Pablo Picasso e o olhar de criança
Num dos dias desta semana, eu estava num consultório médico quando entrou uma criança alegre, saltitando como se estivesse indo para uma aula de balé. De repente, ela parou em frente à parede, e, extasiada, olhou para o quadro que a decorava e disse em alto e bom som: - Um Picasso! Eu adoro a pintura de Picasso e este é o meu quadro favorito! É lindo! Eu me surpreendi, vendo aquela coisinha pequena, solta, instigada pela beleza de uma obra de arte e reconhecendo uma pintura de Pablo Picasso. Não resisti e perguntei que idade tinha e ela, prontamente, respondeu: Oito! E continuou: Você gosta de Picasso? Eu adoro as pinturas dele, de Van Gogh e de Monet. Sabe que eu já estive no Museu deles? Mas o que eu mais gosto é de Picasso. Ele entorta as coisas e elas ficam lindas!
Fui dando corda à conversa com a menina e, a cada momento, crescia em mim a certeza de que a educação da sensibilidade e do olhar começa em casa e é completada pela escola, quando a casa e a escola estão preparadas para tal. Contando assim, parece que eu estava diante de uma criança enjoada, dessas que já se mostram adultas antes do tempo. Mas não era. Ela era apenas uma criança de oito anos, gostando das coisas referentes à sua faixa etária – brinquedos e brincadeiras – atividades normais, simplesmente acrescidas de uma cultura que aprendeu a apreciar. Depois de se deter diante da pintura, ela mexeu, com cuidado, em todos os brinquedos que o médico colocou no consultório para distrair e agradar seus clientes.
Lembrei-me, então, de um texto do psicanalista e educador Rubem Alves que fala sobre a educação do olhar. Diz ele que educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu. O educador diz: - ‘Veja’ – e ao falar, aponta. O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu. O seu mundo expande-se. Ele fica mais rico interiormente. E, ficando mais rico interiormente, ele pode sentir mais alegria e dar mais alegria – que é a razão pela qual vivemos. No livro Nietzsche, o educador, o filósofo expõe seu pensamento sobre o assunto, dizendo que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver, pois é através dos olhos que as crianças tomam conhecimento do fascínio e da beleza do mundo que as cerca.
Afinal, as crianças olham porque o que olham é curioso, instigante, divertido. Foi este olhar da menina que me chamou à atenção. Era um olhar de alegria, emoção, divertimento. E a pequena Manuela – era este o seu nome -, fazendo uma análise da obra de Picasso, ao dizer que “Ele entorta as coisas e elas ficam lindas!”, no seu jeito simples de falar, definiu o que é arte. Educada para e pelo olhar, a menina faz viver e reviver a obra de Picasso que dizia que “Um quadro só vive para quem o olha.”. Em visita a uma exposição de desenhos de crianças, o artista exclamou: “Quando eu tinha essa idade, sabia desenhar como Rafael, mas precisei de uma vida inteira para aprender a desenhar como as crianças”. E num de seus arroubos existenciais, declarou: “Cansei-me de ser moderno. Quero ser eterno”.
Parabéns, Picasso, pelo seu aniversário, no dia de hoje – 25 de outubro - e pelo objetivo alcançado – ser eterno -, não só para os adultos apreciadores de arte, mas, em especial, para as crianças a quem você se dirigiu, tão carinhosamente, ao dizer que “Toda criança é um artista. O problema é como manter-se artista depois de crescido”. Parabéns, menina Manuela, por ter quem lhe ensine a dirigir seu olhar e suas emoções para a beleza da vida.