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Quem vai salvar a Fazenda?

Cansados do jogo de empurra das autoridades, moradores de São Gonçalo farão um grande protesto

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 11 de outubro de 2015 - 21:21

Sem segurança, a sede da Fazenda Colubandê, às margens da RJ-104, tem sido invadida constantemente por vândalos e usuários de droga. Até preservativos podem ser encontrados no interior do prédio

Foto: Leonardo Ferraz

Por: Cyntia Fonseca

A preservação e restauração da Fazenda Colubandê, em São Gonçalo, tem sido alvo de discussões por anos. Porém o jogo de empurra das autoridades continua, e a degradação com o tempo tende a aumentar. Inconformados com a situação de abandono do patrimônio, um grupo de moradores e defensores da preservação do local organizam nas redes sociais uma grande manifestação para o dia 8 de novembro a partir das 9h.

Responsável por organizar a manifestação, a professora Mansuária de Araújo, espera não somente chamar a atenção das autoridades, mas também dos moradores para que haja mais conscientização.

“Estaremos de roupas pretas e cobriremos a fachada com faixas da mesma cor. Vamos recolher assinaturas para encaminhar aos órgãos competentes e depois pretendemos ocupar as ruas do entorno. Gostaria de salientar que o nosso ato não tem pretensões políticas. A questão do abandono do nosso patrimônio não esbarra somente na perda da memória, mas também na segurança da população”, declarou a professora.

Sem segurança, a sede da Fazenda Colubandê, às margens da RJ-104, tem sido invadida constantemente por vândalos e usuários de droga. Até preservativos podem ser encontrados no interior do prédio
Sem segurança, a sede da Fazenda Colubandê, às margens da RJ-104, tem sido invadida constantemente por vândalos e usuários de droga. Até preservativos podem ser encontrados no interior do prédio

Antes administrada pelo extinto Batalhão de Polícia Florestal e de Meio Ambienbte (BPFMA), que funcionava no local, desde 2012 a Fazenda Colubandê está sob a responsabilidade da Secretaria Estadual de Planejamento (Seplag). Em maio deste ano, o juiz federal Fabio Tenenblat, da 3ª Vara Federal de São Gonçalo, sentenciou a recuperação do patrimônio com um prazo de 120 dias para que o Governo do Estado e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) apresentasse um projeto.

Em nota, a assessoria da Seplag informou que “o termo de referência para licitação do projeto executivo do restauro do casarão e da capela da Fazenda Colubandê já foi encaminhado ao juiz”.

Segundo o documento expedido pelo Ministério Público Federal, o prazo fixado para que seja concluída a elaboração do projeto executivo é 31 de dezembro de 2015; e o valor disponibilizado pelo Estado foi de quase R$185 mil.

Já a assessoria do Iphan declarou que está aguardando o envio do projeto de restauração para que possa analisar e, eventualmente, aprovar.

A Prefeitura de São Gonçalo informou, por sua vez, que “está à disposição do Governo do Estado para o que for necessário”.
Destino parecido - Tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural (Inepac) em 1998, a Fazenda do Engenho Novo, em Monjolos, esteve em situação parecida. Tendo servido de cenário para séries televisivas, atualmente quase nada sobrou da estrutura original.

Séculos de história jogados no lixo

Um dos monumentos históricos mais importantes da cidade, o local que já foi badalado ponto turístico e alvo de pesquisas de centenas de estudantes, hoje vive em completo abandono. Datada do século XVII, de acordo com historiadores, a Fazenda Colubandê foi, nos últimos meses, invadida, saqueada e frequentemente tem sido usada até por usuários de drogas e vândalos.

Para constatar tudo isso, basta uma breve visita. Já na entrada, a guarita onde era feito o controle de acesso, foi abandonada. No interior da fazenda, o vazio denuncia que mobília, lustres, portas, janelas e tantas outras peças históricas simplesmente desapareceram. Além de muito lixo, podem ser encontrados preservativos em quase todas as salas.

Na Capela de Santana, que fica na mesma propriedade, o mesmo caos. Já não resta um banco de madeira sequer, e todas as peças do altar foram furtadas. Do lado de fora, a única parte ainda preservada é o painel de Djanira, pintado em homenagem às mulheres na década de 1960. A piscina, que não teve a mesma sorte, se transformou em depósito de aparelhos de ar-condicionado e computadores velhos.

No chamado “Bosque da Saudade” - onde cada árvore representa um policial morto em defesa do meio ambiente - o mato alto revela que o local não recebe capina há um tempo. Mesmo assim, alguns estudantes podem ser vistos namorando livremente por ali à luz do dia.

Comunidade quer ações

Enquanto o poder público não soluciona o processo de deterioração do patrimônio, os moradores buscam alternativas por conta própria. Uma delas é o projeto “Cinema da Fazenda”, em funcionamento desde o ano passado. Viabilizado pela Drix Filmes & Comunicação, todo último sábado do mês, o espaço ao ar livre entre a Casa Grande e a Capela de Santana vira uma sala de cinema, com sessões para adultos e crianças.

Segundo um dos organizadores, o advogado Rodrigo Romero, o projeto enxerga a fazenda como um polo cultural que precisa ser ocupado pela população.

“Acreditamos que a educação é o meio de construção da verdadeira cidadania e, a partir disso, utilizamos o cinema como linguagem para desenvolver a consciência crítica e ampliar os horizontes daqueles que hoje se encontram com menor acesso às atividades culturais, de lazer e de educação. Escolher a fazenda para realizar as projeções complementa este posicionamento participativo e aponta a urgência na revitalização e proteção da Fazenda Colubandê, nosso patrimônio cultural”, afirmou Rodrigo, que inscreveu o projeto na Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet).

Morador da Trindade, o historiador Luciano Tardock ressalta a importância histórica do conjunto arquitetônico.

“Não temos um momento exato da construção da fazenda, porém a data mais aproximada se refere aos últimos anos do século XVI ou dos primeiros do século XVII. A capela, nós sabemos que foi erguida em 1618, construída para o batizado de Gregório Mendes, filho do senhor da fazenda, Duarte Ramirez. Era um momento de primeiro povoamento da região, possivelmente encabeçando a produção açucareira por aqui”, explicou.

Para o pesquisador, além de perder parte da história da cidade, a deterioração da fazenda representa um desperdício em relação ao turismo e à cultura da cidade.

“O abandono do poder público é um fato confuso, total falta de visão política e de potencial turístico para a região. O que acontece é o mesmo discurso de sempre de que projetos estão sendo estudados e analisados, mas só isso”, criticou Rodrigo Tardock.

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