Instagram Facebook Twitter Whatsapp
Dólar R$ 5,1957 | Euro R$ 5,5298
Search

Eles têm muita disposição!!!

Rola Cansada reúne ‘craques’ todos os domingos pela manhã, no Estelino

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 14 de novembro de 2015 - 18:53

Antes de iniciarem a pelada, tradicionalmente o grupo se une para a oração no Campo do Estelino, no Laranjal, onde jogam há 13 anos

Foto: Kiko Charret

Por Cyntia Fonseca, Elena Wesley e Matheus Merlim

“Isso aqui é a nossa cachaça!”. Palavras de Russo, peladeiro de 59 anos, um dos 52 ‘atletas’ do Rola Cansada Futebol Clube que, todo domingo, madrugam para estar às 5h30 no campo do Seu Estelino, no Laranjal, e assim garantir uma vaga entre os titulares. Fundado há 21 anos, o grupo apresenta concorrência acirrada, de colocar inveja em muita equipe profissional. No último encontro, às 6h10, enquanto um galo preguiçoso ainda cacarejava timidamente, a lista dos 22 titulares já estava definida.

Mais curiosa do que a disposição dos veteranos é o nome de batismo do ‘escrete’. O escudo pintado nas camisas cinza e grená dá ainda mais vida à brincadeira: um pênis barbudo e de óculos descansa numa cadeira de rodas, coberto por uma ‘manta’ xadrez. As tentativas de explicação rendem, é claro, gargalhadas e gozações.

“Ainda bem que o pessoal joga bem. Imagine se o time, além de ter aquilo cansado, ainda fosse ruim de bola”, caçoa o diretor Henrique Soares, de 43 anos.
Lacôrte, o mais experiente do grupo e que comanda o ataque aos 67 anos, faz ressalvas: “É cansada, não rola morta”, frisa.

Segundo Roberto, 49 anos, um dos fundadores do Rola, a piada os fez conhecidos na região. “O clube surgiu no morro da Lagoa Seca. Quando a galera de lá desanimou, passamos a jogar aqui no Campo do Seu Estelino. É grande a fila de espera para participar”, garante ele, um dos poucos da ‘antiga’ que ainda entra em campo, “quando o joelho permite”.

Na contramão dos veteranos, Alexandre e Guilherme, ambos com 26 anos, se sentem agraciados por fazer parte do grupo. O estatuto do clube, elaborado há cinco anos, estabelece a idade mínima de 30 anos para ingresso. Mas, a necessidade de substituir quem pendura as chuteiras permitiu que filhos e sobrinhos conquistassem uma vaguinha.

“Aqui rola o gato ao contrário”, explica Henrique, em alusão à prática recorrente no futebol profissional em outras décadas, quando um jogador diminuía a idade, a fim de integrar categorias de base cuja faixa etária limite ele já teria ultrapassado.

Filho do também meia Rogerinho, o Rato, Guilherme começou como goleiro, onde atuou por quatro anos até ser ‘promovido’ para a linha. “Fui morar em Brasília por dois anos, mas quando voltei, me receberam de braços abertos. Eu tinha cativado o grupo”, conta, orgulhoso.

Caçula do time por apenas seis meses de diferença em relação a Guilherme, Alexandre entrou como juiz até ser ‘contratado’ como jogador no ano passado.

“Deu confusão por causa da diferença de idade, mas hoje ninguém quer me perder (risos). A gente que é mais novo tem o maior respeito pelos mais antigos e todo um cuidado na hora de marcar. Fica só cercando, para não correr o risco de machucar alguém”, garante o meia.

Os exemplos servem de inspiração ao filho mais novo de Rogerinho, Daniel, de 17 anos. Torcedor assíduo, o estudante também ‘madruga’ para acompanhar as partidas, na expectativa de trilhar os mesmos passos do irmão Guilherme.

“Há muita gente que deseja jogar no Rola, então eu venho todos os domingos, na esperança de que alguém falte e eu comece a cavar meu espaço também. Não posso deixar que esqueçam de mim”, afirma, esperançoso.

Rogerinho, o ‘Neymar’ gonçalense

A cada mês, metade do elenco do Rola Cansada tem motivos para comemorar: aqueles que ficam ao mesmo lado de Rogerinho, o Rato, apelido do qual não é muito fã, mas que os colegas insistem em reforçar. Seja qual for a forma pela qual é chamado, o futebol do meia é inconfundível. Nas década de 1980 e 1990, ele era celebridade entre boleiros da região.

O currículo é extenso: categorias de base do América-RJ, Cosmos, por onde disputou a 2ª Divisão Estadual, passagens pelo Dom Hélder e Tamoio, todos em São Gonçalo, além do Motorista, de Rio Bonito, e por aí vai...

“Eu era novo, cheio de disposição. Jogava de manhã e de tarde, onde me chamassem”. O reconhecimento do público, no entanto, não lhe fazia perder a humildade, as origens, tampouco o prazer de ser peladeiro.

“Não interessava qual era o convite do clube, desde que eu pudesse jogar no Rola”.

Com tantas disputas na carreira, fica difícil para o craque escolher a temporada mais marcante. “Foi no São José, de Itaboraí. Fomos tricampeões invictos no torneio municipal. O time todo era bom”, destaca.

“Ele fazia todas essas jogadas de efeito que as pessoas exaltam no Neymar hoje. Era o terror, artilheiro ano após ano. O campo vivia lotado, todo mundo queria vê-lo jogar. Seu Estelino, já falecido, organizava excursão para as partidas. Dava quase 20 ônibus, com gente até de outros estados”, conta Gesuíno, que defendeu o Olaria entre 1979 e 1981. Zagueiro pelo Rola Cansada, o peladeiro de 50 anos acrescenta que, assim como Neymar, Rogerinho também era ‘perseguido’ em campo.

“Eu sei que ele não gostava de jogar contra mim, pois sabia que eu chegava duro. Agora eu só ando em campo”, lamenta Gesuíno.

Rogerinho pontua que as semelhanças com Neymar se restringiam apenas aos dribles, já que a fama do período nem se comparava aos luxos e mimos dos jogadores atuais. A vontade de jogar futebol era imensurável, a ponto do meio-campista exigir ‘favores’ como pagamento. “Não havia salário. Meu pagamento eram móveis, eletrodomésticos, obras. Assim conquistamos o que temos hoje: a casa da minha mãe, a minha, até mesmo a formação de uma sobrinha”, revela Rogerinho.

O filho primogênito, Guilherme, chegou a defender o Cruzeiro, mas desistiu. Hoje, pai e filho se enfrentam ou se ajudam no Rola Cansada, de acordo com o sorteio do mês. “Não é bom jogar contra o filho. Prefiro quando ele está no meu time”, afirma.

Rogerinho e o filho Guilherme
Fundadores: Roberto e Russo

Matérias Relacionadas