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Artesã gonçalense encontra na arte uma poderosa 'arma' contra a depressão

Kelly Cristina trabalha há dois anos com a montagem de maquetes realistas

relogio min de leitura | Escrito por * Pedro Di Marco | 10 de agosto de 2021 - 11:00
Casa de dois andares em miniatura
Casa de dois andares em miniatura -

“Temos a arte para não morrer da verdade.” Quando o célebre pensador alemão Friedrich Nietzsche redigiu pela primeira vez essas sábias palavras, ele se referia ao papel da arte como alicerce ao bem-estar social e desenvolvimento de uma psique saudável frente todas as cobranças, angústias e aflições decorrentes da estrutura social em que vivemos. O que ele não sabia era que, mesmo depois de mais de um século, essa frase continuaria trazendo alívio para a vida de pessoas como a gonçalense Kelly Cristina Lopes.

A arte sempre fez parte da vida da artesã de 44 anos, moradora de Neves. Mas nos últimos anos ganhou um lugar especial no seu coração. Kelly conta que antes de ser mãe, trabalhava como professora mas após a maternidade decidiu dedicar-se à sua verdadeira paixão, o artesanato. A artista começou trabalhando com a criação de bonecas realistas, mas logo descobriu o mundo dos ambientes em miniatura e rapidamente se afeiçoou por ele.

“Trabalho com maquetes há dois anos. Eu trabalhava como professora antes de ser mãe, mas quando tive meus filhos resolvi partir para o artesanato fazendo Bebês Reborn, bonecas realistas. Fiz até para a Grande Família, o bebê filho do Agostinho e da Bebel, mas de dois anos pra cá me apaixonei por ambientes em miniatura, transformando objetos simples, como arames, miçangas e tecidos, em maquetes. É muita dedicação porque tudo é muito pequeno e minucioso e ao mesmo tempo, rico em detalhes. Elas têm até iluminação e caixa de música. Eu compro os kits importados que vem tudo que preciso, retalhos, peças e tudo mais e monto com a ajuda de uma lupa”, explicou Kelly.

Segundo a gonçalense, sua ligação com a arte vem de família e seus trabalhos a transportam para uma época da qual ela lembra com muito carinho.

“Desde criança aprendi a fazer crochê com minha avó, cresci vendo minha mãe fazer bonecas de pano e enchia o corpinho das bonecas pra ela. Ela vendeu muitas bonecas também. Eu faço crochê, faço biscuit, bebês realistas e agora também trabalho com maquetes", revelou ela.

Mas a importância dessa bonita relação para sua vida não se resume ao resgate de memórias inocentes e alegres de uma infância que ficou para trás. Através do artesanato, Kelly foi capaz de encontrar forças para travar e vencer, com o apoio de seus amigos e familiares, uma dura batalha contra a depressão há dois anos. Além disso, no processo ela construiu valiosas relações e encontrou maneiras de contribuir para a renda de sua família em um tempo de crescente instabilidade econômica como é este que vive o Brasil com a pandemia do novo coronavírus.

“O artesanato sempre foi minha paixão, me salvou da depressão e da Síndrome do Pânico. Me fez reagir, sair de casa e procurar algo pra fazer. As maquetes me ajudam a aumentar a minha renda e ajudar meu marido, que me apoia em tudo que eu faço. Além de me fazer bem, o artesanato me faz sentir confortável quanto ao meu trabalho. Nesse período de pandemia foi difícil, mas como tenho meus clientes certos consegui vender alguns projetos e também quando anuncio alguma peça costumo vender bem rápido”, declarou a artista.

Como explicado pela psicóloga Sandra Isensse Torres, esse tipo de distúrbio mental atua sobre a psique da pessoa "sugando-a", por assim dizer, fazendo-a sentir-se exausta, acometida de uma angústia avassaladora e, por muitas vezes, paralisante.

“A gente tem a depressão endógena, que vem de um desequilíbrio funcional do organismo na sua parte fisiológica, e a depressão exógena, que é algo que o mundo traz para a pessoa, geralmente relacionada a perda e ao sentimento de culpa. Sempre causando esses sintomas de desânimo, menos-valia, baixa estima, muito pessimismo, muito medo da vida e sono desregulado, ou a pessoa tem insônia ou só dorme o dia inteiro”, elucidou Torres.

“Já a síndrome do pânico é causada por acúmulos de estresse e ansiedade. A pessoa vai soterrando esses sentimentos e uma hora vêm os sintomas, que podem ser falta de ar, sensação de desmaio, taquicardia… cada pessoa somatiza de uma maneira. O problema é que a pessoa passa a ter muito medo de sentir essas coisas e começa a evitar tudo que remeta aquilo, qualquer situação que possa trazer à tona esse medo de morrer, que rapidamente toma conta da pessoa que sofre de síndrome do pânico. Aí a pessoa passa a ter medo desse medo e rapidamente vai desistindo de situações sociais em que ela possa vir a se sentir exposta”, acrescentou.

Dessa forma, para as pessoas que sofrem com esse tipo de transtorno, a arte atua como um mecanismo de resistência, uma centelha de esperança que lhes permite reagir aos sintomas da doença e os motiva a enfrentar seus medos e angústias para poder seguir em frente.

“Normalmente, a pessoa precisa de acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico e da administração de ansiolíticos e antidepressivos. Mas, ela tem que tentar fazer alguma coisa por ela mesma também, dentro do que lhe for cabível e sem a exigência do outro, é claro, por uma vontade dela de fazer por si mesma. Os pacientes precisam tentar ‘desrespeitar’ os sintomas, o que é dificílimo, já que, se a pessoa tá mal, a tendência é se encolher na cama e ficar ali. Porque, se você começa a enfrentar, óbvio que mediante acompanhamento profissional e administração de medicamentos, a tendência é aos pouquinhos, você superar a doença. A arteterapia ajuda muito nisso. É o que a gente chama de terapia ocupacional, enquanto você está ali preocupado em acertar um ponto-cruz por exemplo, talvez você esteja se distanciando de pensamentos que te trazem um severo mal-estar”, defendeu a psicóloga.

Foi o que aconteceu com a Kelly, que graças ao artesanato hoje vive uma vida próspera e feliz, e conseguiu redescobrir maneiras de interagir com o mundo à sua volta.

“Hoje em dia estou super bem! Devido ao artesanato não tenho muitas crises de ansiedade, consigo interagir bem com meus clientes e sair de casa para entregar pessoalmente meus trabalhos aos que moram nas proximidades”, desabafou a artesã.

*Sob supervisão de Cyntia Fonseca

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