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Prefeito deixa professores sem salários e 4 mil crianças sem merenda em S. Gonçalo

A solução para o caso segue na mãos do Ministério Público (MP)

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 01 de outubro de 2020 - 10:45
O  prefeito alegou que as creches não estão funcionando
O prefeito alegou que as creches não estão funcionando -

Renata Sena 

Terça-feira, 29 de setembro. Às nove da manhã os funcionários da Associação Assistencial Educacional Vitória Régia, Creche Vitória Régia, já estavam prontos para receber os responsáveis pelas 164 crianças, de dois a seis anos, que estudam na unidade, de 7h30 às 17h. Contudo, durante a pandemia o "estudo" está  indo até a casa das crianças através da união de pais e funcionários. Os profissionais produzem as atividades e conteúdos escolares, seguindo o planejamento anual criado em janeiro, e os pais buscam na creche e entregam os trabalhos já realizados pelos filhos. 

Associação Assistencial Educacional Vitória Régia, Creche Vitória Régia
Associação Assistencial Educacional Vitória Régia, Creche Vitória Régia |  Foto: Filipe Aguiar
 

Um trabalho de muito esforço para as professoras, que precisam pensar novas formas de atuar e despertar interesse nas crianças. O esforço até é  reconhecido pelos pais, mas não é reconhecido pelo Prefeito José Luiz Nanci, que mesmo recebendo recursos do Governo Federal, através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), deixou de repassar a verba para as 33 creches comunitárias conveniadas com a Prefeitura. 

 Os profissionais produzem as atividades e conteúdos escolares
Os profissionais produzem as atividades e conteúdos escolares |  Foto: Filipe Aguiar
 

Mais de 4 mil crianças seguem sendo atendidas de graças pelos funcionários sem salários das 33 creches de São Gonçalo. Só na Creche Vitória Régia são 164 crianças que seguem com as atividades, apesar da situação dos professores e funcionários. Em 18 anos de existência, 16 de parceria com o Município, é a primeira vez que a pedagoga Hilda Amaral, de 63 anos, fundadora e diretora da unidade comunitária passa por essa situação. 

Os profissionais produzem as atividades e conteúdos escolares
Os profissionais produzem as atividades e conteúdos escolares |  Foto: FA
 

"Sempre foi muito difícil, mas nunca tivemos períodos tão longos sem receber nenhum repasse. São seis meses sem salários para os professores, renda para comprar o mínimo para as crianças. Essa gestão da prefeitura não tem respeito por nada, nem com a educação das crianças. Eu votei no Nanci e foi minha maior decepção", contou a diretora, que está recebendo ajuda da família para pagar passagens dos funcionários e outros itens básicos. 

A creche, com sala de cineminha, refeitório, espaço kids e salas de aula, era a renda de sete professoras e outros seis funcionários, entre porteiro, cozinheira e administrativo. Atualmente, todos sem salários, com contas atrasadas e nomes no SPC. Como o caso da Janaína Cristina Alves, de 49 anos, professora da creche há dez anos. Para ela, o prefeito acha que eles morreram. 

"Estamos todos com o CPF cancelado, mas não porquê morremos, e sim porque não recebemos para pagar nossas dívidas. Mas, para o prefeito parece que a gente morreu mesmo. A única certeza que a gente tem hoje aqui é que nossa diretora é uma pessoa corretíssima com a gente. Agora a falta de respeito vem lá de cima. O que Nanci está fazendo com a gente, com a educação, não existe. A gente vem aqui duas vezes por semana. Trabalhamos de casa para produzir as atividades e seguir o cronograma do ano letivo. E o repasse? Agora ele vai e tem a cara de pau de anunciar a reeleição? Só doido vota nele. Olhem nossa realidade! Professoras, profissionais, com todas as contas atrasadas. Eu já votei nele, mas foi só decepção", desabafou a professora que morava com dois filhos e quatro netos e precisou dividir a família por falta de recurso para ajudar nas despesas. 

Trabalho e doações 

Coordenadora da Creche Vitória Régia há 15 anos, Maria das Graças Pacheco, de 69, conta que as dificuldades estão cada vez maiores. 

"Já perdemos a linha telefônica, que foi totalmente bloqueada por falta de pagamento. Estamos com quatro, quase cinco, contas de luz vencidas. A gente tá recebendo doações para conseguir o mínimo de dignidade para os funcionários continuarem atuando e para que ninguém passe fome", contou. 

Essas ajudas estão vindo de ONGs e empresários que estão doando alimentos. "É uma forma de não deixarmos que passem fome. Distribuímos cestas básicas para os alunos e funcionários. Conseguimos itens com o papel higiênico e água para que possamos ter um mínimo de dignidade aqui dentro". 

Porém, as doações estão diminuindo com o passar do tempo. O mês de setembro deixou Hilda e Maria das Graças ainda mais preocupadas. "ONGs grandes que nos ajudavam já fecharam as portas. As doações caíram muito e não sei como será nem o próximo mês. Eu só queria entender o porquê disso. Todo mundo segue trabalhando. A prefeitura recebeu o dinheiro. Porque o repasse não é feito? ", questionou a coordenadora. 

Falta de respeito X reconhecimento 

Enquanto o prefeito faz um "cofrinho" com o dinheiro das crianças, deixando todos literalmente ao 'Deus dará', e demonstrando absoluta falta de respeito a base da educação infantil, os pais, e as próprias crianças, demonstram todo reconhecimento e gratidão aos professores e funcionários da creche. 

"É uma falta de consideração, de respeito, com os professores que estão trabalhando desde sempre. Aqui ninguém parou. A gente vem pegar o conteúdo, as crianças fazem em casa e a gente traz o material pronto e pega mais material. É um trabalho de formiguinha, que mesmo sem salário eles estão fazendo, e fazendo muito bem", garantiu Priscila Lourenço, de 28 anos, mãe de dois alunos da creche, com 3 e 6 anos. 

Pais demonstram reconhecimento e gratidão aos professores e funcionários da creche
Pais demonstram reconhecimento e gratidão aos professores e funcionários da creche |  Foto: Filipe Aguiar
 

Para Wallace Azevedo, 45 anos, as professoras e funcionários da creche estão tendo um esforço que não está sendo reconhecido. "Eles não estão recebendo reconhecimento por todo o sacrifício que estão tendo. Profissionais registrados, sem ter como pagar suas próprias contas é um absurdo". 

Porém, apesar de precisarem do reconhecimento financeiro, para os funcionários o reconhecimento das crianças é um grande presente. "O que a gente faz é por amor, e receber esse carinho das crianças não tem preço. A gente faz por eles. Pelo futuro deles. Pelo futuro na nossa cidade, que será feito pelas crianças de hoje", disse a diretora Hilda, com os olhos cheios de lágrimas, ao ver uma menina correr para abraçar a professora. 

Nos minutos em que a equipe do OSG ficou na creche, diversas crianças fizeram questão de acompanhar os pais para pegar as atividades. O motivo? Saudade das professoras e das pessoas que trabalham para a creche funcionar. 

Uma criança de cinco anos já percebeu o quanto o trabalho das "tias" é fundamental. Mas o prefeito da cidade ainda não enxerga que só a educação pode mudar uma nação.

José Luiz Nanci 

Em um áudio divulgado pelo SBT o prefeito alegou que as creches não estão funcionando. 

"Veja bem. Como a gente vai pagar uma coisa que não houve um serviço. Se a gente pagar o Tribunal de Contas vai nos multar... Posso até ser cassado... Tenho orientado para que vocês entrem na Justiça. O juiz obrigando, a gente a pagar, a gente paga", justificou o Doutor. 

Contudo, Hilda garante que a Prefeitura segue cobrando que o trabalho seja comprovado. "Todos os meses precisamos enviar os relatórios com o andamento das atividades e do cronograma do ano letivo", explicou. 

Nanci também 'orienta' que as creches entrem na justiça para o repasse ser feito. 

"Entramos na justiça, como ele mesmo orientou. As 33 creches se uniram e fizemos a ação. Mas tá lá, parada. Não anda, não recebemos retorno...", finalizou Hilda.

Justiça 

A solução para o caso segue na mãos do Ministério Público (MP). É que desde do dia 11 de setembro, após decisão do juizado da 4ª Vara Cível de São Gonçalo, o processo 0020435-80.2020.8.19.0004, em que o 'Doutor Nanci' é cobrado para pagar a 'merenda' das criancinhas, está aguardando parecer da promotoria para que o juiz 'bata o martelo'. Pois é, há uma semana, através de e-mails, O SÃO GONÇALO têm solicitado uma resposta sobre o caso ao Ministério Público (MP), mas continuamos com a informação de que não há retorno sobre o caso.

Para doar brinquedos ou alimentos o contato deve ser feito por telefone
Para doar brinquedos ou alimentos o contato deve ser feito por telefone |  Foto: Filipe Aguiar
 

Ajuda

Para tentar manter tudo em pé Hilda começou a pedir por ajuda. Ela faz cadastros, pede a empresários, a ONGs. E as doações foram chegando, mas estão apresentando uma queda. Então, ela e a creche pedem sua ajuda para que as crianças tenham a comemoração de Dia das Crianças. Se você puder doar brinquedos ou alimentos pode fazer contato através dos telefones 98695-5733 ou 2713-9525.

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