Instagram Facebook Twitter Whatsapp
Dólar R$ 5,3811 | Euro R$ 6,2308
Search

Sob comando de Cláudio Castro, Polícia do Rio já matou mais de 800 pessoas; Comando Vermelho segue em expansão

Números são do próprio Instituto de Segurança Pública e dizem respeito a mortes por intervenção policial, sem contar vítimas por bala perdida

relogio min de leitura | Escrito por Thiago Soares | 30 de outubro de 2025 - 10:56
Corpos retirados da comunidade por moradores foram colocados lado a lado em rua na Penha
Corpos retirados da comunidade por moradores foram colocados lado a lado em rua na Penha -

O Governador do estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), comemorou o resultado da operação 'Contenção', realizada durante toda a última terça-feira (28), nas comunidades que integram os Complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio. Sob seu governo, 828 pessoas já foram mortas por intervenção do Estado, de acordo com números publicados pelo próprio Instituto de Segurança Pública, órgão oficial do Governo.

A ação foi festejada por Cláudio Castro ao apresentar números impressionantes de apreensões de fuzis, 98; presos, 113 no total; e de mortes, chegando a 121 vítimas até agora - entre elas quatro policiais - tornando a operação a mais letal da história do Rio de Janeiro.

No entanto, enquanto alguns chamam a operação de "a maior faxina da história do Rio de Janeiro", como fez o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) no plenário da Câmara, enquanto milhões de cariocas e fluminenses tentavam se deslocar para casa em meio ao caos, outros afirmam que ações como essas, apesar de midiáticas, não melhoram em nada a situação da Segurança Pública.

Para a doutora em Segurança Pública, antropóloga e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jacqueline Muniz, "a ação inviabilizou a circulação de pessoas, bens, mercadorias e serviços. O bloqueio territorial descoordenado imposto em uma área com cerca de 200 mil habitantes e aproximadamente 500 mil transeuntes em 5,2 km² gerou colapso urbano, atingindo diretamente o funcionamento cotidiano da cidade, impondo-lhe prejuízos econômicos, políticos e sociais. Isto produziu mais insegurança pública. O espetáculo bélico agravou o temor coletivo, alimentou o pânico moral e disseminou a percepção generalizada de insegurança", escreveu em publicação no portal Brasil de Fato.

Desde 2003, quando começou a série histórica de captação de dados do Instituto de Segurança Pública do Rio, até o ano de 2024, considerando o estado como um todo, 22.201 (vinte e duas mil, duzentos e uma) pessoas morreram por intervenção do estado - ou seja - em operações policiais e afins. Por ano, a média é de 1.057 (mil e cinquenta e sete) mortes, o que contabiliza 88 mortes por mês ou 2,93 mortes diárias causadas por ação do estado no período analisado.

Analisando apenas as mortes ocorridas no município do Rio de Janeiro, no período compreendido entre 2014 e 2024, foram 4.860 (quatro mil, oitocentos e sessenta) pessoas mortas por intervenção do estado. Esse número reflete uma média de 486 mortes deste tipo por ano, 40,5 por mês. Considerando todos os meses com 30 dias, teríamos 1,35 mortes/dia. Vale lembrar que o índice 'morte por intervenção do estado' no ISP contabiliza mortes de pessoas consideradas suspeitos, ignorando possíveis vítimas de bala perdida, entre outras situações.

No entanto, o que tem se constatado nesse mesmo período de 10 anos (2014/2024) é crescimento do domínio territorial Comando Vermelho (CV), facção alvo da operação desta terça, do Terceiro Comando Puro (TCP), segunda maior facção criminosa do Rio, e o aparecimento e/ou crescimento das milícias, que inicialmente eram grupos paramilitares integrados em sua maioria por ex-militares, que prometiam segurança em seus locais de domínio, mas que agora atuam de forma integrada com as facções citadas anteriormente no controle de territórios e na exploração econômica dessas áreas.

De acordo com dados do 'Mapa dos Grupos Armados', projeto em parceria do Instituto Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF), o Comando Vermelho (CV) aumentou, de 2022 para 2023, em 8,4% o seu domínio territorial na Região Metropolitana do Rio.

Ainda segundo dados do Mapa, em 2008, 8,8% da área habitada (2.565,98 km²) da Região Metropolitana do Rio de Janeiro estava sob controle de grupos armados. Em 2023, 15 anos depois, a área dominada cresceu 105,73%, chegando a 18,2% do total.

A operação pouco afetou a capacidade coercitiva do CV, tal como tem ocorrido nos últimos 40 anos no Rio de Janeiro Jacqueline Muniz doutora em Segurança Pública

Para Muniz, ação não tem efeito prático contra o CV, como acontece há décadas no Rio. "A operação pouco afetou a capacidade coercitiva do CV, tal como tem ocorrido nos últimos 40 anos no Rio de Janeiro. Afinal, a capacidade coercitiva do CV não depende do uso de fuzis no controle de perímetros geograficamente irregulares, sem campo de visão claro com ao menos 180 graus de rotação."

Em outro ponto de sua visão, a antropóloga diz que a polícia prestou um serviço ao crime organizado. "Não se deve matar as galinhas dos ovos de ouro da investigação e da inteligência. Paradoxalmente, ao matar 64 supostos bandidos, o Estado prestou um serviço ao crime organizado, eliminando possíveis integrantes de sua base criminal-comercial. Trata-se de uma mão de obra barata, precarizada e facilmente substituível, mas que custa para ser mantida de boca fechada dentro e fora das prisões. Os núcleos dirigentes do CV permaneceram intocados e protegidos com a troca de tiros da polícia com os soldados do tráfico."

Mortes em operações policiais no governo Cláudio Castro
Quem quiser somar com o Rio de Janeiro nesse momento no combate à criminalidade é bem-vindo. Os outros que querem fazer confusão, que querem fazer politicagem, o nosso único recado é: ou soma ou suma Cláudio Castro Governador do Rio de Janeiro

No cargo desde 28 de agosto de 2020, quando o então governador Wilson Witzel foi afastado, Cláudio Castro impôs uma política de Segurança Pública baseada nas ações de confronto e 'guerra' violenta no combate às facções. Desde que comanda o executivo estadual, 828 pessoas já foram mortas em decorrência de operações policiais. Se contarmos com mortes de policiais e de pessoas que não estava ligadas ao confronto, o número chega a 890, segundo o Fogo Cruzado.

Segundo levantamento do Fogo Cruzado, a primeira grande operação aconteceu em 2021, no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, quando 27 pessoas acabaram mortas durante uma ação de policiais civis.

Em 2022, duas operações chamaram a atenção. Na Vila Cruzeiro, com 23 mortes, e no Complexo do Alemão, que terminou com 16 mortos.

Operação mais letal do Rio de Janeiro gerou revolta e protesto
Operação mais letal do Rio de Janeiro gerou revolta e protesto |  Foto: Agência Brasil/Fernando Frazão

Depois destas, a maior e mais letal operação da história do país, realizada na última terça-feira (28), contabiliza até aqui 128 mortes.

Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (29), no mesmo momento em que moradores do Complexo do Alemão retiravam 63 corpos localizados em áreas de mata na comunidade, Cláudio Castro comemorou o resultado da ação, lamentou a morte dos quatro policiais e provocou o Governo Federal.

"O governador desse estado e nenhum secretário vai ficar respondendo nem ministro, nem autoridade, nem ninguém que queira transformar esse momento numa batalha política", disse, completando em seguida. "Quem quiser somar com o Rio de Janeiro nesse momento no combate à criminalidade é bem-vindo. Os outros que querem fazer confusão, que querem fazer politicagem, o nosso único recado é: ou soma ou suma", completou.

"Queria me solidarizar com as famílias dos meus quatro guerreiros, que ontem deram a vida para libertar a população. Àquelas foram as verdadeiras quatro vítimas que tivemos ontem. De vítimas ontem lá, só tivemos os policiais", concluiu o governador.

Apesar de Castro desconsiderar em sua fala, além dos quatro policiais mortos, ao menos outros 10 foram baleados, e também não foram divulgados dados sobre os outros 124 mortos. Um morador em situação de rua, uma mulher que estava em uma academia e pelo menos mais oito civis moradores também foram feridos por disparos de arma de fogo.

Maiores apreensões de fuzil do Rio de Janeiro

A cúpula de Segurança Pública do Rio comemorou o fato da mega operação ter tirado das ruas quase 100 fuzis. O número coloca a ação como a segunda que mais retirou este tipo de armamento das ruas do Rio de Janeiro.

Em fevereiro de 2024, a Polícia Civil apreendeu 117 fuzis incompletos na casa de um amigo do policial militar Ronnie Lessa, no Méier, na Zona Norte do Rio. As armas, novas e falsificadas, estavam desmontadas dentro de uma caixa. Na época, a polícia avaliou o material em cerca de R$ 3,5 milhões.

Em fevereiro de 2023, a Polícia Federal e o Exército conseguiram apreender 68 fuzis na Baixada Fluminense. Em 2017, outra ação da PF terminou com a apreensão de 60 fuzis de fabricação norte-americana que haviam sido enviados dos Estados Unidos em uma remessa de aquecedores de piscina.

As três operações juntas retiraram 245 fuzis das ruas, mais que o dobro da operação desta terça. No entanto, nenhuma morte foi contabilizada nas ações anteriores.

Matérias Relacionadas