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Jovem sofre com falta de benefício do INSS após diagnóstico de doença rara

Ela também denunciou situações que viveu quando ficou internada no HEAT

relogio min de leitura | Escrito por Ana Carolina Moraes | 27 de janeiro de 2022 - 17:28
Hoje, Ana vive com um colar cervical para evitar engasgos enquanto come
Hoje, Ana vive com um colar cervical para evitar engasgos enquanto come -

Ana Beatriz Neto Marinho, de 23 anos, viu sua vida virar de cabeça pra baixo após ser diagnosticada com a Síndrome de Arnold Chiari. Ela, que frequentava as aulas presenciais de Direito na universidade antes da pandemia e era técnica em enfermagem, trabalhando em hospitais da região, agora sente dificuldades em comer sozinha e em falar, por causa da doença. O problema da jovem, no entanto, não é apenas essa mudança na vida, mas sim o fato de que além de passar por dificuldades no Hospital Estadual Alberto Torres (HEAT), onde foi internada, ela não vem conseguindo o auxílio-doença concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o que tem dificultado a renda de sua família. 

Ana Beatriz levava uma vida normal, como qualquer jovem da sua idade, quando foi atropelada por um caminhão quando saía de seu trabalho na Prefeitura de Maricá em junho de 2020. A partir daí, ela foi socorrida e, inicialmente, ficou bem, voltando à sua rotina. No entanto, com o tempo, Ana Beatriz percebeu que sentia dores de cabeça muito fortes, chegando, inclusive, a vomitar. As dores foram se intensificando e ficando mais frequentes, dando lugar à convulsões.

"Eu tinha muitas dores. Antes do atropelamento, eu sentia dores, mas que geralmente passavam com o uso de remédios normais para dor. Depois do atropelamento, não adiantava, muitas dores continuavam mesmo tomando remédio. Foi a partir de 2021, que eu comecei a trabalhar no Hospital Estadual Alberto Torres, como técnica de enfermagem, e comecei a me sentir muito cansada, uma coisa fora do normal. Alguns médicos me falaram que poderia ser moleza ou problema de coração, já que tenho um pai hipertenso, mas ficou por isso mesmo. Até que um dia, eu estava em casa, em Maricá, quando senti muita dor de cabeça e resolvi buscar atendimento no Hospital Municipal Conde Modesto Leal, onde convulsionei. Depois de me atender, a médica me liberou e me mandou para casa com um atestado", contou ela.

Antes, Ana vivia uma vida normal, como qualquer outra jovem de sua idade
Antes, Ana vivia uma vida normal, como qualquer outra jovem de sua idade |  Foto: Arquivo pessoal
 

Ao levar o atestado para o trabalho, alguns dias depois, a jovem sentiu mais dor de cabeça e, como estava no HEAT, onde trabalhava, ela foi consultada lá. "Isso ocorreu em maio de 2021. Eu estava no HEAT mesmo para levar o atestado e fui na emergência. Eu só lembro de ter feito a ficha e ficar aguardando ser chamada, quando apaguei. Ao acordar, eu estava na sala vermelha e já tinha convulsionado 19 vezes. Lembro que eu acordei e ouvi os médicos falando que na próxima iriam me entubar, pois o que eu tinha já estava prejudicando o meu cérebro, no entanto, eu não conseguia responder eles e nem interagir", afirmou a jovem.

Ana Beatriz, então, teve que ficar internada na unidade de saúde. Ela conta que viveu dias péssimos por lá. "Como eu era técnica de enfermagem e trabalhava na enfermaria, quando soube que ia ficar internada, preferi que me levassem para lá, mesmo que eu não estivesse conseguindo interagir direito, pois lá eu ficaria com a equipe que conheço. Mas, lá eu vivi dias horríveis. Eu dormia no meu próprio xixi, cheguei a menstruar e me deixavam suja, não me limpavam, e eu não tinha condições de interagir, de falar, de fazer nada. Eu usava sonda e fralda e me deixavam suja dias lá quando meu xixi vazava. Lembro que eu nem comia e consequentemente não evacuava. Eu cheguei a ficar, se não me engano, pouco mais de uma semana nessa situação, só tomando remédio na veia. Lembro que me furaram muitas vezes, chamaram uma psiquiatra, que me consultou duas vezes, mesmo sem eu poder falar muito, só mexendo a cabeça, e me diagnosticaram com transtorno de bipolaridade e outras coisas para falarem que eu estava fazendo aquilo pelo psicológico, porque eu não queria trabalhar. Meu problema não era psicológico, era neurológico, mas se recusavam a fazer um eletroencefalografia para me analisar. Quando eu sai, um médico ainda veio falar que o que eu tinha poderia ser um tumor, mas que ele achava que não, mesmo sem os exames. Eu não conseguia responder, sai de lá numa maca, sem conseguir me mexer direito, sem reflexos e sem nem conseguir ficar no celular. Eles me amarravam quando eu convulsionava no hospital, eu ficava amarrada, sem atendimento, na minha própria cama, muitas vezes, eles me deixavam nua em plena enfermaria", afirmou a estudante de Direito.

No HEAT, ela contou que tinha momentos que a deixavam nua e, como ela não conseguia se mexer direito, não conseguia se cobrir
No HEAT, ela contou que tinha momentos que a deixavam nua e, como ela não conseguia se mexer direito, não conseguia se cobrir |  Foto: Arquivo pessoal
 
Ela era amarrada quando convulsionava
Ela era amarrada quando convulsionava |  Foto: Arquivo pessoal
 

Depois disso, em junho, Beatriz procurou um médico particular que iniciou alguns exames na jovem, que a diagnosticaram com Síndrome de Arnold Chiari. A doença consiste em uma má formação no cerebelo, parte do cérebro. O tecido cerebral da jovem invade parte do canal espinhal dela. O médico explicou à jovem que essa é uma doença genética, que Ana Beatriz já nasceu com ela, mas que se agravou após o atropelamento, foi só aí que ela descobriu o que tinha. Segundo Beatriz, a doença não tem cura e pode causar morte súbita.

Ainda em 2021, a jovem conseguiu, através de amigos do seu pai e de uma vaquinha online, arrecadar dinheiro para uma cirurgia. "O médico que faz essa cirurgia de Secção do Filum Terminale corta um pedaço da minha pele lá na lombar e corta um ligamento que ajuda o cerebelo. A doença faz com que o licor do cérebro não passe para a minha coluna, afetando o sistema nervoso. Eu consegui essa cirurgia com um médico em Recife, pelo preço de R$ 60 mil, antes eu só tinha visto um médico em Barcelona fazer e era mais caro, fizemos uma vaquinha, mas quase não arrecadamos. Quando eu descobri esse de Recife, que era mais barato que o outro, os amigos do meu pai, que trabalham com ele na Guarda Municipal de Niterói, fizeram um Dia D, que consistia em uma semana tirando horas extras, todos eles, para conseguir receber o dinheiro da hora extra e doar pra minha cirurgia", contou ela.

Depois do procedimento, a situação de Beatriz se amenizou. Ela chegou a ficar internada em UTIs até descobrir o real problema, não andava direito e precisava de ajuda para ir no banheiro ou comer. Hoje, ela já consegue, por causa da cirurgia, falar (mesmo que com dificuldades), ter uma memória melhor, comer sozinha (coisa que antes ela não conseguia) e ir no banheiro sozinha. No entanto, ela ainda precisa ser vigiada o tempo todo, pois se engasga facilmente e usa um cordão cervical para impedir que tenha esses engasgos. Na rua, ela precisa andar sempre com alguém e usando sandálias com travas. O principal gasto da família da jovem é com remédios e consultas médicas já que, pelo menos, uma vez ao mês ela precisa ir na consulta médica que custa R$ 350 para verificar como está, visto que a doença pode retornar e se agravar a qualquer momento e a cirurgia foi uma medida temporária. Além disso, ela gasta cerca de R$ 1.400 com remédios por mês e o valor pode ir aumentando se o médico passar mais medicamentos. Os momentos de lazer são restritos, pois se ela for no lugar com muitas luzes constantes pode sofrer com as convulsões. A jovem, hoje, vive uma rotina completamente diferente.

No HEAT, a jovem afirmou que passavam na sua pele um medicamento que dava irritação
No HEAT, a jovem afirmou que passavam na sua pele um medicamento que dava irritação |  Foto: Arquivo pessoal
 
Em alguns momentos, o xixi na fralda e na sonda vazavam
Em alguns momentos, o xixi na fralda e na sonda vazavam |  Foto: Arquivo pessoal
 

Sobre as acusações, a direção do Hospital Estadual Alberto Torres (HEAT) informou que "a paciente Ana Beatriz Neto Marinho deu entrada na unidade em 3 de maio de 2021 com quadro de crise convulsiva. Foi atendida, medicada e submetida a exames laboratoriais e de imagem, além de ter acompanhamento médico e psicológico durante o período de internação. A paciente também foi avaliada por neurocirurgião e psiquiatra, tendo sido indicada a necessidade de investigação clínica complementar.

Apesar dos esforços da equipe de assistência, a paciente seguiu apresentando crises convulsivas. Em 09.05.2021, por solicitação da família da paciente e contra a orientação da equipe médica, a alta da paciente foi realizada no sistema. Assim, a investigação foi encerrada e não houve qualquer diagnóstico fechado.

A equipe do hospital prestou todos os cuidados à paciente, tendo acolhido também seus familiares com informações sobre a assistência. Há casos em que é indicado o uso da técnica de contenção mecânica, como alternativa para evitar a utilização de altas doses de sedativo, diante do quadro de agitação do paciente".

Problema com o INSS

Logo ao se afastar do trabalho, ainda em 2021, quando foi internada no HEAT, Beatriz deu entrada no auxílio-doença, benefício do INSS. Logo na perícia médica, ela passou, mas está com problemas para conseguir seu benefício.

"Eu dei entrada em maio de 2021, fiz a perícia médica em agosto de 2021 e a médica logo que me viu disse que visivelmente eu não tinha condições de trabalhar. Ela disse que iria me conceder o benefício e que agora só dependeria da parte burocrática. Eu esperei, e primeiramente, a parte burocrática negou meu pedido por falta de identidade e algum outro documento da carteira de trabalho. Eu fui e anexei esses documentos e indeferiram mais uma vez falando que eu não tinha contribuído o suficiente em 2020, sendo que eu trabalho desde os meus 18 anos e nunca deixei de contribuir. No meu primeiro emprego, no entanto, eu fiquei uma época no período de TAC (Termo de Ajuste de Conduta), esperando para saber se eu teria o contrato renovado ou não, não renovaram, mas continuaram pagando o INSS enquanto eu estava no TAC e, quando não renovaram, eu entrei logo no HEAT não deixando de pagar nenhum um mês ao INSS", contou ela.

Ana Beatriz entrou com um recurso no INSS e entregou um documento fornecido por sua primeira empresa de trabalho que garante que descontava do salário dela o valor necessário para o Instituto. Tudo o que a jovem quer é poder dar algum tipo de apoio aos seus pais e isso só será possível com esse benefício, pois, assim, ela poderá comprar seus remédios e ajudar nas contas médicas. Hoje, na casa dela, só quem trabalha é seu pai e a renda da família provém dele, já que a mãe tem que ficar com ela devido à doença.

"Pra mim, eu entendo que eu não vou ter mais uma vida normal, eu lido com isso de uma forma que eu encaro que não tem mais como mudar, eu aceitei. Daqui para a frente, eu busco ver que as coisas só vão melhorar e não piorar mais como foi. A questão do INSS, no entanto, me deixa indignada, pois é meu direito e eu não estou pedindo esse auxílio para ficar sem fazer nada em casa ou por não querer trabalhar, pelo contrário, eu fui privada disso de forma brusca com a doença. Eu sempre digo aos meus pais que eu já estou criada e que hoje eles deveriam viver curtindo, mas eles precisando ficar cuidando de mim como se eu fosse novinha ainda, como se fosse lá do início por causa da doença, além dos gastos com plano de saúde, remédio, roupa e alimentação, é muito difícil", afirmou ela.

Hoje, Beatriz busca voltar à sua rotina na medida do possível, entendendo que a Síndrome de Arnold Chiari faz parte dela, mas pensando que ela não quer e nem vai piorar, se continuar se medicando direitinho e seguindo os conselhos médicos, que custam dinheiro.

Procurado, o INSS informou que "a segurada ANA BEATRIZ MORAES teve sua solicitação de auxílio-doença indeferida por período de carência. A segurada entrou com recurso junto ao Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS) visando comprovar vínculo empregatício e implementar a carência. O processo se encontra no aguardo para julgamento junto ao CRPS.

O INSS esclarece ainda que o CRPS é um órgão autônomo da Administração Direta ligado ao Ministério, possuindo estrutura e presidência próprias. Sendo assim, o INSS informa que o contato deve ser realizado com a Coordenação de Gestão Técnica - CGT do CRPS, através do email: cgt.crps@economia.gov.br".

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