'Geração Nem Nem': entenda as causas e o porquê é uma ameaça à economia a longo prazo
Mais de 20 milhões de brasileiros já fazem parte dessa realidade: nem estudam nem trabalham

Um em cada cinco brasileiros entre 18 e 24 anos não trabalha nem estuda. Conhecida como a geração 'Nem Nem', o conceito trata de um grupo volumoso de jovens brasileiros dessa faixa etária, que não dá continuidade aos estudos e, ao mesmo tempo, está fora do mercado de trabalho. Mais de 20 milhões de brasileiros fazem parte dessa geração e, segundo especialistas, essa realidade poderá trazer graves consequências para a economia do país.
De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o segundo país com a maior proporção de jovens que desistiram de procurar trabalho, porque não têm quase nenhuma qualificação, e tampouco querem voltar a estudar, porque não se sentem atraídos pela escola. Segundo pesquisas, os jovens dessa geração demonstram falta de garra, de ambição e motivação para lutar pelo futuro.
Entre os fatores principais estão a discrepância econômico-social, dificuldade de adaptação às mudanças rápidas da sociedade, menos qualificação em concorrência à maior exigência do mercado, salários pouco atrativos, entre outros. Somado a isso estão alguns desafios - que não são propriamente uma novidade, mas seguem afetando principalmente às camadas mais pobres - como a gravidez precoce, no caso das mulheres. Muitas jovens engravidam e abandonam os estudos, o que consequentemente dificultando o ingresso no mercado de trabalho formal.
Alvo de críticas, há também quem aponte como uma das causas o atual modelo educacional, que carece de políticas que incentivem os alunos a criarem projetos profissionais para vida e carreira. Professora da rede estadual de educação há 39 anos e pedagoga formada pela UFF, Lineia Brito de Medeiros, pondera sobre alguns fatores que contribuem para a continuidade dessa geração. Uma delas é a evasão escolar, principalmente, no ensino médio. "Alunos dessa faixa etária, abandonam os estudos para trabalhar e ajudar em casa. Sem uma formação profissional e acadêmica, se submetem cada vez mais a trabalhos informais e que exigem menos conhecimento", explica.
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"O segredo está na Educação, porém com ressalvas"
De acordo com a pedagoga, a educação do Brasil, considerada uma das piores do mundo, não prepara o aluno para o mercado de trabalho. "Não temos políticas públicas , que de forma eficiente, consigam fazem ligação mercado de trabalho e escola. E que sejam mais próximas da vida real do aluno. Aliada a esses fatores, tem a falta de interesse do aluno, que faz com que ele se afaste da escola; além da dificuldade dessa geração de acompanhar o excesso de conteúdo e assuntos , que naquele momento da vida deles, não tem nenhum significado", acrescenta.

Segundo a pedagoga, uma solução seriam as campanhas de valorização da escola, para que as famílias pudessem enxergar nos estudos um caminho de valorização profissional. "Tantos jovens sem estudo e sem emprego, em sua maioria de baixa renda, pode levar a médio e longo prazo um aumento na criminalidade, pois enxergam no crime a oportunidade de garantirem sobrevivência".
Para Mila Ferreira, pedagoga e professora do EJA (Educação para jovens e adultos) em São Gonçalo, na cidade há muitos jovens que não estão em lugar nenhum. Segundo ela, para reverter esse quadro, a educação não vai dar conta sozinha.
"Trabalho na EJA há um tempo, e não vejo incentivo do poder público, incentivando o retorno para a escola. Em São Gonçalo, temos a oferta da EJA, tanto na rede municipal, quanto na estadual, com tempo e currículo diferenciado. Mas essa escola continua não atrativa para os jovens. Não temos internet, laboratório de informática e sala multimeios equipadas para oferecer a comunidade escolar. Outros segmentos municipais poderiam estar em rede para atender essa demanda", sugere.
Outra sugestão da educadora seria captar e incentivar as empresas que oferecem o Programa Jovem Aprendiz a identificarem os jovens talentos nas artes e nos esportes que passam pela escola e se perdem no tempo, sem ter tido uma oportunidade de potencializar seu talento.
"Na EJA, temos uma escuta atenta aos objetivos deles. A maioria teve a infância e adolescência com muitas lutas, ninguém para vigiar se estavam indo ou não para a escola. São Gonçalo, por exemplo, tem o desafio de promover educação de qualidade para esse grupo que desistiu da escola, mas isso não é só a Educação que vai dar conta", reforça.
Parte da geração 'Nem Nem', Thais Ricardo, 20, conhece bem os percalços dessa realidade, apesar de ter tido outros planos anteriormente. Ela foi mãe aos 18 anos, no final do Ensino Médio, uma gestação não planejada. "Os meus planos eram terminar o Ensino Médio e fazer minha faculdade de Fisioterapia. Mas com a gravidez, esse sonho foi interrompido. Minha filha tem 1 ano e 8 meses, e eu ainda não consegui nem trabalhar, nem voltar a estudar. A notícia da gravidez, me deu a sensação de o mundo cair, porque eu sabia que não ia completar aquilo que eu queria. A maternidade para uma adolescente é muito difícil, porque tem muito julgamento, muita piada. Eu ainda quero cursar minha faculdade, mas ainda está muito complicado", comentou a jovem.
Pandemia agravou o cenário
No âmbito econômico, o crescimento dos 'Nem Nem' significa perda de produtividade e de capital humano. Para Marcelo Neri, diretor do FGV Social, o Brasil teve na pandemia o maior contingente da história de jovens 'Nem Nem'. " O futuro do país está comprometido pela falta de quantidade e pelo tratamento de baixa qualidade dado à juventude", diz o diretor.

Se não são trabalhadores, também não são consumidores, à exceção daqueles mais abonados. Desta forma, os impactos também poderão ser sentidos no movimento do comércio.
“Não se qualificando pela educação, esses jovens terão dificuldade de encontrar empregos mais tarde. Temos que lembrar que a tendência é de que os novos postos de trabalho sejam sempre mais exigentes em qualificação. Para o país, sobretudo quando se necessita muito de trabalho qualificado, os milhões de ‘nem-nem’ constituem um prejuízo enorme, tanto para a economia, quanto para o progresso do país e para a inovação”, explica o jurista Luiz Flávio Gomes, em entrevista ao portal ES Brasil.
Com a tendência de crescimento dessa geração, especialistas também apontam para problemas na previdência. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), referente ao 4º trimestre de 2018, aponta que a faixa acima dos 60 anos já representa 2,6% dos mais de 12 milhões de trabalhadores desocupados no Brasil (312 mil).
Com a baixa da colaboração previdenciária, somada à pouca qualificação profissional, a geração 'Nem Nem' madura poderá sofrer as consequências de um colapso econômico daqui a alguns anos.
*Sob supervisão de Cyntia Fonseca