Coronavírus 'explode' no Jardim Catarina junto com baile que dura três dias seguidos, confira o vídeo!

* Por Daniel Magalhães

São 7h30 da manhã de domingo (19), e a diarista N., de 35 anos, que está há quatro meses sem trabalhar por conta da pandemia de coronavírus, não teve uma boa noite de sono, mas se prepara para sair de casa, no Jardim Catarina, o maior bairro em população de São Gonçalo, com cerca de 90 mil moradores, para ir tentar receber notícias da mãe, internada há sete dias numa unidade de saúde da cidade, com coronavírus. Ela coloca um frasco de álcool em gel na bolsa, uma máscara de tecido no rosto, e antes de sair vai até um dos quartos e se despede dos dois filhos pequenos, que vão ficar sob os cuidados do marido. Ao abrir a porta de casa, o som que a impediu de dormir pelo segundo dia seguido desde sexta-feira, se torna quase insuportável. "Esse pessoal não tem mãe, nem filho, nem irmão. Eles estão brincando com a vida deles e dos outros. Pior que hoje à noite ainda tem mais", desabafa a diarista.

N. é moradora de uma área localizada no final do Jardim Catarina, próximo a BR-101, na divisa com o Complexo do Salgueiro, que os traficantes denominaram de 'Pistão de Las Vegas'. Há cerca de um mês, desde que começaram as medidas de flexibilização da quarentena, com relaxamento do isolamento social, o 'Pistão de Las Vegas' tem sido palco de bailes funk's com mais de 2 mil frequentadores aglomerados, numa maratona de shows de Dj's e grupos de pagode que começa na sexta-feira à noite e só termina na madrugada de segunda-feira. "Em março, quando a determinação do governo era ficar todo mundo dentro de casa, os próprios traficantes deram ordem para ninguém ficar de bobeira na rua. Mas de uns tempos pra cá, começaram esses baies que duram três dias", afirmou N.  

No último boletim sobre a doença, divulgado pelo Governo do Estado, com números do sábado (18), São Gonçalo registra 6.927 casos, com 551 mortes causadas pelo coronavírus. Desse total, 1.012 infectados pelo coronavírus, ou seja, cerca de 15%, são de moradores do Jardim Catarina. O segundo bairro da cidade com mais casos confirmados é o Colubandê, com 229. "Eu não sei o que esse povo tem na cabeça. Eles estão vendo familiares e amigos morrerem com a doença, mas não ligam. Só aqui na rua já morreram três conhecidos", desabafa a diarista. Até sábado, segundo o boletim da Secretaria de Saúde, já haviam morrido 42 pessoas com coronavírus no Jardim Catarina, sendo 21 mulheres e 21 homens. 

O último registro do baile do 'Pistão da Las Vegas' disponível nas redes sociais é um vídeo da festa registrado no domingo, dia 12 de julho, onde é possível ver uma multidão aglomerada sob tendas montadas nas ruas do Jardim Catarina, se divertindo sem nenhum tipo de proteção, sem máscaras. A falta de imagens da festa é justificada por uma ordem dos traficantes proibindo qualquer tipo de filmagem do evento ou publicação de fotos em redes sociais. Em grupos do twitter e de whatsApp que anunciam o baile, como 'Complexo do Flamengo' e 'Baile da Principal, Baile de Las Vegas', os organizadores informam cinco regras a serem cumpridas pelos frequentadores.

"Proibido gravar vídeos do baile. Ao ver alguém gravando, não vá no mesmo embalo. Tudo está sendo visto"; "Proibido divulgar o Flay dos bailes nas redes sociais, exceto no WhatsApp. O baile pode ser divulgado aqui no twitter, mas sem utilizar o flay"; "O baile do Pistão de Las Vegas jamais será cancelado por falta de atração. Se acontecer qualquer imprevisto com o cantor ou MC, nós arrumaremos outro para dar continuidade ao baile". Essas são as três principais instruções para quem quiser participar do baile. 

Coincidência ou não, desde que o primeiro baile do 'Pistão de Las Vegas' foi realizado no final de semana de 22 de maio, o número de casos de moradores contaminados confirmados e de mortes por coronavírus no Jardim Catarina disparou. De 20 casos em 22 de maio, em 27 de maio o bairro já registrava 53 casos, de 1.244 confirmados em todo o município. Em 29 de maio, o boletim da Secretaria de Saúde registrava 67 casos confirmados, com 17 mortes no Jardim Catarina, de um total de 1.471 casos e 171 mortes.

Daí em diante, a cada final de semana de bailes os números foram crescendo: em 4 de junho, uma semana depois do segundo final de semana com três dias de bailes, já haviam 101 casos confirmados da doença, com 21 mortes; 111 casos em 5 de junho; 131 casos confirmados em 12 de junho; 141 casos no dia 17 de junho; 154 registros no dia 23 de junho; 219 casos confirmados em 24 de junho, que dispararam para 362 casos confirmados em 30 de junho e chegaram a 474 casos no dia seguinte, 1 de julho.  

Uma semana depois, em 7 de julho, o Jardim Catarina já contabilizava 685 casos confirmados de coronavírus, com 32 mortos. No dia 10 de julho o número de moradores infectados subiu para 856; no dia 16 de julho chegou a 997 casos, com 42 mortos; e pelo último boletim divulgado na sexta-feira pela Secretaria Municipal de Saúde, que está sem os números desse fim de semana, o Jardim Catarina já tem 1.012 moradores infectados com coronavírus, de um total de 6.152 casos confirmados em toda a cidade, ou seja, 17% de todos os casos registrados no município.

Depois de passar o dia na porta do hospital, sem conseguir ver a mãe, que permanece internada num setor de isolamento, devido aos sintomas de coronavírus, a diarista N. chegou em casa por volta de 21 h da noite desse domingo (19), e novamente teve que 'driblar' a multidão aglomerada que já se concentrava para a terceira noite do baile do 'Pistão da Las Vegas'. No microfone, um Dj' anunciava as atrações da noite: um MC, que se identifica como advogado e pré-candidato a vereador nas próximas eleições em São Gonçalo; um Dj' que havia participado do 'Baile da China', com queima de fogos patrocinada pelo traficante Pivete, da Rua da Feira, na madrugada de sábado; um DJ' do Morro da Dita, que faria shows em três outras comunidades controladas pelo Comando Vermelho (CV) antes de se apresentar no Jardim Catarina, e fechando o baile, um Dj' de 'peso' do Complexo do Anaia. Já passava de meia noite dessa segunda-feira, quando a reportagem ligou para N., e enquanto ele reclamava que ia passar mais uma noite sem conseguir dormir, do outro lado da linha dava para ouvir o som de um 'pancadão' vindo da rua.     

* Estagiário sob supervisão de Ari Lopes