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Sonho interrompido: famílias aguardam as chaves da casa própria há quase dois anos em Vista Alegre

Mais de 200 famílias são afetadas com a situação

relogio min de leitura | Escrito por Ana Carolina Moraes | 05 de maio de 2021 - 09:22
Algumas das famílias envolvidas se mostraram insatisfeitas com o caso
Algumas das famílias envolvidas se mostraram insatisfeitas com o caso -

O sonho da casa e do apartamento próprio acontece para diversas pessoas todos os dias pelo Brasil. Em São Gonçalo, isso não é diferente. Mas, para mais de 260 famílias que investiram seu dinheiro na compra de apartamentos no Residencial Águas de Guanabara, localizado em Vista Alegre, São Gonçalo, o pesadelo do aluguel parece não ter fim. Muitas dessas famílias compraram seus apartamentos em 2017, outras em 2018 e 2019, mas todos dividem o mesmo problema: não conseguem receber as chaves do imóvel, prometidas pela primeira vez desde dezembro de 2019. A situação já dura quase dois anos e os compradores já não sabem mais o que fazer. 

Placas e cartazes foram feitos mostrando o descontentamento da população com o caso
Placas e cartazes foram feitos mostrando o descontentamento da população com o caso |  Foto: Filipe Aguiar
 

A técnica de enfermagem Ana Paula Policarpo, de 39 anos, comprou um imóvel em 2017 e conseguiu o contrato de financiamento pré-aprovado com a Caixa Econômica Federal em 2018. Ela informou que, na época, a previsão de entrega era em dezembro de 2019, mas isso não ocorreu. "Quando eu comprei estava ainda na terra, na planta. Eles prometeram para o final de 2019 e esperamos até lá. Em dezembro de 2019, então, aguardávamos a chave, mas ninguém nos avisou nada. Depois de muito tempo, ficamos sabendo que a ViaSul Engenharia, empresa responsável pela construção dos imóveis, tinha um prazo de tolerância para entrega da obra de mais 180 dias após dezembro e isso estava no contrato. Então, aguardamos até julho de 2020, que seria o prazo final para que a empresa concluísse a construção civil. No final de julho, marcaram a vistoria com alguns moradores da fase 1 e 2 do residencial e começaram a cobrar algumas taxas de obra, entre outras, informando que só dariam as chaves do local para quem tivesse pago essas taxas. Pagamos, eu fiz minha vistoria em julho, não havia pendência, lacramos o apartamento e esperamos que as chaves fossem entregues. A próxima previsão, então, era de que nos dariam essa chave em agosto", contou ele.

Ana Paula e outros moradores que fizeram suas vistorias, passaram, então, a comprar móveis para seus apartamentos, acreditando que conseguiriam se mudar em agosto de 2020. "Muita gente comprou móveis nesse tempo para trazer para cá, incluindo fogões e geladeiras também. Em agosto, não avisaram nada para a gente sobre as chaves. Aí remarcaram a entrega das chaves para setembro, depois para outubro e depois pararam de falar. Nesse meio tempo, quem comprou os móveis perdeu o prazo de montagem e o produto em si, já que esperava colocar na casa nova e permaneceu na casa antiga, no aluguel. O último prazo que nos deram foi em abril de 2021, marcaram para pegarmos as chaves nos dias 30 de abril e 01 de maio, mas um dia antes mandaram e-mail desmarcando. É um descaso!", contou a técnica de enfermagem. 

Algumas famílias estão há quase dois anos esperando por seu apartamento
Algumas famílias estão há quase dois anos esperando por seu apartamento |  Foto: Filipe Aguiar
 

Segundo a farmacêutica Danielle de Moraes, de 32 anos, a construtora alega que o apartamento não foi entregue ainda por questões com as concessionárias Enel e Cedae. "Com relação à Cedae, o problema foi resolvido em 2020, então, temos água. Mas, com relação à Enel, disseram que ainda não ligaram a energia elétrica do residencial. Têm até ações na Justiça das empresas sobre o caso, mas nunca nada foi resolvido e nós que pagamos por isso. Com relação às taxas, continuam cobrando, mesmo após o fim da obra e com o apartamento pronto. Eu tive que pegar empréstimo para conseguir pagar essa taxa que, até então, não existia para mim. Se eu não pagasse a taxa, a ViaSul disse que eu poderia não receber o meu apartamento. Fica nessa luta de uma empresa jogando a culpa para a outra e não nos dão nenhuma satisfação", relatou.

Diversas famílias que compraram um apartamento no Residencial Águas de Guanabara agora estão com dívidas para poder quitar as taxas exigidas. A auxiliar de produção Anathália dos Santos Vieira, de 29 anos, e seu marido Ricardo Perreira, de 34 anos, tem dois filhos (um menino de seis anos e uma bebê de dois meses) e desde 2018 aguardam a entrega, continuando no aluguel. "A gente paga luz, água, aluguel e ainda temos que pagar a taxa de obra da construtora que não havia anteriormente. Com duas crianças pequena,s estamos praticamente sobrevivendo. Não conseguimos comprar nada e temos sempre que atrasar uma conta, pois o dinheiro no final do mês não sobra. Podemos entrar em colapso por não ter mais dinheiro", contou Ricardo, que é autônomo. 

Placas e cartazes foram feitos mostrando o descontentamento da população com o caso
Placas e cartazes foram feitos mostrando o descontentamento da população com o caso |  Foto: Filipe Aguiar
 

Cristina Neves, de 33 anos, também sofre com a situação e só deseja um lar próprio para que seus filhos cresçam com saúde e segurança. "Comprei o meu apartamento em outubro de 2020, por isso, ainda estou dentro do prazo do contrato, só que eles não informam nada, não avisam. Tem gente que já comprou o apartamento, mas na pandemia está vivendo com o dinheiro do auxílio emergencial e não tem condições de se manter. Se existe problema com a Enel, isso é entre eles e a Enel", ressalta a autônoma. 

A indignação dos futuros moradores resultou em processos judiciais contra a ViaSul Engenharia. O advogado Ozeas Melo, de 60 anos, é um dos que representa mais de 40 famílias nas ações contra a construtora.

"Eles prometeram inicialmente os apartamentos em dezembro de 2019 e, mesmo com o prazo de tolerância de mais 180 dias, já passou e não informaram nada. A ViaSul chegou a dar desculpas sobre a pandemia em 2020, mas, independente disso, já estavam atrasados em três meses antes e as obras continuaram, já que, segundo decretos, a construção civil foi considerada um serviço essencial. Agora, a construtora vem seguidas vezes informando sobre a entrega das chaves, chega no dia anterior, suspendem o combinado. Além disso, a ViaSul começou a cobrar taxas de despachante, o que é contrário ao item 4.1.4 do quadro de resumos do contrato com os clientes que diz que as taxas da entrega das chaves são de zero reais. No item 6.2 na parte de cláusulas e condições no mesmo contrato, no entanto, dizem que os clientes tem que pagar as taxas. Isso é confuso, as taxas e juros são pagos anteriormente. De acordo com o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, a interpretação das cláusulas devem se dar seguindo a favor do consumidor, o que não ocorre aqui. A construtora transfere, inclusive, o problema com a Enel para os clientes, já que pedem que liguem e cobrem a fornecedora de luz pela resolução do caso", explicou Ozeas, que atua na área da advocacia há 21 anos.

Procurada, a ViaSul Engenharia se posicionou e explicou sua versão sobre a demora na entrega das chaves:

"A ViaSul Engenharia esclarece que, quando foi marcada a entrega das chaves, no final de abril de 2021, foi considerada uma ordem judicial em cumprimento para ativação de energia elétrica no empreendimento Águas de Guanabara. Infelizmente, o que foi constatado é que nenhum dos prazos fornecidos pela concessionária se cumpriu.

Reforçando o compromisso com a transparência e respeito a todos os clientes, a ViaSul suspendeu, temporariamente, a entrega das chaves, visando a segurança de todos os futuros moradores, tendo em vista a importância de liberar as unidades habitacionais com os apartamentos totalmente aptos para moradia.

Em relação ao incentivo para abertura de reclamação dos clientes, diretamente na concessionária, informamos que o intuito da ViaSul, de forma alguma, foi de transferir responsabilidades, mas o de mobilizar os futuros moradores em prol da questão. A empresa está tomando todas as providências cabíveis nas esferas jurídica e administrativa para que a Enel execute a ligação da energia o quanto antes no empreendimento. Nesse sentido, a ViaSul antecipou 80% das vistorias para agilizar os trâmites no ato da entrega das chaves.

Sobre taxas praticadas, a ViaSul Engenharia segue rigorosamente o definido em contrato entre as partes envolvidas e se coloca à disposição, por meio de seus canais de atendimento, para qualquer dúvida referente aos cálculos e detalhamento dos contratos", informou a empresa.

Já a Enel, também foi procurada pela nossa equipe e informou seu posicionamento sobre o caso. "A Enel Distribuição Rio esclarece que as obras na rede elétrica necessárias para a conexão do condomínio exigem o licenciamento por parte de órgãos como a ANTT e Prefeitura de São Gonçalo e que a complexidade no processo de obtenção das autorizações impediu que a Enel iniciasse a obra anteriormente.

Em agosto de 2020, após a construtora cumprir suas obrigações no processo de solicitação da obra, a Enel Distribuição Rio realizou os estudos para viabilizar as intervenções. Em razão da complexidade técnica do projeto e da necessidade de autorização de outros órgãos, a distribuidora vem atuando em parceria com a Prefeitura de São Gonçalo e com a concessionária Arteris Fluminense, que também precisou ser envolvida, uma vez que a obra impacta uma área sob a responsabilidade da rodovia.

A Enel Rio tem tratado o caso com a máxima prioridade e as intervenções serão realizadas em caráter emergencial, com previsão de término na primeira quinzena de julho", dizia a nota.

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