Um dia após temporal, caos, destruição e tristeza
Socorro aos animais também foi prioridade

Por Alan Emiliano e Kiko Charret
“Não tenho nenhuma vontade de sair daqui. Aqui posso brincar, rir, tenho muitos amigos. Por que eu gostaria de sair?!”. Essa foi a indagação de uma criança, de cinco anos, ao ser questionada se estava feliz por estar sendo resgatada de casa, por voluntários, que, ontem, ajudavam a socorrer moradores do Complexo do Salgueiro, um dos bairros de São Gonçalo mais afetados pelas chuvas que vêm atingido o Estado nos últimos três dias. Durante o dia, diversas pessoas que sofreram com ruas alagadas tiveram que ser socorridas com a ajuda de moradores da região, que utilizaram carros, caminhões, caiaques, botes e até barcos no resgate dos desalojados.
O casal Erick da Silva, 27 anos, e Renata Alves, 32, contou que se mudou para o Salgueiro há cerca de um ano e meio, vindo de Salvador, na Bahia, e revelou que nunca havia passado por nada parecido em nenhum momento de suas vidas. Pai de uma filha e ansioso para o nascimento da próxima herdeira, previsto para o próximo mês, Erick afirmou que passou por momentos de muito nervosismo, principalmente na última segunda-feira (8).
“Eu olhava para a minha esposa e minha filha e não sabia o que fazer. Foi a situação mais difícil da minha vida e não aconselho isso aqui para ninguém, do fundo do meu coração. Temos outra filha vindo agora no mês que vem e eu pensei muito nela, não podia deixar elas sofrerem. Perdi tudo, mas as nossas vidas conseguimos salvar, muito por conta dos moradores, que nos auxiliaram bastante”, afirmou o morador da comunidade das Palmeiras.
Uma das principais críticas dos moradores em relação aos acontecimentos era a ausência de representantes da Prefeitura, diante da gravidade da situação. “Parece que São Gonçalo não tem prefeito, não tem infraestrutura. A população não tem nada. Somos um povo abandonado, ninguém faz nada pela gente! Sempre que chove, as coisas acontecem aqui e o nosso governante não faz nada, é inacreditável. Queremos ajuda!”, afirmou o frangueiro Fábio Santos, de 35 anos, que teve que sair de casa com suas três filhas e perdeu móveis, além de grande parte de alimentos armazenados na residência.
Um dos líderes comunitários do bairro, Fábio Xavier, relatou o descaso da Prefeitura de São Gonçalo com os moradores das comunidades das Palmeiras e Marinha, locais mais prejudicados da localidade. “Todo ano nesse período de chuvas essa cena se repete. Ficamos ilhados e perdemos tudo dentro de nossas casas, sem ter como andar ou trafegar pelas ruas onde moramos. Isso é um absurdo”, finalizou Fábio.
Socorro a animais também é prioridade
Durante o resgate das vítimas no Complexo do Salgueiro, uma cena chamou bastante a atenção de todos que participavam no auxílio dos desalojados: um senhor usou uma espécie de “balde” para socorrer uma cadela e seus filhotes de uma área que estava completamente ilhada no bairro.
“É uma dor muito grande passar por tudo isso e ninguém que tem o poder se prontificar para ajudar a população do bairro, que tanto sofre com outros problemas que sabemos. Nós, os moradores fazem o papel da Prefeitura e eles não fazem questão de nada”, afirmou João Saldanha, de 58 anos, apontado como um ‘herói dos animais’ em meio as áreas alagadas.
Além disso, um morador do Jardim Catarina conseguiu sair dos ‘escombros’ causados pelo temporal e foi até a comunidade das Palmeiras, no Salgueiro, para salvar o cachorro de um familiar, que não estava conseguindo sair da sua residência.
“Salvar a vida dele foi um alívio para mim”, afirmou o auxiliar de serviços gerais Rodrigo Ferreira, de 39 anos.
Desmoronamentos em Niterói
Poucas horas depois de um deslizamento ter provocado o desabamento de três imóveis no Morro do Cavalão, em Icaraí, Niterói, um novo desmoronamento de terra atingiu a região, no fim da noite de terça-feira (9). Foram os moradores de uma vila, na Rua Joaquim Távora, que ouviram o forte barulho e acionaram a Defesa Civil.
Parte da encosta cedeu por volta das 23h, afetando a Travessa Maria Custódia até a Joaquim Távora. Segundo os populares, parte da parede de um prédio comercial cedeu, além do muro de uma das casas da vila ter caído.
“Foi um barulho muito alto. A terra deslizou e derrubou a parede de um edifício. A vizinhança começou a gritar e se desesperar, mandando todo mundo sair das suas casas. Foi realmente muito assustador”, disse uma moradora da vila atingida, Cátia Souza, de 60 anos.
Apesar do incidente, ninguém ficou ferido. Já no Morro do Cavalão, um deslizamento que aconteceu no período da manhã, provocou o desabamento de três imóveis e uma pessoa ficou ferida. Ela foi levada pela equipe do Corpo de Bombeiros para o Hospital Estadual Azevedo Lima, no Fonseca. Outros cinco imóveis foram interditados preventivamente no Morro do Cavalão. A Secretaria de Assistência Social ofereceu acolhimento nos abrigos do município para as famílias que solicitaram o serviço.
“Eu escutei um estouro muito alto e saí correndo para ver o que era. Quando olhei para cima, tudo tinha desmoronado. Ainda pensei em subir para ajudar, mas vi que um sobrinho meu estava preso nas ferragens, se eu tirasse algo do lugar, ia acabar prejudicando a ele”, disse o morador de uma das casas interditadas, que preferiu não se identificar.
A Prefeitura de Niterói organizou uma força-tarefa que está atuando na cidade desde o fim da tarde de segunda-feira (8), por conta das fortes chuvas. A operação conta com aproximadamente 1.200 funcionários, incluindo equipes da Defesa Civil, Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (Seconser), Companhia de Limpeza (Clin), Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos (SASDH) e Nittrans, que estão atuando em diferentes pontos.
Muito emocionado com a situação, o presidente da associação de moradores do Cavalão não conseguiu falar com a imprensa. Ele passou mal e precisou ser levado ao posto médico de saúde que fica na localidade.
“Pedimos doações e as pessoas da própria comunidade estão ajudando e mandando os itens necessários, juntamente com órgãos competentes. A Secretaria de Assistência Social também está conosco desde ontem nos auxiliando”, disse o vice-presidente da associação, Rodrigo Figueiredo.
A Defesa Civil pede que a população acompanhe os canais de comunicação da Prefeitura de Niterói. Em caso de emergência, o cidadão deve ligar 199 ou 2620-0199.
Edição: Sérgio Soares e Cyntia Fonseca