Outubro Rosa: Elas passaram pelo câncer e transformaram dor em esperança
Conheça a história de três mulheres que já foram diagnosticadas com câncer de mama e hoje apoiam novas pacientes oncológicas
O câncer de mama é o tipo de câncer que mais atinge mulheres pelo mundo, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). No Brasil, ele é o tipo de câncer que mais mata a população feminina e, só neste ano, são estimados cerca de 74 mil novos casos da doença. Mas nem todo diagnóstico de câncer significa um ponto final. A maioria deles são vírgulas nas histórias de mulheres, essas que conseguem se curar e seguir a vida normalmente.
Nanci, Valesca e Rosana são exemplos de brasileiras que foram detectadas com a doença, enfrentaram o câncer de mama, foram curadas e hoje inspiram outras mulheres que ainda passam pelo processo de tratamento. Apesar de cada uma contar com a própria história e a própria realidade, todas têm um ponto em comum: encontraram força nos grupos de apoio às mulheres com câncer.
Grupos como a Associação dos Amigos da Mama, a Adama, em Niterói, ou o Unidos Pela Vida, em São Gonçalo, podem ser fundamentais durante o tratamento, pois é através das conexões feitas nos encontros, que muitas mulheres tiram suas forças para lutar contra a doença. Segundo a mastologista Dra. Thereza Christina Cypreste, fundadora da Adama, grupos de apoio existem e são importantes ‘desde que o mundo é mundo’, e em casos de câncer de mama, não é diferente.
“Os iguais se entendem. Se você tem uma mulher que tem uma doença, um câncer de mama, e você fala pra ela que vai ficar tudo bem, ela até aceita, mas se você pegar uma outra mulher que já está em tratamento, já está em controle há mais de cinco anos, há mais de dois anos, e falar pra essa mesma mulher que está tudo bem, a palavra tem mais poder. Então os iguais eles se aproximam porque eles se entendem. Se falar que está doendo, a outra vai entender e vai falar ‘Ah eu também tive dor e agora eu estou bem. Fica tranquila que isso aí vai passar em você também.’ Então é dessa forma que funciona o grupo de apoio.”, contou a médica, que também é membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia.
Apesar de ser um suporte emocional essencial para muitas mulheres de Niterói e região que participam do projeto, a Adama surgiu em 1996, a partir da necessidade de levar informação médica às mulheres. Com o passar dos anos, entretanto, a associação se tornou muito mais do que isso, e hoje, conta com uma mastologista, 3 psicólogas, uma fisioterapeuta, um advogado, quatro administrativos, uma ginecologista, um cabeleireiro, e muitos ex-pacientes, familiares e simpatizantes da causa.
“A verdade é que a Adama surgiu de uma necessidade da paciente de tirar dúvidas, que às vezes o médico não tinha tempo no ambulatório, e o serviço social da policlínica que eu trabalhava na época, pediu para que eu tirasse dúvidas das mulheres após a consulta com o médico, porque eu também fazia parte desse corpo clínico. E daí surgiu essa reunião. Ela acontecia uma vez por mês. Depois teve uma necessidade de quinze em quinze dias, e hoje, a gente faz uma reunião semanalmente toda quarta-feira, das 7h às 12h.”, contou Dra. Thereza.
E é em uma sala provisória na rua Visconde do Uruguai, número 531, emprestada pela Policlínica Malu Sampaio, no Centro de Niterói, que o grupo se reúne. Cerca de 20 a 25 mulheres se juntam toda quarta-feira, não necessariamente as mesmas todas as semanas, para trocar vivências, desabafos, afetos, e usufruir dos serviços oferecidos pela associação.
A aposentada Nanci Soares, de 72 anos, é uma das frequentadoras da Adama. Ela conta que descobriu o câncer de mama durante a sua aposentadoria, uma época em que ela considera que “relaxou” na rotina de exames. Ao se consultar novamente com uma ginecologista, foi quando ela descobriu um nódulo, que foi diagnosticado como um carcinoma.
Nanci procurou um mastologista e logo foi indicada a realizar uma operação. Em fevereiro de 2011, ela retirou o nódulo e, em seguida, iniciou as sessões de quimioterapia e radioterapia. O tratamento durou cerca de um ano.
“Por falta de informação ou não aceitação na época, eu passei pela doença e pelo tratamento sem sofrer muito. Mas tinha horas de tristeza e horas mais felizes, porém sempre achando que isso ia passar. Só que quem sofreu muito na época foram meus filhos, por terem conhecimento. Como eu não tinha, passei por ela de outra forma”.
Segundo Nanci, ela conheceu a Associação dos Amigos da Mama quando foi a uma palestra a convite de seu filho. No local, ela teve o primeiro contato com a psicóloga Paula Ângelo, que faz parte da Adama há mais de 20 anos e a convidou para conhecer a ONG.
Foi a partir dali, que a aposentada passou a ter, de fato, conhecimento do que é um câncer. Para ela, todas as suas quartas, dias em que há o encontro da Adama, passaram a ser diferentes. “Eu amo estar lá, temos muita estima pela vida, temos amor e temos fé”.
“Aprendi a dar mais valor a tudo, à vida principalmente. Hoje eu diria que eu tive duas vidas, uma antes do câncer, que eu só trabalhava, e outra após o câncer, que realmente é viver, viajar, me divertir, sair. Hoje eu tenho uma outra concepção de vida. Existe vida sim após um diagnóstico. Eu vivo ela”, contou Nanci.
Informação é a chave
Para conscientizar a população sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce foi criado o Outubro Rosa, movimento internacional que tem como símbolo um laço cor-de-rosa. Este ano, o objetivo da campanha nacional é fortalecer as recomendações do Ministério da Saúde relacionadas à prevenção, diagnóstico precoce e rastreamento do câncer de mama.
De acordo com a mastologista da Adama, Dra. Thereza Cypreste, o principal motivo pelo qual o diagnóstico precoce é tão importante para o tratamento do câncer de mama é o seu poder de redução da mortalidade. Segundo a médica, 95% das mulheres que descobrem a doença ainda no início, vão estar vivas em cinco anos. E isso acontece pela possibilidade de agir antes mesmo da formação de um tumor.
“Quando a gente pensa em um tratamento de câncer de mama, a gente pensa: ‘O que eu vou oferecer de melhor para aquela mulher estar viva dali a cinco ou dez anos?’ E o diagnóstico precoce está dentro disso. Então ele aumenta significativamente a chance da mulher alcançar a cura. E a mamografia tem um papel fundamental nisso. A mamografia é responsável, minimamente, por diminuição em 30% das mortes por câncer de mama, porque ela faz o diagnóstico precoce verdadeiro. Ela consegue ver um câncer de mama quando ainda nem formou uma tumoração, um nódulo.”, contou Cypreste.
Já Cristiane Coutinho, mastologista da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand, do Complexo Hospitalar da UFC/Ebserh, explicou que diversos fatores podem favorecer o surgimento da doença. “Eles podem ser modificáveis, como: obesidade, sedentarismo, consumo de bebida alcóolica, não ter filhos, uso de contraceptivos hormonais, reposição hormonal por mais de cinco anos; ou não modificáveis, como a menarca antes dos dez anos ou a menopausa após os 55, e o histórico familiar de câncer de mama ou de ovário”, aponta.
A médica acrescenta que os sinais mais comuns são nódulo palpável na mama (por isso a importância do autoexame), alteração na pele (na textura ou vermelhidão), afundamento ou saída de sangue pelo mamilo e ainda pequenos nódulos no pescoço ou na região das axilas. Ajudam na prevenção a adoção de hábitos saudáveis e um acompanhamento médico regular.
O diagnóstico precoce, capaz de aumentar as chances de cura e as possibilidades de tratamento, também depende de cada mulher. Realizar os exames indicados pelo ginecologista e a mamografia anual a partir dos 40 anos de idade também são formas de garantir um diagnóstico antecipado. O tratamento depende do estágio da doença, mas costuma ser feito com quimioterapia, radioterapia, cirurgia para retirada do tumor ou mastectomia e medicamentos orais.
Em Niterói, a gestão municipal aposta em programas para diagnóstico e tratamento precoce do câncer como peça-chave na luta pela saúde das mulheres niteroienses. Lançado em outubro de 2021, o Programa Niterói Mulher tem o objetivo de diagnosticar precocemente os casos de câncer e, através das Navegadoras da Saúde, uma parceria com a Fundação do Câncer, agilizar todo o percurso na rede de saúde para que se inicie o tratamento em menos de 60 dias. O objetivo é diminuir os riscos de complicações e mortalidade.
O município realiza as cirurgias de câncer de mama e colo de útero no Hospital Municipal Oceânico Gilson Cantarino. Desde a primeira cirurgia – que aconteceu no Dia da Mulher, em 8 de março – até setembro, foram realizados mais de 300 procedimentos cirúrgicos. A Secretaria Municipal de Saúde também encaminha pacientes para tratamento de radioterapia ou quimioterapia. A Secretaria Municipal de Saúde também encaminha pacientes para tratamento com radioterapia ou quimioterapia.
Já na cidade vizinha, São Gonçalo, os exames de prevenção ao câncer de mama e ao câncer do colo do útero estão sendo realizados durante todo o ano em diferentes unidades de saúde do município. As cirurgias passaram a ser oferecidas, desde dezembro do ano passado, no Hospital do Câncer e do Coração (HCCOR), em Lagoinha. O tratamento é realizado em uma unidade particular conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) no Zé Garoto.
O Espaço Rosa, no Zé Garoto, abriu agenda aos sábados para a realização de exames, acelerando a fila da Central de Regulação da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil de São Gonçalo (Semsa). Os próximos mutirões de exames de ultrassonografia mamária acontecem nos dias 28 de outubro e 11 de novembro para pacientes que aguardam na fila da Central de Regulação da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil de São Gonçalo. Nestes sábados, também serão oferecidas mamografias e preventivos.
Novos recomeços
Integrante do Grupo de Apoio ao Paciente Oncológico Unidas Pela Vida, espaço que tem sede em São Gonçalo, a consultora de beleza Rosana Ribeiro, de 44 anos, foi diagnosticada com câncer de mama em dezembro de 2019, aos 40 anos. Ela passou por todo o processo de cura, com quimioterapia, radioterapia e cirurgia. Ao terminar os três passos, ela continuou o tratamento com a medicação para inibir a volta do câncer na mama. Mas, em março deste ano, descobriu uma metástase óssea, e precisou voltar ao “início”.
Ela realizou uma nova cirurgia para retirar o câncer reincidente. O tumor que estava na mama foi curado no mesmo dia da cirurgia, que foi também um dos dias mais difíceis da sua vida: ela perdeu o esposo, aos 39 anos. Hoje, a paciente oncológica reuniu forças de dentro de si para continuar seu processo de terapia, realizando a quimioterapia a cada 21 dias.
“Minha vida mudou muito depois que eu entrei para o Unidos Pela Vida, porque aqui uma dá apoio a outra, ninguém larga a mão de ninguém e quando uma sente dor todas sentem. Juntas somos mais fortes, juntas nós podemos chegar mais longe. Aqui somos uma pela outra”, revela a moradora de São Gonçalo que também atua para melhorar a autoestima de outras mulheres.
Segundo Rosana, ela luta pela causa, porque quanto mais cedo a pessoa for diagnosticada mais chance de cura ela tem. Um dos motivadores também é o fato de que ela deseja que mais mulheres tenham mais acesso às informações, o que pode fazer com que todas cheguem a um denominador comum que é a cura.
“O que eu diria para mulheres que receberam diagnóstico é que o câncer tem cura, que o câncer não é um final e sim um recomeço de uma nova história de vida”, assegura Rosana.
“Além de esperança, uma nova família”
O diagnóstico da manicure Valesca Silva, de 47 anos, veio, de surpresa, aos 43, durante um exame de rotina. Após realizar o exame de mamografia, que por histórico familiar, Valesca sempre fez regularmente, e nunca havia apresentado nenhuma alteração, - mesmo quando ela já estava com a doença - a médica notou que os seios da manicure se retraíram. Em um primeiro momento, como o resultado da mamografia aparentava estar normal, Valesca acreditou que aquele fosse apenas mais um exame de rotina, até que a médica lhe deu a notícia: câncer.
“Só descobri por causa dessa retração, porque nos exames não deu nada. Eu fazia todos os anos, porque minha mãe já teve câncer de mama duas vezes, então pelo histórico familiar eu sempre fiz, e nunca deu nada. Mas quando descobri, a médica falou que eu já devia estar com a doença há uns 2 anos. Foi nesse momento que meu chão se abriu e a única coisa que vinha na cabeça era metástase, mas Graças a Deus não tinha nada.”
Para ela, assim como acontece com a maioria das pessoas que recebem um diagnóstico de câncer, seu primeiro pensamento foi o medo de morrer, acompanhado da incerteza de como sua vida seria daquele dia em diante. Mas com o início do tratamento, que durou cerca de um ano, o medo passou a dar lugar para a fé e a esperança de voltar a viver tranquila.
Apesar da doença ter transformado a vida de Valesca, ela pode dizer com toda a certeza que não enfrentou essa luta sozinha. Além do apoio de toda a família, uma pessoa foi essencial durante seu tratamento: seu esposo. Diferente de 70% das mulheres que recebem o diagnóstico de câncer, que, segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia, são abandonadas pelos parceiros após o diagnóstico, o marido de Valesca, Anderson, de 46 anos, foi seu alicerce e esteve com ela durante todas as etapas, até mesmo depois da cura.
“Enfrentar todo esse processo foi bem difícil, mas ainda bem que eu tive todo o apoio do meu esposo, que sempre esteve comigo em todos os momentos e continua me apoiando até hoje. Ele ainda faz questão de me acompanhar sempre que tenho exames ou consultas”, disse.
No entanto, ainda que recebesse o apoio e o afeto incondicional de seus familiares, encontrar pessoas que tivessem passado pelo mesmo, foi muito importante para que ela se sentisse acolhida desde o primeiro dia de diagnóstico. Assim como Nanci, Valesca também passou a frequentar uma ONG que, além de esperança, lhe trouxe uma nova família.
“Conheci o grupo Unidas Pela Vida, no dia da minha primeira consulta com o oncologista, no momento de desespero que eu estava enfrentando. Participar do Unidas Pela Vida, foi a melhor coisa, por que no grupo elas doam tudo o que uma paciente oncológica precisa: turbante, lenço, peruca, prótese de alpiste, sutiã pós cirúrgico, sutiã do recomeço e muitas outras coisas.”
“Mas acima de tudo elas doam amor, por que mesmo tendo todo apoio da família e do meu esposo, conhecer essas pessoas e saber que elas torceram por mim, me ajudou muito a enfrentar de cabeça erguida e não desistir. Mesmo depois de ter passado por tudo, decidi continuar engajada nessa causa, por amor ao próximo. Ninguém precisa passar por essa luta sozinha, e eu quero poder dar todo apoio que eu puder a quem está passando pelo processo.”, declarou a manicure, que descobriu um novo propósito de vida.
Anos depois de tocar o sino da esperança, que simboliza o fim do tratamento, Valesca continua frequentando as atividades do grupo, e usa da própria história para dar força a outras mulheres. “Tenham fé, não é fácil, mas se eu consegui, vocês também conseguem”, incentivou.