Exclusiva: Mulher que 'parou' a Ponte Rio-Niterói faz revelações sobre violência
Advogada Regina Maria Evaristo cedeu entrevista à O SÃO GONÇALO: "Sou uma sobrevivente", desabafou.
![Regina é indígena e, ainda adolescente, veio "para a cidade grande", buscar tratamento de saúde para a mãe, que teve um acidente vascular cerebral](https://cdn.osaogoncalo.com.br/img/Artigo-Destaque/120000/1200x720/IMG-20220715-WA0040_00123719_0-ScaleDownProportional.webp?fallback=https%3A%2F%2Fcdn.osaogoncalo.com.br%2Fimg%2FArtigo-Destaque%2F120000%2FIMG-20220715-WA0040_00123719_0.jpg%3Fxid%3D453261%26resize%3D1000%252C500%26t%3D1713793889&xid=453261)
"Eu, desde sempre, sou uma sobrevivente". A afirmação é da advogada Regina Maria Evaristo, de 56 anos, sobrevivente de estupros, abandono e violência doméstica. Regina também sobreviveu a vontade de se jogar da Ponte Rio-Niterói, na tarde desta quinta-feira (14). Contudo, apesar de tantas dores, ela dedica a vida a ajudar pessoas que passam por qualquer tipo de violência ou vulnerabilidade, mas, há anos, vive fugindo de um ex marido agressor, e não consegue ajuda da justiça.
Regina é indígena e, ainda adolescente, veio "para a cidade grande", buscar tratamento de saúde para a mãe, que teve um acidente vascular cerebral. A mãe foi tratada e voltou pra tribo, em Minas. Regina ficou, aos 14 anos, em Bonsucesso, no Rio de Janeiro trabalhando em casa de família.
Mas, o patrão da adolescente a estuprou. Ali ela entendeu que já tinha passado por isso em casa. O pai também a estuprava. Ela foi trabalhar em outra casa, depois em outra, até que sofreu mais um estupro.
!["Inicialmente eu subi no carro, mas ventava muito. Aí eu subi na grade. A vida passa toda na cabeça. Será que não seria a solução? Mas não é", disse](https://cdn.osaogoncalo.com.br/img/inline/120000/0x484/advogada-que-parou-a-ponte-pede-socorro-1_00123719_0.webp?fallback=https%3A%2F%2Fcdn.osaogoncalo.com.br%2Fimg%2Finline%2F120000%2Fadvogada-que-parou-a-ponte-pede-socorro-1_00123719_0.jpg%3Fxid%3D453262&xid=453262)
Não sei, mas as coisas se repetiam. Eu era muito nova, indígena, sozinha. Ali eu vi que não dava mais e saí. Eu não aguentava mais passar por aquilo e fui morar na rua Regina Maria Evaristo
A advogada viveu em situação de rua por cerca de dois anos. Mas, sem vício algum e já sabendo ler e escrever, passou a ajudar os outros moradores da região.
"Eu fui muito respeitada. Na rua, até então, foi o lugar onde mais me respeitaram", contou.
Aos 17 anos policiais levaram Regina para a Delegacia. Na época, ainda existia crime de vadiagem. Porém, ao saberem da história, apresentaram a menina para uma nova família, onde ela trabalhava como empregada doméstica. Ali, ela começou a ter oportunidade de estudar.
"Fiz um monte de curso técnico. Fazia unha, cabelo. Consertava as coisas. Fiz de tudo. Até que passei pra faculdade de Direito".
![Regina Maria se emocionou durante entrevista](https://cdn.osaogoncalo.com.br/img/inline/120000/0x484/advogada-que-parou-a-ponte-pede-socorro-2_00123719_1.webp?fallback=https%3A%2F%2Fcdn.osaogoncalo.com.br%2Fimg%2Finline%2F120000%2Fadvogada-que-parou-a-ponte-pede-socorro-2_00123719_1.jpg%3Fxid%3D453263&xid=453263)
Regina passou a morar na comunidade Vila dos Pinheiros. Trabalhava de dia e fazia faculdade à noite. Quanto mais se estabelecia, mais ela ajudava ao próximo.
"Eu sempre ajudei todo mundo. A gente aprende isso na natureza mesmo. É preciso compartilhar, viver junto, ajudar", contou a mulher, que tem dois filhos biológicos, um deles falecido, e 11 filhos de coração.
Ao melhorar a situação em que vivia, Regina fundou uma ONG para abrigar, apoiar e tratar mulheres vítimas de violência sexual ou doméstica, crianças e pessoas em situação vulnerável. Na pandemia, Regina cuidou de pessoas com Covid-19.
Nesse mesmo período em que a ong era fundada, nos anos 2000, ela conheceu o ex companheiro. Contudo, a relação entre eles começou somente em 2012. Quatro anos de relacionamento e em 2016, ela não aguentava as mudanças de comportamento dele e pediu a separação.
"Ele estava se formando em Direito. Mas tinha perdido o emprego e estava bebendo. Foi mais ou menos um ano. Aí eu falei que não dava mais e pedi para ele sair de casa. Ele concordou e pediu uns dias, só para passar o exame da Ordem dos Advogados. Concordei. Mas foi aí que minha vida virou um inferno", relembrou.
Nesse período, ela sofreu a primeira agressão. Buscou ajuda e enquanto relatava o caso, ele colocou fogo na casa do casal. Ela conseguiu a primeira medida protetiva. De 2016 até hoje, ela perdeu as contas de quanta violência sofreu, de quantas medidas protetivas foram quebradas e de quantas vezes implorou por ajuda.
No último dia 8 saiu mais uma medida protetiva contra o acusado. Desde então Regina dorme no carro. Dorme, não. Ela mora no carro, fugindo dele e com medo de colocar outras pessoas em risco.
"Eu tenho pessoas vítimas de violência doméstica na ONG. Eu não posso ficar lá e colocar outras pessoas em risco. Não posso ir pra casa de ninguém e colocar em risco. É desesperador".
Após receber a confirmação da nova medida protetiva, ela buscou novamente ajuda aos órgãos competentes. Não obteve, mais uma vez.
Na última quinta-feira (14), Regina estava desesperada. Após a recusa de ajuda por órgãos responsáveis, ela teve a consulta com a psicóloga desmarcada. Ela começou atravessar a ponte, sem pretensão. Até que o desespero falou mais alto.
"Inicialmente eu subi no carro, mas ventava muito. Aí eu subi na grade. A vida passa toda na cabeça. Será que não seria a solução? Mas não é. Eu sou sobrevivente", contou a mulher que foi retirada pela Polícia Rodoviária Federal.
Nesta sexta-feira (15), Regina recebeu um convite para encontrar com a presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB Niterói, Andréia Kraemer. "Eu não quero política, pois fazer política com a dor dos outros é fácil. Eu tô aqui, Andréia, advogada, para ajudar. Como mulher mesmo. Eu nunca sofri violência, mas a dor de uma mulher é a dor de todas nós. Eu vou ajudar como colega de profissão e mulher. Eu estou Presidente, mas a ajuda é pessoal", destacou Andréia.
Daniele Velasco, presidente da Comissão de Violência Doméstica da OAB Niterói, também esteve na reunião. Ela e Regina já possuem uma relação de ajuda mútua.
Ele descumpre as medidas. Já foi flagrado me agredindo. Já agrediu outra companheira após terminar nossa relação. Levou meu dinheiro, ficou com a casa. Hoje tudo que tenho está nessa mala, que anda comigo. O que mais estão esperando para prender esse homem Regina Maria Evaristo