Após ser preso acusado de tráfico de drogas, José Crispim, o 'Cachorro’, é inocentado pela Justiça
A prisão aconteceu em maio de 2020

José Crispim Cândido da Silva, o ‘Cachorro’, personagem folclórico que costuma circular pelo Centro de Niterói, e que havia sido preso no dia 7 de maio de 2020, acusado de tráfico de drogas na Comunidade da 94, agora foi inocentado e absolvido pela juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine, da 1ª Vara Criminal do município.
O advogado encarregado do caso, Paulo Henrique Lima, conta melhor como ocorreram e a ordem cronológica dos fatos.
“O Cachorro foi preso em 07 de maio de 2020, acusado de tráfico e associação para o tráfico (art. 33 e 35 da Lei de Drogas) por estar próximo a uma sacola com pequena quantidade de drogas (11 g de cocaína e 23 g maconha) encontrada pelos policiais. Ele foi solto no dia 27 de novembro de 2020, por força de uma decisão liminar proferida pelo STJ. Ou seja, foi mantido preso durante 6 meses e 20 dias. Na Sentença proferida em 28 de outubro de 2021, ele foi absolvido da acusação de associação para o tráfico. Já a acusação de tráfico foi desclassificada para o delito de porte ou posse para consumo próprio. Em outras palavras, a juíza entendeu que ele não é traficante, mas sim usuário. A sentença apresenta fundamentos rígidos que convenceram o Ministério Público. Por outro lado, apesar desta importante vitória, a defesa irá apelar buscando a absolvição integral do Cachorro por entender que a desclassificação fere (entre outros) os princípios da Correlação e do devido processo legal.”, explicou o advogado criminalista.
Acreditando na inocência do ‘Cachorro’, o Coletivo Direito Popular da Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenado por Paulo Henrique, se mobilizou, com ajuda de alunos, professores e funcionários da faculdade, com objetivo de provar que José Crispim é inocente. Diante disso, o advogado reforça a importância desse esforço coletivo pela causa.
“Quando um homem negro é acusado de ser traficante todos ao seu redor viram as costas. Se para os brancos de classe média vigora a presunção de inocência, para os negros basta uma simples acusação para que todos duvidem de sua inocência. Por isso, a defesa do Cachorro não se resumiu as trincheiras jurídica. Muito pelo contrário, envolvemos centenas de alunos da UFF e muitos professores e funcionários nos ajudaram a divulgar a campanha por sua liberdade.", iniciou.
"A mobilização do povo negro e de seus aliados é o único caminho que pode corrigir as injustiças desse país. Por isso, penso que essa vitória jurídica é uma conquista abolicionista que nos convida a refletir sobre os impactos do Punitivismo que são impostos contra o povo preto. Além de ser vítima, muitas vezes reproduzimos os preconceitos contra aqueles que são acusados ou injustamente condenados pela prática de crimes. Portanto, entre as diversas importâncias desta conquista, deve-se frisar que as narrativas punitivistas são ciladas para qualquer periférico.”, disse o advogado.
Ainda na temática do racismo, o advogado criminalista pontua sobre as mazelas enfrentadas por pessoas como José Crispim, e também recorre a um dado estatístico para embasar sua tese.
“O cachorro é uma figura querida por toda a comunidade acadêmica da UFF e reconhecido como um verdadeiro patrimônio cultural da cidade de Niterói. Um homem negro, humilde, batalhador e alegre que enfrenta as mazelas e desigualdades que marcam a história de um país fundado e mantido sob estruturas racistas e economicamente desiguais. Seu caso se confunde com a história de grande parte das vítimas do encarceramento no Brasil. São homens negros, pobres e desumanizados. No Brasil, o número de presos provisórios gira em torno de 217 mil, que corresponde a cerca de 32% da população prisional. Considerando que o Processo Penal é norteado pela presunção de inocência, a maioria dessas pessoas são vítimas de um sistema racista que sempre prendeu com facilidade pretos e pobres e respeitou as garantias dos ricos.”, falou Paulo Henrique.
Com a decisão favorável, ele fez questão de elogiar o trabalho da juíza do caso e reforçar que essa vitória é de todos que lutam contra o racismo.
“Neste caso a nobre juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine foi impecável quando observou as contradições presentes nas declarações dos PMs para absolver o Cachorro. Mas, infelizmente é preciso destacar que milhares de outros homens negros inocentes não tiveram a mesma sorte que o nosso cliente. São vítimas de denúncias “padronizadas” e também desacompanhadas de provas, mas são condenados tão-somente pela versão apresentada por quem os acusa. Por isso, essa vitória é uma conquista não só do Coletivo Direito Popular e do Pré-Vestibular Dr. Luiz Gama (projetos que funcionam na Faculdade de Direito da UFF), mas também, de todos que lutam contra o racismo em Niterói, São Gonçalo e região.”, reiterou o advogado.