Autores na pandemia | Tacy Muniz lançará seu romance apenas em 2021
Personagens femininas de 'P.S. Ana Clara' tem personalidades de membros do Queen

Por Rennan Rebello
Embora haja uma retomada gradual das atividades econômicas, ainda há restrições para eventos com aglomerações. Desta forma, escritores acabam sendo prejudicados no lançamento de seus livros já que nestas ocasiões é uma ótima oportunidade para efetuar boas vendas além de se ter uma maior aproximação com seus leitores. Partindo desta premissa, O SÃO GONÇALO, entrevista autores independentes que estão prestes a lançarem suas obras a fim de saber como estão contornando esta situação adversa ocasionado pelo novo coronavírus (covid-19).
O segundo capítulo da série Autores na Pandemia tem a escritora Tacy Muniz, 36, como entrevistada. A paranaense que trabalha em secretaria escolar, em Londrina, Norte do Paraná, está prestes de lançar seu primeiro romance intitulado como 'P.S. Ana Clara', pela editora Madrepérola no mercado nacional. O lançamento aconteceria neste ano mas, por conta do risco de contágio pela covid, o evento está programado para acontecer em idos de 2021.
"Não há como ficar indiferente à pandemia. Afetou tanto minha vida profissional, quanto a de escritora. Trabalho em secretaria escolar e, devido à suspensão das aulas, agora fazemos escalas de atendimento ao público, com o intuito de resguardar a saúde dos servidores da escola, e também dos pais e alunos. Em relação à carreira de escritora, a pandemia não afetou propriamente o meu processo de escrita, porque meu livro já havia sido encaminhado para a editora. No entanto, o lançamento, previsto para o fim do ano, está caminhando para o início do ano que vem. Resolvi lançar o livro apenas em 2021 por conta do meu desejo de realizar um evento com público. Pesa o fato de que um lançamento presencial geralmente leva a uma vendagem melhor. Mas há também a questão afetiva. Levei 36 anos para escrever meu primeiro livro, e lançá-lo na presença de amigos e familiares é um sonho antigo. Claro que, se a pandemia se estender para além do início do ano que vem, faremos o lançamento online mesmo", explicou a autora que, em entrevista ao OSG, também deu detalhes sobre 'P.S. Ana Clara'.
"Em resumo, fala da elaboração de luto e também do desejo de pertencimento, de reconhecimento. A protagonista, que dá nome ao livro, é fruto de um relacionamento extraconjugal. Seu pai, um político conservador, sempre soube da existência da garota, porém, só assumiu a filha praticamente em seu leito de morte. Mas em seus anos promissores, manteve amante e filha sempre à margem, preferindo exibir para a sociedade a sua "família tradicional", com sua esposa e as três filhas que foram os frutos de seu casamento. Dessas filhas, apenas uma acolheu e protegeu Ana Clara prontamente: Verônica, justamente a irmã que falece precocemente, levando consigo a chance de Ana Clara finalmente conquistar naquela família o espaço que lhe cabia por direito. A protagonista terá, sim, outra oportunidade de se integrar à "família oficial" do pai, porém, este processo será mais lento e doloroso do que ela gostaria", detalhou.
Apesar da paixão pela leitura ser antiga, o ato de escrever um livro, de Tacy, veio por meio da dor, a perda de um grande amigo. O seu luto acabou sendo superado através da escrita. Em paralelo, as personalidades dos integrantes originais da banda de rock inglesa, Queen: o vocalista Fredie Mercury (1946-1991), o guitarrista Brian May, o bateria Roger Taylor e principalmente do baixista John Deacon, foram determinantes para que a composição das personagens femininas de sua trama.
"Eu tive um grande amigo e chefe, que em agosto de 2018 descobriu um câncer já em estado de metástase. Foi um pesadelo. Ele veio a falecer no dia 22 de novembro daquele mesmo ano (por coincidência, dois dias antes do aniversário de morte de Freddie Mercury). Coincidentemente, o filme Bohemian Rhapsody havia estreado havia pouco tempo quando meu amigo faleceu, e assistir ao Freddie naquele processo de descobrir que estava com AIDS, bem como a tristeza dos outros integrantes da banda, conversou profundamente comigo. Eu me transportei para a pele do Deacon, do May e do Taylor, imaginando como eles conseguiram parecer fortes diante de um Freddie cada vez mais debilitado, naqueles momentos que a gente se segura para não desabar na frente da pessoa que está indo embora para sempre e nada pode ser feito para impedir que isso aconteça. E eu soube que o Deacon foi o mais emocionalmente afetado com a morte do Freddie. Depois da morte do Mercury, a banda perdeu o sentido para o baixista, ele finalizou os compromissos contratuais com a banda e se tornou recluso. Comigo foi mais ou menos assim também. Entrei em depressão e não consegui mais continuar trabalhando na mesma escola em que meu amigo era diretor. Foi muito difícil. Mas de todos esses fatores perfeitamente alinhados, o livro nasceu", relembrou.
O fato da obra ter mulheres com comportamentos inspirados em homens. A romancista explica que a escolha foi por uma questão de possuir mais conhecimento sobre o universo feminino. "Quanto a emprestar a personalidade dos membros da banda para personagens femininas, acredito que isso aconteceu porque eu "falei" da minha dor por meio da Ana Clara - uma mulher. Acreditei que eu conseguiria exprimir melhor meus sentimentos se os emprestasse a uma personagem feminina. E, por consequência, faria mais sentido que ela interagisse com outras mulheres. Porém, há mais uma questão que devo admitir: como este é meu primeiro livro, e sou muito preocupada com a construção psicológica dos personagens, eu me senti mais segura criando personagens femininas. Tenho pesquisado, estudado, tenho lido um bocado, porque em meu segundo livro pretendo criar protagonistas masculinos fortes. É preciso evoluir, eu reconheço, pontuou.
A priori o período tem apenas planejamento previsto para ser lançado oficialmente, em Londrina, porém, Tacy, não descarta promover lançamentos em outros lugares mesmo com a possibilidade de venda virtual. "Para o lançamento físico, a princípio tenho em vista apenas Londrina, o que abrangerá a região. Mas se houver um bom retorno, posso conversar com a editora Madrepérola sobre a possibilidade de irmos lançar a obra em outros lugares. Seria fantástico. Mas o livro será vendido em livrarias locais e pela internet. A Madrepérola irá disponibilizá-lo tanto em seu site, quanto na Amazon", destacou.
Pós-pandemia - Enquanto espera o risco de contágio do novo coronavírus ser erradicado para poder fazer, enfim, o lançamento de seu primeiro romance com segurança. Tacy já pensa em um segundo livro, que abordará um amor entre homem negro e uma mulher branca.
Por envolver o conceito racial neste projeto, ela está estudando muito sobre esta temática a fim de não ser mal interpretada. Inclusive, Tacy, assinou o artigo 'Diálogo entre recordações do escrivão Isaías Caminha e a maldição de Canaan: o preconceito racial na sociedade brasileiro sob a ótica do anti-herói derrotado' onde analisa os romances do carioca Lima Barreto e pernambucano Romeu Crusoé, respectivamente, e discorre sobre o racismo no Brasil na concepção dos escritores.
"Ainda não tenho um título para este livro. Mas pretendo escrever uma história de amor inter racial. Um negro e uma branca, ambos socialmente e moralmente tolhidos, cada um de uma forma específica. Minha preocupação, no entanto, é como retratar esse personagem negro sem ser prepotente, sem tentar ocupar o lugar de fala da negritude, porque, embora eu queira por a mão na ferida, assim como Djamila Ribeiro (feminista negra e mestre em filosofia política) nos encoraja a fazer, eu preciso fazer isto do meu lugar de fala de branquitude. Espero que eu dê conta. Tomarei bastante cuidado", finalizou.