A arte de ler e de ensinar a ler
André Maurois, romancista e ensaísta francês, uma vez disse que A leitura de um bom livro é um diálogo incessante: o livro fala e a alma responde”. Quando pensei em falar sobre a arte de ler, me vieram à memória três coisas: este pensamento de André Maurois, um texto do psicanalista e educador Rubem Alves e um livro da antropóloga Michèle Petit, A arte de ler.
O texto de Rubem Alves fala da arte de ensinar a ler. Ele diz que “se fosse ensinar a uma criança a arte da jardinagem, não começaria com as lições das pás, enxadas e tesouras de podar.” Ele levaria a criança para passear por jardins, mostraria a flores, ela sentiria o seu perfume e então, “seduzida pela beleza dos jardins” pediria para aprender as lições das pás e das enxadas. Diz que “se fosse ensinar a uma criança a beleza da música, não começaria pelas partituras, notas, pautas. Ele iria ouvir com ela as mais belas canções e, então, “encantada com a beleza da música ela pediria que ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas.” E completa: “Se fosse ensinar a uma criança a arte da leitura, não começaria com as letras e as sílabas. Simplesmente leria as histórias mais fascinantes que a fariam entrar no mundo da fantasia. Aí, então, com inveja dos meus poderes mágicos, ela quereria que eu lhe ensinasse o segredo que transforma letras e sílabas em histórias. É muito simples.”
No livro A arte de ler, a autora comenta experiências de mediadores de leitura em contextos adversos, especialmente em países da América Latina, entre eles o Brasil. Com sólida bagagem intelectual, investiga como as várias formas narrativas - histórias em quadrinhos, poesias, romances, etc - servem como educadora da sensibilidade. Ao pensar sobre a ação da leitura em situações de guerra, violência, contextos de deslocamentos populacionais e recessões econômicas, Michèle Petit fala que, em tais situações, a leitura pode contribuir tanto na reconstrução de si mesmo quanto na promoção de uma atividade psíquica saudável. Assim, a literatura torna-se capaz de explorar melhor a experiência humana. Esta atividade tem sido desempenhada por mediadores culturais, cuja principal função é auxiliar na compreensão da leitura como instrumento de organização e transformação da própria história dos leitores.
Traz, em seu livro, o depoimento de um jovem morador de um dos bairros mais pobres de Bogotá, na Colômbia, sobre a importância da leitura para ele. Diz: “Aquele livro me deu a força necessária para enfrentar a virada decisiva de minha vida, aceitar que eu não era mais o mesmo, suportar sê-lo com meus amigos que não compartilhavam o que eu pensava e que tive que enfrentar para defender minha nova maneira de ver a vida.”. E Michèle afirma: “os livros são hospitaleiros e nos permitem suportar os exílios de que cada vida é feita [...] E algumas vezes eles nos fazem atravessar oceanos, dão-nos o desejo e a força de descobrir paisagens, rostos nunca vistos, terras onde outra coisa, outros encontros serão talvez possíveis. Abramos então as janelas, abramos os livros.
E penso. Como abrir os livros se, de acordo com levantamento divulgado pela Unesco, o Brasil possui a oitava maior população de adultos analfabetos? Que perda grande de crescimento pessoal e profissional dos que não sabem ler! Daqueles que não tiveram a oportunidade de sentir, com inveja, os poderes mágicos e o segredo que transforma letras e sílabas em histórias encantadas, reais ou fantasiosas, no sentido de transformar os terrenos áridos de nossos conflitos internos em campo de flores.
Pois é. Leitura, é isto. É janela aberta para o mundo. É visão de horizonte. É saber.
É arte: “o livro fala e a alma responde”. Parece que a pátria educadora precisa acordar.
A professora Marlene Salgado de Oliveira é mestre em Educação pela UFF, doutoranda em Educação pela UNED (Espanha) e mebro de diversas organizações nacionais e internacionais.
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