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Podcast, a mídia que veio para ficar: conheça 4 podcasts da região

Formato teve 'boom' durante a pandemia

relogio min de leitura | Escrito por Felipe Galeno | 06 de agosto de 2022 - 11:53
Mídia começou a ser popularizada a partir dos anos 2000
Mídia começou a ser popularizada a partir dos anos 2000 -

Quando o mundo leu pela primeira vez a palavra 'podcast', em um artigo publicado pelo jornal The Guardian em 2004, provavelmente ninguém imaginava que aquele neologismo técnico viria a se tornar o nome popular de uma das formas de mídias mais consumidas ao redor do globo. Dezoito anos depois, é difícil navegar pela internet e não cruzar em algum momento com algum podcast. A mídia - que, segundo pesquisa do Datafolha, é escutada por 39% dos brasileiros com idade entre 16 e 65 anos - já é produzida e consumida por gente de todo canto do mundo, do país e vem crescendo também aqui, na região metropolitana.

A explosão do formato no Brasil veio durante a pandemia. Um levantamento realizado em 2021 pelo jornal O Globo, em parceria com o Ibope, constatou que 6 em cada 10 ouvintes afirmam ter começado a escutar podcasts durante a pandemia. Esse sucesso alavancou o Brasil para a quinta posição na lista de países que mais produzem conteúdo no meio.

Esse crescimento se reflete tanto na fama nacional que muitos canais e programas vêm ganhando, quanto em contextos menores de produção local. Desde o início da pandemia, diversos comunicadores de São Gonçalo começaram a produzir materiais no formato e a criar um cenário de podcasters na região.. 

Uma delas foi Vanessa Oliveira, escritora de 32 anos e moradora do bairro Vista Alegre, que viu no meio uma possibilidade de explorar novos caminhos para seus textos. “Há dois anos, comecei a publicar minhas poesias no Instagram, mas as redes que eu mais consumia eram podcast e YouTube. O podcast me ‘pegou’ por ter essa linguagem mais intimista, quase como se eu tivesse conversando com um amigo ou escutando uma história. E aí eu percebi que aquela linguagem ia além da loucura dos algoritmos, que ela tocava mesmo no coração, sabe?”, compartilha Vanessa, que, além de autora, também é mestre em biblioteconomia pela UNIRIO.

Vanessa transformou sua página de poesias em um programa de relatos poéticos em áudio
Vanessa transformou sua página de poesias em um programa de relatos poéticos em áudio |  Foto: Divulgação
  

TEXTO PARTIDO

Foi desse sentimento que nasceu o Texto Partido, um podcast de reflexões poéticas que fala sobre assuntos sensíveis da vida “com muito afeto, em palavras simples e gigantes”. Sua proposta é, através dos versos, olhar para sentimentos e assuntos que atravessam o cotidiano sob uma lente de delicadeza e poesia, para depois, enfim, compartilhá-los com o mundo.

Até chegar ao público, porém, os programas passam por um trabalho de produção bem artesanal. É Vanessa mesmo quem escreve, edita e faz a divulgação, tudo de sua própria casa. Não é uma tarefa simples, mas, para ela, o principal desafio nem está na parte prática. “Tem o desafio principal, mais objetivo, de se desdobrar entre seu trabalho original e sua outra atividade, aprender a editar e tudo o mais. Mas o mais difícil mesmo foi perceber que aquilo que eu escrevo e falo tem valor”, conta a escritora, que chegou a ter uma crise de ansiedade na primeira vez que gravou um de seus textos em áudio.

Com o carinho de sua família, a ajuda de sua psicóloga e a experimentação de esboços e projetos anteriores, Vanessa conseguiu superar a insegurança e encontrar sua voz: “Foi difícil, mas eu tive ajuda de pessoas incríveis; minha psicóloga, minha mãe, as mulheres da minha família. Com esse apoio eu consegui seguir, e depois do primeiro, do segundo e do terceiro as coisas foram fluindo”.

Outra força que a bibliotecária encontrou foram os contatos que o podcast a permitiu fazer. Com o programa, a autora pode conhecer e colaborar com outras poetas de regiões diferentes do país, da Bahia a São Paulo, além de já ter registrado entre seus ouvintes acessos de outros países, como Moçambique e Reino Unido. “O podcast, para mim, dá essa ideia de que eu não estou só, de que tem outras pessoas querendo falar de sentimentos, falar de amor como uma revolução. Pra quem faz arte, o meio é uma forma de conectar e mostrar o seu trabalho de uma maneira que não existia nas mídias tradicionais”, relata.

SÃO GONÇA PODCAST

Vanessa não é a única gonçalense aproveitando o ‘boom’ dos programas em áudio para conectar a arte feita no município com o resto do mundo. Do outro lado da cidade, no Vila Lage, um casal de artistas criou um podcast justamente para mostrar que “do outro lado da poça também tem cultura”, como dizem no início de cada episódio. O São Gonça Podcast, criado e apresentado pelo fotógrafo Cristiano Lopes e a atriz Chris Franco, é um programa de entrevistas que propõe conversar com figuras que movimentam o cenário cultural de São Gonçalo.

A ideia original nem sempre foi essa. Chris revela que, de início, a ideia de seu marido era criar algum conteúdo sonoro sobre fotografia e audiovisual. Só que a insatisfação com o estigma negativo que o campo artístico do município recebe levou a atriz a propor uma ideia diferente. "A gente tem tanto artista aqui em São Gonçalo, tanta gente boa que não é vista, não é conhecida pelo preconceito que as pessoas de fora tem com a cidade. Todas as vezes que eu faço um trabalho no Rio ou um teste, as pessoas [dizem] ‘você só vai ser vista quando vier morar no Rio’. Isso me incomoda demais. Aí pensamos: ‘Vamos criar um podcast para mostrar pro mundo que São Gonçalo também pode, que também temos artistas maravilhosos e cultura aqui’”, relembra Chris.

Para Cristiano e Chris, nova mídia é chance de dar aos artistas de São Gonçalo a visibilidade que merecem
Para Cristiano e Chris, nova mídia é chance de dar aos artistas de São Gonçalo a visibilidade que merecem |  Foto: Reprodução/YouTube
  

Para a empreitada, eles transformaram um cantinho da sala de estar de sua residência em um estúdio improvisado para receber os convidados. O bate-papo é gravado em áudio e em vídeo, e depois editado por Cristiano para ser lançado no YouTube, no Spotify, no Deezer, e nos demais agregadores de mídia sonora. Todo o equipamento é financiado pelo bolso do próprio casal, que concilia a produção com seus outros projetos profissionais em fotografia, teatro e cinema

O que motiva todo o esforço é o sonho de dar visibilidade a gente que também acredita no poder da arte mesmo diante de todas as intempéries. “Seria muito injusto da nossa parte, como artistas e moradores daqui, virar as costas para São Gonçalo, apesar de o município não nos dar muito apoio. Mesmo assim, a gente precisa acreditar no universo artístico, porque, se a gente não acreditar de verdade, a gente vai estar só perdendo tempo com isso”, declara Cristiano.

O formato escolhido para as conversas foi o ‘mesacast’, um dos subgêneros da mídia de maior sucesso no Brasil. O diferencial do modelo é facilitar as transmissões em vídeo, o que, na opinião dos apresentadores, ajuda a ‘dar uma identidade’ para as personalidades que visitam o programa. “Ao invés de colocar só o áudio, a gente preferiu fazer com o vídeo, porque, assim, a gente consegue divulgar melhor o trabalho das pessoas visualmente. Nós entendemos que a melhor forma de divulgar um artista é deixar ele falar de si mesmo”, acredita Chris. 

MAGÍLICA

O estilo parece ser realmente o favorito dos artistas-entrevistadores, já que um outro projeto produzido em São Gonçalo, o podcast Magílica, adotou a mesma ideia. A diferença é que, no Magílica, as conversas são sempre com criadores de uma forma de arte específica: as histórias em quadrinhos. A ideia é conversar com quadrinistas nacionais e divulgar os trabalhos autorais de artistas independentes de HQ.

A predileção pela nona arte não surgiu do nada. Marcos da Costa, morador do Barro Vermelho e apresentador do programa, também é artista de quadrinhos. Magílica, na verdade, é o nome da webcomic criada por ele e sua filha, Chris da Costa, em 2015. O projeto foi idealizado por Chris, que, na época, tinha dez anos de idade. Ao longos dos últimos sete anos, a dupla escreveu e desenhou seis temporadas de histórias de fantasia e aventura, todas publicadas no blog 'Mundo de Magílica'.

Magílica recebe criadores de HQs independentes para conversar sobre a nona arte no país
Magílica recebe criadores de HQs independentes para conversar sobre a nona arte no país |  Foto: Acervo Pessoal

Com o tempo, o projeto foi se expandindo para outras mídias na internet. “Depois de um tempo, a gente começou a entrar nas redes sociais, e pensamos: ‘por que não fazer também um podcast no spotify?’”, narra Marcos. O plano inicial era falar sobre a própria revista online, mas, conforme desenvolvia o projeto, o artista percebeu na ideia uma oportunidade de fortalecer os laços com a comunidade cartunista local. “Ao divulgar artistas nacionais, a gente possibilita uma troca muito grande. Eu e alguns artistas percebemos que isso tem um resultado muito maior do que aquela concorrência antiga. Ao invés de querer competir uns com os outros, nós vamos nos unir”, constata o autor.

Apesar de ter escolhido o modelo ‘mesacast’, com transmissões também em vídeo pelo YouTube, o projeto não pretende se limitar a um formato específico. “O mesacast está sendo usado muito no momento e o achamos atrativo, mas não gosto muito de estar preso a algo. Então, se for o caso de precisar entrevistar alguém em São Paulo ou por videoconferência, por exemplo, faremos. O importante é fazer a entrevista e divulgar o artista” acredita Marcos.

PODPAND

Além das artes, o podcast também anda sendo usado para divulgar e explorar outras formas de conhecimento no município. O professor de matemática Herivelto Nunes, de 55 anos, encontrou na mídia um novo meio para ensinar as ciências exatas.

Foi durante a pandemia que o professor descobriu o formato, enquanto participava, com um grupo de trabalho do SEEDUC-RJ, da criação de material didático digital para ensinos remoto e híbrido. “Até então, eu achava que podcast deveria ser feito necessariamente nas modalidades áudio e vídeo”, recorda Herivelto. Quando conheceu melhor a mídia e percebeu o potencial de trabalhar com áudio, resolveu aplicar a descoberta para “produzir um podcast do meu canal profissional, o ‘Estatística com H’, onde falo sobre ciência exatas, estatística, tecnologia e educação”.

Herivelto aproveitou a descoberta do formato para criar um programa original na escola onde trabalha
Herivelto aproveitou a descoberta do formato para criar um programa original na escola onde trabalha |  Foto: Acervo Pessoal
  

Depois de experimentar com seu projeto pessoal, Herivelto teve a ideia de estender a ideia para seus alunos no Colégio Estadual Pandiá Calógeras, no Jardim Alcântara. Assim começou o PodPand, programa idealizado pelo educador e produzido por alunos do 2º ano do ensino médio. Em cada episódio, os discentes apresentam uma breve exposição a respeito de assuntos variados sobre sociedade e educação.

O matemático considera que trazer essas novas tecnologias para a aprendizagem é importante e deve ser feito não só por quem ensina, mas contando com “a participação de todos os atores envolvidos. Ainda há muito a ser feito para que ocorra uma transformação ideal desse processo de aprendizagem. Todavia, é importante saber que a semente está plantada”, afirma Herivelto. É esse sonho, de fortalecer a produção de cultura e conhecimento no município, que está por trás dos trabalhos desses produtores culturais gonçalenses, que encontraram nas possibilidades do podcast uma alternativa para tentar transformá-lo em realidade.

>> Leia mais sobre o boom dos podcasts e conheça mais programas culturais da região na reportagem da próxima semana

*Sob supervisão de Cyntia Fonseca

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