Estado fecha clínicas de recuperação e dependentes químicos pedem socorro
Usuários de drogas querem ajuda para deixar vício
Por Marcela Freitas
“Ascensão e queda são dois lados da mesma moeda”. No fundo do poço, como se define, um dependente químico em recaída e funcionário público de 45 anos, presidente de uma associação de defesa de dependentes químicos em recuperação, precisa de ajuda para deixar o vício em cocaína pela segunda vez.
Mas onde buscar ajuda? Segundo ele, no momento não há “luz no fim deste túnel” para quem não tem recursos financeiros, já que todas as três clínicas públicas de recuperação para dependentes químicos no estado (Nise da Silveira, em Barra Mansa; Michele da Silveira de Morais, em Santa Cruz e Ricardo Iberê Gilson, em Valença) foram fechadas pelo ex-governador Sérgio Cabral. Doente, ele garante que sozinho não consegue, assim como muitos outros dependentes químicos, que passam pela mesma situação.
O funcionário público, que conheceu as drogas ainda na adolescência, passou por oito internações e conseguiu ficar mais de 10 anos longe do vício, chegando a se tornar conselheiro estadual para Políticas Sobre Drogas. Ele permaneceu no cargo até 2012 e lutou para que as clínicas fossem mantidas, pois sabia a sua real importância, mas uma a uma foram sendo abandonadas.
“A única possibilidade de um tratamento concreto é realizado nessas clínicas. O dependente químico é doente e como tal necessita de tratamento adequado. Essas clínicas foram abandonadas de uma forma abrupta sem que fosse entendido o seu papel fundamental para o dependente químico, que necessita de um tratamento especializado, que inclui um período de reclusão para desintoxicação”, explicou.
Ainda segundo ele, o tratamento em clínicas particulares é caro. Em média, uma diária custa cerca de R$ 500. “Eu não tenho como pagar esse valor, que é muito alto. Busquei até algumas clínicas e, por ter muitos conhecidos, consegui uma internação mensal por R$ 5 mil. Muitos outros dependentes químicos precisam de ajuda e não dispõem de nenhum valor. Hoje, muitas igrejas oferecem ajuda, mas não é um tratamento especializado. Resume-se em reclusão, capinas e orações. Somos doentes, e precisamos de atendimento de multiprofissionais”, argumentou.
Ele ainda revela que dispõe, atualmente, apenas de apoio do Centro de Atenção Psicossocial (CAPs), em Niterói. “Sou atendido apenas por uma psicóloga. As pessoas ficam no CAPs jogando dominó para passar o tempo, o que é encarado como atividade terapêutica. Para mim, isso não funciona. Estou recaído e preciso de internação. O atendimento social não nos encaminha às clinicas porque não tem. Isso é absurdo. Eu não quero mais a droga, mas sou levado a ela”, desabafou.
O homem afirma também que a sua luta pelo retorno das clínicas públicas é para que outras pessoas pobres possam ser ajudadas. Ele frequenta, atualmente, também o Narcóticos Anônimos e luta por todos os doentes que buscam recuperação.
“Não acredito que verei essas clínicas reabertas para me ajudar, mas a luta é por todos. Quando as clínicas fecharam, havia lista de espera para mais de mil pessoas. Não é possível estimar o número de dependentes químicos, mas sabemos que são muitos”, afirmou.
Estado não explica fechamentos e nem sinaliza sobre reaberturas
Questionada, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) não deu detalhes sobre os fechamentos das clínicas e nem sobre projetos de reabertura. O órgão se limitou a dizer que o acolhimento aos usuários de drogas é uma atribuição municipal. “A rede estadual oferece hoje este tipo de atendimento através de dois polos: CAPs AD Centro-Rio - com atendimento individual, atendimento de grupo (psicoterápico, grupo operativo, atividades de suporte social), oficinas terapêuticas”, disse em nota.
A SES explicou ainda que a “Subsecretaria Estadual de Prevenção à Dependência Química conta com ações de prevenção e acolhimento a usuários de álcool e outras drogas, como capacitação de professores do segundo segmento do ensino fundamental de escolas públicas, visando desenvolver ações efetivas de prevenção ao uso de drogas e a todo tipo de violência; além de ações de prevenção com adolescentes em regime de semiliberdade nos Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente (Criaad) do Degase. Além disso, a Subsecretaria também oferece vagas em comunidades terapêuticas,que são contratadas pelo Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas”, completou.
Instituição de São Gonçalo: referência no tratamento
A Comunidade S8, em São Gonçalo, deu o pontapé ao tratamento de dependentes químicos no estado. Reconhecida como utilidades públicas federal, estadual e municipal, a instituição é presidida por Geremias de Mattos Fontes, ex-governador do Estado, por 38 anos, até o dia de seu falecimento, em março de 2010. A presidência então passou para sua esposa Nilda Filgueiras Fontes e as filhas.
Suas atividades foram iniciadas, na residência do presidente, com reuniões de jovens que buscavam orientações e tratamento em relação ao uso de drogas. Em dois anos, já participavam cerca de 130 juntamente com seus familiares.
Em 1972, com a doação de uma chácara em Marambaia, os jovens foram acolhidos e tratados em “residências terapêuticas”, denominadas “Casas S8”, que significa mudança de vida.
As clínicas - Em 1999, foi firmado o convênio com o Governo do Estado.
No dia 21 de novembro de 2000, o então governador Antony Garotinho inaugurou, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, a primeira clínica pública gratuita do Brasil especializada no tratamento de dependentes químicos (drogas e álcool). A primeira clínica ganhou o nome Michele de Moraes, numa homenagem a uma jovem niteroiense assassinada por uma usuária de drogas.
Logo depois, foi inaugurada a Clínica Ricardo Iberê Gilson, em Valença, que tinha capacidade para 90 internações. Já no governo Rosinha Garotinho, foi entregue a Clínica Nise da Silveira, em Barra Mansa.
'Não quero mais a droga, quero ajuda'
O funcionário público conheceu as drogas aos 13 anos, após passar por conflitos familiares. Ele encontrava na substância uma forma de fugir dos problemas. Ele começou cheirando substâncias tóxicas como éter e cola; e, aos 15 já fazia uso de maconha. Logo depois, conheceu a cocaína, que só parou de usar em 2001, após oito internações.
Neste período longe das drogas, ele estudou, passou em um concurso público e casou pela segunda vez. Da relação nasceram dois de seus três filhos. Mas, em 2012, ele recaiu e perdeu aos poucos a batalha para a cocaína.
Ao ter conhecimento de seu retorno ao vício, a esposa resolveu deixá-lo e isso, segundo ele, o deixou ainda mais depressivo e o fez consumir drogas diariamente. Atualmente ele, está afastado de suas funções no trabalho.
“Estou recaído e tenho consciência da necessidade de ajuda. Mas só vou desistir quando morrer. Prometi a meu filho mais velho que me livraria disso e vou lutar. Eu não quero mais a droga eu quero ajuda”, suplicou.