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Longe fisicamente, perto do coração: histórias de mães na linha de frente no combate à Covid-19

Mães e profissionais da saúde lidam diariamente com o medo da contaminação

relogio min de leitura | Escrito por Renata Sena | 09 de maio de 2021 - 09:30
Elaine Monnerat, Karine Rangel e Elizabeth dos Santos, mães e profissionais da saúde na linha de frente
Elaine Monnerat, Karine Rangel e Elizabeth dos Santos, mães e profissionais da saúde na linha de frente -

Para as mães, abraçar é quase sinônimo de proteção. Mas, pelo segundo ano consecutivo, não abraçar virou proteger mais. Em mais um Dia das Mães comemorado em plena pandemia, as mães que atuam na linha de frente na luta contra a Covid-19 dentro dos hospitais vão comemorar a data sem abraço, sem festa e ainda com muito medo. 

Mesmo vacinadas, as mães da saúde ainda não estão livres de contaminarem os seus, por isso, os cuidados permanecem junto às suas famílias, para que possam fazer todo o possível para que os amores de alguém volte para casa curado, como explicou a médica Elaine Monnerat B. Fanara, de 44 anos, atuante há 16 anos em atendimento na emergência. 

"Eu sempre falo que todo mundo é o amor da vida de alguém. E eu cuido dos pacientes como se eles fossem meus amores. Protejo meus amores como posso e cuido para que o amor dos outros volte para casa", explicou a médica, que enfrenta a pandemia desde o início, nos hospitais públicos de São Gonçalo. 

Imagem ilustrativa da imagem Longe fisicamente, perto do coração: histórias de mães na linha de frente no combate à Covid-19
 

"Todo mundo é o amor da vida de alguém. E eu cuido dos meus pacientes como se fossem os amores da minha vida"

Elaine Monnerat. Médica. 


Com os pais idosos, casada e mãe de duas meninas, de 16 e 21 anos, doutora Elaine pegou a Covid-19 ainda em abril de 2020. Quando tudo estava mais incerto que hoje e quando médicos e cientistas sabiam quase nada da doença, ela sentiu na pele o que seus pacientes narravam ao chegar à emergência. 

"Eu fiquei muito cansada, o corpo doía até de a roupa encostar. Mas, graças a Deus pude ser tratada em casa e após os 14 dias já estava aqui novamente, pronta para cuidar do próximo". 

Mesmo convivendo com a doença, a médica contou que nunca imaginou parar o ofício. "Em momento algum eu pensei em abandonar a parte médica. É o meu dom. Me mantive firme e confiante. O único momento que eu chorei de fato foi quando eu imaginei que minhas filhas pudessem ficar sozinhas. Aí toda mãe é igual e a gente não segura a barra. Mas foi um momento. Depois segui, me cuidei e esperei o dia de poder retornar para trabalhar". 

Para proteger a família, a receita é  sempre a mesma: isolamento e afastamento social. E é o que acontece há 14 meses dentro do lar da médica. Os pais foram para a Região dos Lagos em março de 2020, e permanecem lá, isolados do restante da família. 

"Nesse período eu vi meus pais quatro vezes. Sempre de longe, sem entrar na casa deles. A gente fica no quintal. Eu abdiquei, e ainda estou abdicando, muito tempo com minhas filhas, minha mãe - que tem 71 anos- para cuidar dos outros. Mas, Deus me deu esse dom, e por amor aos meus pacientes eu tenho que muitas vezes abrir mão da minha família para seguir em prol a outras famílias", contou. 

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A mãe médica seguirá cuidando de todos, e esse ano vai comemorar a data longe da mãe dela, mas o mais perto que a saúde permite.  "Ano passado nós não passamos o dia das mães juntas, mas esse ano eu vou lá. Vou almoçar no quintal enquanto ela fica dentro de casa. Mas vamos estar 'juntas'. De longe, mas perto". 

Já a enfermeira Elizabeth dos Santos Martins, de 40 anos, pode afirmar que foi Deus quem guardou sua filha, de 21 anos, já que ao pegar Covid-19, foi sua filha quem cuidou dela. 

Profissional da linha de frente, Beth, como é chamada pelas colegas num hospital Municipal de São Gonçalo, atua no CTI da Covid. Com 27 anos na área de saúde e 21 como enfermeira, a profissional, que tem comorbidades, ficou em estado grave e levou mais de 30 dias para se recuperar. 

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"Mesmo com todo conhecimento, a gente tem a sensação que vai morrer, e aí eu só pensava na minha filha" 

Elizabeth, enfermeira.

"Hoje, a gente sabe que eu tinha indicação de internação, mas como era tudo muito novo, sabíamos pouco, fiquei com medo. Eu só tenho um rim e a equipe médica preferiu me acompanhar de casa. Como eu também tenho uma doença autoimune, meu organismo não respondia à medicação e eu precisei de quatro antibióticos diferentes para começar a melhorar. Eu só pensava na minha filha". 

A mãe da enfermeira, acompanhou o quadro da filha por videochamadas. 

"Moramos eu e minha filha, e seguimos juntas. Claro que me isolei como pude, mas foi ela quem cuidou de mim. Minha mãe tem 61 anos e a mantive longe. Ela chorava muito pelas ligações, mas eu seguia confiante. Tive medo, claro. A sensação é de que você vai morrer. Mesmo com todo conhecimento,  a sensação é essa. A gente só pensa nos filhos. Eu pensava na minha filha", contou a mãe enfermeira. 

Mas, apesar da luta para sobreviver dela ter sido árdua e longa, abandonar a profissão, nunca foi cogitado. "Mas ainda assim desistir nunca foi uma possibilidade. Eu nasci para ser  enfermeira e não me vejo fazendo outra coisa. Fiquei boa e voltei para a ativa", contou a profissional, que também vai passar mais um dia das mães sem poder abraçar sua mãe, ou receber um abraço de sua filha. 

"A gente já recebeu a vacina, mas nossos filhos não, né? Eu não posso colocar minha filha em risco. Então, apesar do alívio de nossa parte, ainda existe um medo muito grande pela minha filha", finalizou a profissional. 

Encontrar profissionais da linha de frente da saúde que não tenha tido a Covid-19 em São Gonçalo parece ser uma missão impossível, mas encontrar profissionais que só podem contar com a proteção divina para guardar a família é bem comum. Como é  o caso da coordenadora de RH de um hospital de São Gonçalo. 

Karine Rangel, de 34 anos, é mãe de uma menina de cinco anos, que fica sob os cuidados das avós, materna e paterna, para Karine trabalhar. 

"Tanto minha mãe, que tem 59 anos, quanto minha sogra, com 60, têm comorbidades.  Elas ficam com minha filha, então meu medo é triplicado. Mas Deus me abençoou tanto, que eu fiquei assintomática e ninguém da minha família se contaminou", contou ela, responsável por pegar os atestados dos profissionais afastados. 

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"A vacina traz alívio por nós, mas e minha filha? O medo é  contaminar quem mais amamos nesse mundo"

Karine,  rh.

"Eu tive contato com quase todos os médicos, enfermeiros, profissionais da limpeza, técnicos, todos do hospital que pegaram e se afastaram tinham contato comigo. Com todos os cuidados e protocolos, mas a gente trabalha sabendo que a qualquer momento pode ser a gente". 

Karine não sentiu nenhum sintoma durante o período de contágio, mas algum tempo depois passou a ter alteração no paladar, sentindo gosto ruim nos alimentos e um cansaço forte. Uma médica a alertou sobre os sintomas pós Covid-19 e ao fazer um exame ela constatou que tinha tido contato com o vírus. 

Hoje, a jovem mãe também está vacinada, mas divide o mesmo sentimento que as colegas de trabalho. 

"Minha mãe tomou a primeira dose, minha sogra também. Mas e minha filha? A gente sabe que a vacina não impede de passar para terceiros, então a gente segue com medo de contaminar quem mais amamos nesse mundo", contou a profissional, que vai poder passar o dia das mãe em família, apesar do medo. 

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Mesmo com todas as dificuldades, os medos e as incertezas, as mães da saúde mostram que amor de mãe se multiplica e atinge até quem não é filho. De uma mãe para a outra, o desejo é de esperança e certeza que tudo isso vai passar.

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