Hábitos de consumo pós pandemia e o 'novo' jeito de fazer compras; veja!
Cresce número de compras de mercado por aplicativo, modalidade que também gerou novos empregos. Do outro lado, a alta dos preços mantém cenário desanimador para o consumidor, em especial os das classes C e D

A pandemia da Covid-19, que teve início no Brasil em 2020, pegou muita gente desprevenida. A rotina da população precisou mudar após a recomendação dos órgãos de saúde de manter o isolamento social. Milhares de pessoas passaram a trabalhar na modalidade home office e até a fazer compras sem precisar sair de casa. Compras essas que passaram a ir além de produtos como eletrodomésticos e outros itens, como já ocorria pela internet antes da pandemia, às mais simples, como as de mercado. Frutas, verduras, carnes, passaram a ser escolhidas e pagas por meio de aplicativos que entregam na casa dos clientes.
Segundo uma pesquisa da Lifton, empresa que trabalha com marketing e aplicativos para dispositivos móveis, em parceria com a Adjust, as compras online cresceram 5 vezes mais rápido do que as compras realizadas em lojas físicas no ano de 2020. Já em 2021, a empresa Linx, especialista em tecnologia para o varejo e software de gestão, registrou um crescimento de 39,64% no número de pedidos de compras de supermercado feitas em aplicativos e sites no ano de 2021, se comparado ao ano anterior.
A servidora pública federal aposentada Célia Regina Leal, de 60 anos, foi uma das que mudaram os hábitos de consumo de mercado. Ela faz compras mensais para ela e sua filha e contou ao O SÃO GONÇALO que prefere realizar, hoje, de forma online. O costume surgiu na pandemia.
"Nas compras online tenho como pesquisar os preços de vários mercados e optar pelos que oferecem mais promoções", afirmou ela, que completou dizendo que acaba economizando mais com as promoções que encontra nos aplicativos. "Acho que gasto menos, pois consigo controlar o consumo principalmente de supérfluos. Hoje quase não vou ao mercado, antes da pandemia ia uma vez por semana. As compras online oferecem praticidade, controle de tempo e controle de consumo", contou.
Dona Célia não é a única. A publicitária Izabelle Souza, de 25 anos, também se rendeu à nova modalidade. Ela conta que começou a receber estímulos de aplicativos de vendas que apresentavam descontos e resolveu comprar para testar e ver como era o processo. Hoje, vai apenas uma vez no mês ao mercado e, mesmo assim, realiza suas compras de forma mista com os aplicativos. Antes da pandemia, ela ia semanalmente aos supermercados, de forma presencial.
"No início, havia receio de que o preço fosse diferente do mercado físico, então comprávamos só o que achávamos barato mesmo e o resto era comprado fisicamente. Hoje a gente não faz diferenciação entre o físico e o virtual. Se falta algo e compensa o valor do frete (mais em conta que pedir um aplicativo ida e volta), preferimos pedir de um supermercado do bairro ao lado que entrega em até um hora. O aplicativo é bem inteligente, então conseguimos visualizar bem as ofertas. Acreditamos que fazemos um bom negócio porque conhecemos os preços da região. O frete sempre acaba compensando nosso deslocamento e também é muito mais confortável. Sem contar que receber em casa em uma hora é bem mais rápido do que irmos até lá", relatou a publicitária, que acredita que as compras online fornecem praticidade. "Se não houver algo em um mercado, posso comprar de outro sem suar", completa ela, que realiza a compra do mês para ela, seu irmão e sua mãe.

O jovem Ian Sobroza, de 27 anos, também acredita que as compras online são mais vantajosas. Ele, que mora sozinho, prefere hoje pedir sua compra do mês pelos aplicativos. "Antes da pandemia, mesmo de vez em quando, eu pedia de um mercado aqui do bairro algumas coisas como água, leite e refrigerante por conta do peso. Na pandemia, isso apenas intensificou com aplicativos novos que davam descontos e taxa de entrega, o que foram facilitadores e incentivos que ajudavam também a respeitar a quarentena. A pandemia acabou me deixando com hábitos muito pacatos, acabo não gastando mais com saídas, passeios, comer fora... Ainda acontece um eventual pedido de Ifood nos fins de semana, mas cozinho mais agora", afirmou.
Ian completou dizendo que, no entanto, ainda prefere comprar legumes e frutas em hortifrutis próximos de sua casa. "Mas ,no geral para produtos líquidos e ou de marca se tornou bem mais prático pedir de casa. A praticidade e economia de tempo são fatores ótimos para as compras online, além de evitar contratempos como engarrafamento, chuva... Os cupons abatem o custo de envio dos produtos, mas acho que gasta-se um pouco mais, pois os mercados disponíveis não são os mercados com preços mais em conta sempre. E o cupom acaba funcionando mais como uma isca. E funciona (risos)", brinca.
Essa modalidade de compras fez "nascer" também uma nova atividade para conseguir uma renda extra: entregadores ou shoppers, que além de entregar, também compram os alimentos para o cliente. Os três entrevistados acima já utilizaram o serviço desses entregadores e confirmam que a função acabou se tornando uma segunda opção de renda ou mesmo a renda principal de quem estava desempregado.
Tiago Scaffo, de 32 anos, é servidor público, mas trabalha como motorista de aplicativo há quatro anos para complementar a renda. Há três meses, se tornou entregador pelo aplicativo Lalamove e do Borzo. Ele conta que a opção ajuda na renda no final do mês e no pagamento da pensão para sua filha. Para ele, o contato com os clientes também é algo fácil de lidar. "A maioria dos clientes desses aplicativos de entrega são de pessoas jurídicas, raramente recebo solicitações de pessoa física. As empresas são super receptivas e o serviço é rápido. Na maior parte das vezes, ao chegar na empresa o objeto já está separado para entrega. Quando eu pego serviço de entrega com pessoa física eles pedem cuidado com os objetos. São mais receosos, porém confiam no nosso serviço", afirmou.

Para Tiago, essa nova forma de trabalho é uma opção que pode vir a se tornar uma maneira de ganhar dinheiro nos dias atuais e a flexibilidade de horário também é interessante, já que o shopper trabalha o quanto pode e como pode, diariamente. "Está cada vez mais difícil encontrar vagas de empregos que paguem um valor justo ao funcionário. A maioria das empresas querem que o funcionário trabalhe 12 horas por dia, pagando um salário mínimo, como se fosse o suficiente para viver no Brasil, principalmente após a elevação de preços em produtos básicos de supermercado, por causa também da pandemia. Sabemos que R$ 1.200,00 hoje não é o suficiente, então hoje vejo os aplicativos de entregas como uma boa alternativa não apenas para complementar renda, mas também como atividade principal, pois no final do mês ganhamos muito mais do que um salário mínimo", revelou.
Tiago deu dicas para aqueles que querem trabalhar como entregador como ele. "Os aplicativos que trabalham com carros estão pedindo para que o motorista seja MEI. Além disso, na CNH do motorista tem que constar a informação EAR (Exerce Atividade Remunerada). Após isso, é só baixar o app na Play Store, fazer um cadastro simples e aguardar a resposta da análise do aplicativo. As dicas que dou são: 1- Não desistir quando o dia começar ruim, pois sempre melhora após algumas horas logado no aplicativo. 2- Estabelecer uma meta diária e procurar estar dentro dessa meta. 3- Sair cedo de casa para pegar as melhores entregas. 4- Ficar atento aos lugares que vai buscar os objetos de entrega. 5- Mandar mensagem ao solicitante do serviço antes de buscar o objeto de entrega. Isso dá mais segurança ao motorista. 6- Ser paciente tanto com os solicitantes do serviço como também no trânsito. 7- Não desistir quando tudo parecer que não está dando certo. Sempre melhora!", concluiu.
A Uber, empresa que trabalha com shopper através da Cornershop, explica como as pessoas podem assumir essa atividade. "Operando no Brasil desde 2020, a Cornershop by Uber vem, há mais de 5 anos, aperfeiçoando sua tecnologia e estabelecendo parcerias valiosas na América Latina, Estados Unidos e Canadá. Os pedidos de supermercado e lojas variadas feitos nos apps Uber e Cornershop by Uber são separados e entregues por compradores parceiros especializados. Assim como ao pedir uma viagem pelo Uber, os usuários podem acompanhar cada etapa do pedido.
Para se tornar um comprador especializado é preciso ser maior de 18 anos, apresentar um documento de identificação pessoal, documentação do veículo utilizado para realização das entregas (carro, moto ou bicicleta) e Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Todo o processo pode ser feito por meio da plataforma Cornershop by Uber", informou a nota da empresa.
As Lojas Americanas, que também oferecem essa modalidade de entrega, apresenta em seu site oficial que para se tornar entregador pela marca é preciso ter mais de 18 anos, ter celular com Android ou internet, possuir Carteira Profissional Definitiva de Habilitação para carros ou motos e utilizar um veículo com licenciamento válido. O mesmo acontece com outras empresas como Lalamove e Borzo, antigo Click Entregas, que apesar de entregarem também para consumidores finais, têm o público-alvo mais voltado para atendimento a empresas.
Compras online crescem e o preço dos alimentos também
Apesar de as compras online estarem em alta, o poder aquisitivo das pessoas não tem acompanhado esse desenvolvimento. Com isso, hoje gasta-se mais para comprar menos produtos do que antes da pandemia, por exemplo, quando a inflação era mais baixa. Cenoura, arroz, carnes, produtos do dia a dia hoje podem ser considerados artigos que não são comprados por boa parte da população, que recebe o mesmo salário e vê o preço dos alimentos aumentando. Essa diferença nos preços foi sentida por todos os entrevistados já citados.
Para Dona Célia, alimentos como a carne, o óleo, o arroz, o pimentão, o café, a cenoura e as frutas passaram a ter valores mais altos e a impactar diretamente suas compras. "Seis meses atrás gastava em torno de R$ 500 nas compras, atualmente fica na média de R$600 a R$700. Consigo comprar a cesta básica, porém diminuí a quantidade de carne bovina, optando pelo consumo de frango. Para economizar, procuro comprar os alimentos de marcas mais baratas e os que estão em promoção, também corto os supérfluos", afirmou.
Já Izabelle, sentiu principalmente o aumento dos preços do feijão, do óleo, da carne e do arroz. "No começo da pandemia, a compra principal custava cerca de R$500, fora as outras compras semanais, mas a cada mês foi aumentando mais R$ 100 e hoje essa compra principal custa cerca de R$ 800. Durante a pandemia eu também iniciei uma dieta vegetariana, e só por esse motivo a gente não foi tão impactado com o aumento do açougue. Minha mãe, responsável pela cozinha, começou a usar a criatividade pra comportar minha transição alimentar e isso impactou a família. Priorizamos arroz, feijão, legumes e verduras", afirmou.
Ian sentiu mais o aumento do preço do leite, da manteiga, do creme de leite, laticínios em geral, cenoura, couve-flor e carne. "Tenho por hábito gastar o mesmo valor quando faço compras de mercado para me controlar, mas a mesma quantia está dando para comprar bem menos produtos ultimamente. Até consigo porque dou prioridade as compras de mercado, mas já não sobra mais nenhum para sair, comer fora, fazer qualquer outra coisa ou comprar roupas, por exemplo. Tenho cortado feijão da dieta, mas carne foi substituída por frango em peso. Priorizo o frango, manteiga e refrigerante", disse.
A tendência para os próximos meses é que a situação econômica se mantenha desta forma no país. Pelo menos é o que explica o economista, contador e professor de Economia do IBMEC Gilberto Braga. "A inflação é um processo de aumento dos preços gerais da economia e isso se dá pela deterioração das condições gerais do mercado. Temos uma economia crescendo pouco, isso provoca desemprego, pois baixa o crescimento, as empresas não contratam, não investem e não abrem vagas. A inflação e o desemprego são consequências dessa situação. O que podemos dizer, em termos práticos, é que todos os produtos alimentares e que compõem a cesta básica aumentaram bastante principalmente na época da pandemia. A pandemia impôs mudança de hábitos. Recentemente, também temos o aumento generalizado de produtos por causa do conflito Rússia e Ucrânia, grandes exportadores de petróleo e fertilizante. Com esse conflito, esses produtos diminuem a oferta no mercado internacional e restringem o mercado internacional por conta de bloqueios comerciais. Além disso, também temos a questão do petróleo e do câmbio. Assim como os alimentos, a conta de energia também aumentou por conta de questões climáticas e erros estratégicos na condição da política energética pelo governo brasileiro", explicou.
O economista esclareceu, ainda, sobre o aumento de preços na pandemia. "Na época, houve o aumento do consumo de alimentos com as pessoas em isolamento social. Isso levou ao aumento no preço dos supermercados, inclusive, com o pagamento dos auxílios financeiros pelo governo que, de alguma maneira, mesmo em época de calamidade, colocou dinheiro em boa parte da população desempregada, desassistida e necessitada. A valorização do câmbio também pressionou a alimentação na medida em que o câmbio mais caro faz o produto brasileiro em reais ficar mais barato para quem está lá fora e o Brasil exportou muito alimento, muitos produtos, muitas commodities, como a gente chama", ressaltou.
Para os próximos meses, a economia deve crescer menos de 1%, segundo ele, e o desemprego continuará alto. "A economia vai crescer abaixo de 1% nesse ano, o desemprego vai continuar alto, pois um crescimento tão modesto da economia não gera muitos empregos e as empresas estão cautelosas por não terem ainda um indicador do próximo presidente da República e de qual vai ser a política econômica. Essa falta de previsibilidade faz com que planos, novos negócios e expansão sejam de alguma forma protelados por boa parte das empresas que atuam no segmento brasileiro, que esperam um melhor entendimento no cenário em que elas vão atuar. A inflação vai diminuir, mas ela diminuindo não quer dizer preço menor. A inflação diminuir significa que a força e a velocidade do aumento de preço vão diminuir. Então os preços dos alimentos não devem cair, exceto alguma cultura ou algum produto de época, que quando é a época em que ele é mais ofertado os preços ficam menores, como o morango, o caqui e outras frutas", afirmou.
O economista comentou também sobre as promoções e substituições e sobre os consumidores se tornarem híbridos, que mesclam o online com o presencial: "Na verdade, o mercado online se afirmou com a pandemia, na medida em que boa parte da população que não tinha o hábito de comprar por aplicativos de celular ou internet de forma ampla, ou que tinha medo de colocar seus dados e suas senhas e coisas dessa natureza, teve que se render a essa comodidade na medida em que estava impedida de circular ou com restrições de saúde. Isso fez com que o uso de plataformas digitais se tornasse mais intenso, mais dominado no sentido da habilidade pelos usuários e eles hoje usam isso. Não necessariamente, eles fizeram uma troca definitiva, mas com a liberação das atividades socioeconômicas e o retorno da mobilidade urbana, o que a gente observa é que o hábito do produto online veio para ficar, mas as pessoas fazem o intercâmbio entre as duas formas de consumo físico/presencial e consumo virtual. Essas mudanças de hábito realmente estão presentes na sociedade e criaram um consumidor mais atento, mais antenado, mas numa situação econômica de maior dificuldade e que não deve se reverter ao longo de 2022", afirmou.
Ele finaliza com um conselho para aqueles que querem economizar. "Hoje, o brasileiro aprendeu a usar a internet, então é bom fazer sempre pesquisa de preço, promoções, buscar produtos em oferta, aproveitar para fazer estoque quando um produto que você consome mais estiver com preço reduzido. Também recomendo fazer substituições, quando o produto que a pessoa consome estiver muito caro, procure mudar de marca ou busque um substituto mais barato. Isso se aplica mais em relação a verduras, proteínas", finalizou.
