu lado e da minha mãe durante 32 anos. Vivemos intensamente, fomos muito além de pai e filha, éramos amigos, cúmplices. O nosso amor é imensurável. Ele foi um grande homem, o melhor pai do mundo, grande conselheiro, incentivador, motivador, parceiro, disponível e presente", disse a filha do comerciante.

Ela ainda busca explicações e Justiça sobre o que ocorreu na tarde de 6 de agosto de 2019, uma semana antes da comemoração do Dia dos Pais. "Meu pai sempre honrou o sobrenome de seus familiares e era muito apegado a fé. Como comerciante, era muito conhecido pela população da Trindade, onde morava; e do Anaia, onde tinha os seu comércio", relembra a filha.

Segue o relato do que foi noticiado na época: "O comerciante Nicodemus Rodrigues da Costa, de 58 anos, foi morto durante um confronto entre traficantes e policiais do 7ºBPM (São Gonçalo) no Anaia, em São Gonçalo.

De acordo com a PM, o disparo teria sido realizado por traficantes da localidade que atacaram os policiais que realizavam ação de combate ao tráfico de drogas na localidade. Já parentes e amigos da vítima alegam que o disparo teria partido dos policiais que realizaram uma "tróia" para pegar os criminosos da localidade". Testemunhas contam que Nicodemus seguia para uma padaria para comprar pão, quando foi surpreendido pelo confronto entre PMs e traficantes.

"Pai, a minha saudade é grande; Igual a você, o meu amor é infinito. Te honrarei até o meu último dia de vida, e enquanto eu existir, você terá memória. Nos dias difíceis, mentalizo essas suas palavras: "Bubuzinha, você tem que ser forte para a vida minha filha”, relembra Bruna.

O 'Dia dos Pais' também é uma data triste para a família do estoquista Cosme de Araújo Aguiar, sobrinho de Nicodemus, que foi morto onze meses antes do tio, durante uma operação da PM em Guaxindiba, em São Gonçalo. Pai de duas crianças, um garoto de 14 e uma menina de 4 anos, na época; ele retornava de uma 'pelada' de futebol, em 31 de outubro de 2018, junto com um dos filhos, quando foi morto durante um confronto entre policiais e traficantes.

"O meu marido nunca deixou faltar nada para os filhos. Eles sentem a falta dele até hoje. A pequena, que na época tinha dois anos, perguntou um dia desses porque a estrela do pai dela não conversa com ela. Cosme, meu amor, todos sentem muito a sua falta aqui na terra, mas sei que está fazendo as suas orações aí de cima para toda a nossa família. Vou fazer de tudo para conseguir retribuir tudo que fez por nós e lutar para os nossos filhos realizarem os seus sonhos", afirma, em forma de prece, a esposa de Cosme, a vendedora Sabrina Mendonça, 37 anos.

Hoje, Dia dos Pais, os casos seguem sob investigação da Divisão de Homicídios de Niterói, Itaboraí e São Gonçalo (DHNISG), que ainda buscam saber se as 'balas perdidas' que mataram Seu Nicodemus e Cosme partiram das armas dos policiais ou dos 'bandidos'.