Vazamento de petróleo na Baía de Guanabara completa 20 anos e pescadores ainda não receberam suas indenizações
Na época, 1,3 milhão de litros de óleo combustível vazaram no mar
Por Daniel Magalhães*
Há vinte anos, as águas da Baía de Guanabara escureceram. O mar já poluído ficou mais denso e negro. A vida marinha, que no local já era pouca, morreu aos poucos enquanto a mancha negra e pesada se espalhava pela enseada. Na madrugada do dia 18 de janeiro de 2000, um duto da Petrobrás que ligava a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) ao terminal Ilha d’Água, na Ilha do Governador, se rompeu e 1,3 milhão de litros de óleo combustível vazaram pela Baía de Guanabara, espalhados em uma mancha de 40 km². O vazamento ficou conhecido como um dos maiores desastres ambientais da história do país. Além do prejuízo ambiental, foram contabilizados problemas econômicos, sobretudo aos que dependiam da pesca no mar e nos mangues que circundam a Baía.
Dois meses após o vazamento, a Federação dos Pescadores do Rio de Janeiro (Feperj) entrou com uma ação coletiva na Justiça e cobrou danos materiais por cada um dos cerca de 12 mil pescadores afetados. O valor pedido na época era de R$ 60 mil a R$ 90 mil de indenização por pessoa.
Hoje, duas décadas após a tragédia ecológica, os pescadores e suas famílias prejudicadas pelo vazamento pouco foram ajudados. E, em meio a indenizações e inúmeras promessas de despoluição das águas da baía, pouco foi feito para reparar os danos do vazamento histórico. Em dezembro de 2019, depois de quase vinte anos do ocorrido, a Petrobrás, em acordo com a Feperj, estipulou uma indenização de R$ 7,7 mil para cada uma das 12.180 pessoas afetadas. O coletivo Pescadores por Dignidade, porém, não concorda com o acordo. Em janeiro deste ano, o coletivo participou de uma audiência pública convocada na Câmara Municipal de Niterói, pedindo um novo valor para indenização e uma revisão da lista de pescadores beneficiados. Segundo o movimento, a Petrobrás e a Feperj reduziram de 10 anos para 45 dias o valor base do pagamento das indenizações e decidiram o valor de R$ 7 mil sem levar em consideração a opinião dos pescadores. O coletivo também alega que há fraudes e pessoas que não foram afetadas pelo desastre estão incluídas na lista de indenizados, enquanto pescadores prejudicados não receberão suas indenizações.
A discordância com o acordo feito entre a Petrobrás e a Feperj não é unanimidade somente no coletivo Pescadores por Dignidade. Em São Gonçalo, a Associação de Pesca e Moradores da Ilha de Itaoca também reivindica uma revisão na lista de indenizações e cobram da estatal mais ações que reparem o dano causado pelo vazamento que completou vinte anos em janeiro. Assim como o coletivo Pescadores por Dignidade, a associação de Itaoca diz que há erros grotescos na lista de indenizações, como nomes iguais e pessoas que tinham cinco, seis anos de idade na época do vazamento. “Eu mesma dei uma olhada na lista com o nome dos pescadores que a FEPERJ diz que tem o direito de receber essa indenização e eu detectei vários erros. Pessoas que na época [do vazamento] tinham quatro, cinco anos de idade, nascidos em 1994. Pessoas que na época já tinham mais de 80 anos e que hoje não vivem mais, mas o nome está na lista. Também tem vários nomes com os mesmos documentos.”, disse a representante da Associação de Pesca e Moradores da Ilha de Itaoca, Jacqueline da Silva.
Outro motivo de descontentamento dos pescadores seria as indenizações a curto prazo que a Petrobrás concedeu aos pescadores alguns poucos meses após o vazamento do óleo que se espalhou por 23 praias da Região Metropolitana, além da área de preservação ambiental de Guapimirim. Com a proibição de atividades de pesca durante um período de 45 dias, a estatal se comprometeu, na época, a pagar um valor equivalente aos dias em que os pescadores não puderam exercer suas atividades. Além da quantia em dinheiro, a Petrobrás, por meio de cadastro, concedeu cestas básicas aos pescadores que, segundo Jacqueline, foram encontrados ‘nas beiras das praias’. Porém, o dinheiro relativo ao período que os pescadores não puderam entrar no mar não foi igual para todos, sendo o valor correspondente aos diferentes tipos de serviço feitos por cada um dos pescadores e uma estimativa do quanto eles conseguiam com a pesca. Na época, a quantia variava entre R$ 150 e R$ 500 e, segundo a última triagem da estatal feita no período de 45 dias de proibição das atividades, 5.217 pescadores do total de 12 mil prejudicados pelo óleo receberam as ajudas de custo.
A própria Jacqueline é uma das pessoas que acham que o valor pago não foi correspondente ao prejuízo que sofreu com o vazamento. A pescadora disse que na época, devido ao preconceito, não pôde emitir sua Licença de Pesca, o que a fez ser classificada como descarnadeira, o que diminuiu o valor de sua indenização, mesmo exercendo a pesca durante anos. “Me classificaram como descarnadeira, sendo que eu tinha barco, pescava com rede. Eu criei seis filhos através da pesca. Na época, eu recebi R$ 150 e depois R$ 75 que foi o que eles acharam o que a gente ganhava na época. Eu acho que esse dinheiro que eles deram na época não paga o prejuízo que a gente tomou até os dias de hoje.”, disse.
Outra questão envolvendo as indenizações e o baixo valor que não é aceito pela imensa maioria dos coletivos é que há relatos de pescadores que receberam indenização com valores 20 vezes mais alto que o valor atual que a Feperj e a Petrobrás decidiram em conjunto. “Na época, alguns pescadores aqui da comunidade entraram na justiça particular, arrumaram um advogada particular e deixaram de fora a federação. Eles ganharam a causa e cada pescador ganhou em torno de R$ 171 mil e R$ 178 mil. Porque hoje, depois de 20 anos, a federação faz esse acordo de R$ 7 mil? Se a Petrobrás aceitou pagar esse valor de R$ 170 mil, porque agora os outros pescadores têm que receber só esses R$ 7 mil? E os pescadores que receberam mais de R$ 170 mil ainda estão na listagem [de indenizações] para ganhar os R$ 7 mil”, ressaltou Jacqueline.
Além do prejuízo financeiro, há o prejuízo ambiental, que é de longe o maior deles. Embora na época, especialistas da estatal tenham dito que os danos causados pelo vazamento desapareceriam em 10 anos, segundo a representante da associação de Itaoca alegou que eles informaram, o prejuízo ainda é visto hoje, não na mesma escala, mas tão visível quanto logo após o incidente de janeiro de 2000. Segundo especialistas, o maior problema na Baía de Guanabara atualmente é o despejo diário de esgoto, mas ainda é possível encontrar vestígios do óleo que vazou há 20 anos, além da poluição por petróleo e outros derivados que são despejados quase que diariamente. “O maior problema atual da baía de Guanabara é a quantidade de esgotos sem tratamento que chega lá, mas é um ambiente de múltiplos estresses com inúmeras fontes de poluentes, entre elas, sem dúvida, a poluição por petróleo e derivados, que vai desde acidentes com esses produtos a pequenas introduções diárias pelos próprios barcos que trafegam pela baía.”, afirma a oceanógrafa, Claudia Hamacher.
Os pescadores que dependem da baía para conseguirem o sustento reclamam que, desde o vazamento, nada foi como antes. Apesar de ainda ser possível viver da pesca, a abundância foi substituída pela escassez e longas horas de serviço para conseguir menos da metade do que se conseguia pescar antes do óleo.
“Ainda dá para viver da pesca, mas não é a mesma coisa de antes. Acabaram com nosso mangue, acabaram com nossos pescados, mariscos, as ostras, que volta e meia a gente pegava ostra nas pedras”, disse a representante. “Na época, a gente tinha vários tipos de pescaria. Tínhamos mariscos na beira da praia, era só chegar e a gente conseguia tanto pra vender como para consumir. Esse marisco não existe mais. Na ilha inteira tinha uma quantidade de siri muito grande e agora, pra pescar o siri, a gente tem que ir mais longe e pegar menos quantidade. Na época, eu conseguia pegar cinco a dez caixas de siri e hoje em dia, se pegar duas é muito. Antes do óleo, a gente derramava uma rede aqui na praia e ia pra casa com três, quatro quilos de camarão. Tudo de pescaria diminuiu”, completou.
Questionada sobre as medidas ambientais que tomou após o vazamento de óleo em janeiro de 2000, a Petrobrás respondeu que “O acidente foi um divisor de águas para a Petrobras que reformulou todo o seu sistema de prevenção e resposta à emergência. No mesmo ano do acidente, a Petrobras implementou o Programa de Excelência em Gestão Ambiental e Segurança Operacional (Pégaso). O trabalho envolveu revisão dos dutos, modernização de controles operacionais de rotina e instrumentos, treinamento de profissionais e adoção de novas estratégias para a contingência, em caso de acidentes. Também foram aprimorados os sistemas de redução de resíduos e emissões em todas as unidades. Neste contexto, foram implantados Centros de Defesa Ambiental (CDAs) em todas as regiões onde possui atividades operacionais. Os CDAs são instalações posicionadas de modo a complementar os recursos de resposta a emergências de vazamento de óleo das unidades operacionais da companhia. Estas estruturas recentemente foram acionadas para apoio ao trabalho de limpeza das praias no Nordeste e Sudeste em função do vazamento de origem desconhecida que atingiu o litoral brasileiro em 2019.”
A Petrobrás ainda informou que “Estudos com a participação de instituições governamentais, científicas e acadêmicas nacionais e internacionais indicaram que 30 dias após o acidente já não havia efeitos do vazamento de petróleo.” A estatal informou que a resposta ao acidente foi rápida e logo tomou as providências necessárias. “A primeira providência tomada pela companhia foi a contenção e recolhimento do óleo vazado para evitar a dispersão pela baía. Nesse trabalho, complementando os recursos do Plano de Emergência da Baía de Guanabara, coordenado pela Defesa Civil, a companhia mobilizou cerca de 2,4 mil pessoas e 96 embarcações. As ações contaram com apoio de consultores nacionais e internacionais contratados pela Petrobras, entre eles, biólogos e ambientalistas. Além disso, a companhia adotou medidas de compensação, entre elas ações de revitalização do entorno do Canal do Fundão, que envolveram a dragagem do canal, a revegetação de manguezais, reurbanização e a construção da Ponte do Saber, que liga o campus da UFRJ à Linha Vermelha.”, completou.
Sobre as indenizações aos pescadores, a estatal respondeu que “o Poder Judiciário homologou, em 3/12/19, o acordo celebrado entre a Petrobras e a Federação dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro (FEPERJ) para pôr fim à ação judicial decorrente do vazamento de óleo ocorrido em 18/01/2000 na Baía de Guanabara. O acordo beneficia aproximadamente 12 mil pescadores indicados em lista definida pelo Poder Judiciário. Vale ressaltar que o valor individual das indenizações também foi definido pelo Poder Judiciário. A previsão é iniciar os pagamentos diretamente aos pescadores em até 60 dias após cessadas as restrições de aglomeração de pessoas decorrentes do coronavírus.”
A reportagem tentou entrar em contato com a Federação de Pescadores do Estado do Rio de Janeiro (FEPERJ), mas não obteve resposta.
*Estagiário sob supervisão de Thiago Soares