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Bairros de São Gonçalo, Niterói e Itaboraí estão sitiados por barricadas

Jardim Catarina é alvo principal dos traficantes

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 13 de novembro de 2017 - 09:55
Ruas têm sido ocupadas por barricadas de traficantes
Ruas têm sido ocupadas por barricadas de traficantes -

Por Elena Wesley / Colaboração: Bruna Sotero

Sacos de areia, pedaços de madeira e arame farpado. Distribuídos em valas, estes materiais representaram a ‘residência’ de milhões de combatentes da Primeira Guerra Mundial, durante os quatro anos em que países disputaram territórios trecho a trecho na Europa no século XX.

Eram nas ‘trincheiras’ que os combatentes de ambos os lados conquistavam o terreno inimigo. Cem anos depois deste significante episódio, as barricadas continuam a ser utilizadas como ferramenta de disputa; desta vez, nos espaços urbanos, onde a política de combate às drogas também se configura num conflito, onde um dos lados - o do tráfico de drogas - adota o uso de obstáculos para impedir a circulação e o avanço de viaturas policiais nas áreas dominadas.

De primeiro de janeiro a 9 de novembro de 2017, o Disque-Denúncia registrou 6.657 casos de ‘barricadas’ no Estado do Rio. São Gonçalo é o segundo município com a maior incidência: 1.503 denúncias, o que equivale a 22% do total.

Diante desse cenário, o O SÃO GONÇALO lança um canal de comunicação exclusivo para que o cidadão possa denunciar novas barricadas na sua comunidade. As informações mapeadas serão utilizadas para a confecção de um mapa das áreas em conflito e repassadas à Secretaria de Segurança, com garantia total do anonimato. O serviço já está disponível pelo número de WhatsApp 21-97220-6423.

De acordo com o comandante do 12ºBPM (Niterói), coronel Márcio Rocha, iniciativas como essa podem aproximar ainda mais a população dos órgãos de segurança.

“Todo canal aberto à participação popular é bem-vindo. Principalmente quando há sigilo dos dados pessoais do informante. Recebemos muitos relatos por meio das redes sociais, grupos de whatsapp, Disque-Denúncia e pelo telefone da central. A frequência está reduzida atualmente, mas, quando assumimos, há um ano, o quadro era significativo. Hoje, encontramos o problema somente no Complexo do Caramujo”, afirma.

Cidade sitiada - Ao contrário do escasso material disponível aos soldados da Primeira Guerra, os criminosos da Região Metropolitana têm à mão entulhos, carcaças de veículos, galhos de árvores, geladeiras, móveis e até mesmo fragmentos da extinta linha ferroviária, para interditar as ruas de comunidades da região. Na tentativa de dificultar a ação de policiais, traficantes prejudicam o dia a dia da população no acesso a serviços públicos básicos, como acionar ambulâncias e receber encomendas.

O entregador P.A. (nome fictício) adiciona frequentemente um endereço novo à lista de locais ‘proibidos’. “Moro em São Gonçalo há mais de 15 anos e nunca imaginei ver isso acontecer nessa proporção e em certos bairros considerados tranquilos. O próprio Jardim Catarina costumava ter barricadas na Rua 39. Agora, já vejo na divisa com Trindade, próximo ao local que receberia o estádio e já estão quase chegando na Albino Imparato, que é a rua principal. Laranjal, Santa Luzia, Guaxindiba estão tomados por barreiras. Agravou muito de uns três anos pra cá. A cidade está sitiada, a gente vai se adaptando às mudanças”, desabafa.

Jardim Catarina é o alvo principal dos traficantes

Embora o Jardim Catarina seja facilmente associado ao uso de barricadas devido a recentes operações policiais em São Gonçalo, outros bairros têm sido alvo de interdições, como Morro do Castro, Porto Novo, Santa Luzia e Trindade. O tenente-coronel Marcos Lima, que assumiu o 7º BPM há pouco mais de um mês, destaca que a parceria com outros órgãos é essencial para combater as barricadas.

“Geralmente, os batalhões de todo o Estado recorrem ao Bope, que possui equipamentos adequados para a remoção. Contudo, nem sempre os agentes especiais podem se deslocar de acordo com as nossas necessidades. Por conta disso, buscamos as esferas municipal e estadual que possam emprestar as retroescavadeiras”, afirma.

Segundo o comandante, o Jardim Catarina é o bairro de maior reincidência em SG, onde as barricadas removidas são rapidamente recolocadas.

“Dados do nosso setor de inteligência têm demonstrado que elas são recolocadas em poucos dias. Houve casos em que retornamos no dia seguinte. Por outro lado, as denúncias que recebemos sobre Monjolos não se repetiram. Temos identificado ainda ocorrência relevante no Anaia. Vamos precisar de tempo para combater as que encontrei já ao assumir. Acredito que haverá chuva de denúncias nesse novo canal, o que também poderá nos ajudar”, projeta Lima.

Estratégia começou na década de 1970

Coronel reformado da PM e pesquisador da violência urbana, Ibis Pereira afirma que a criação de obstáculos artificiais pelo comércio varejista de drogas não é uma novidade. Segundo o especialista, a dinâmica se intensificou no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, quando a cocaína ‘explodiu’ nas cidades e, consequentemente, os governos formularam políticas proibicionistas. 

“Dois fatores favoreceram este cenário: o aumento da pobreza após o falso ‘milagre econômico’ e o fim da era de industrialização, com o aumento da dívida externa e desvalorização da moeda; além da manutenção das injustiças sociais históricas que, por sinal, ainda não superamos. As favelas se apresentaram como local propício para a venda, já que o Estado não se fazia presente naquelas regiões com políticas públicas que pudessem melhorar a vida da população”, aponta Ibis.

O coronel ressalta que a crise política e financeira que o Rio de Janeiro enfrenta nos últimos anos tem acentuado a disputa de poder nos territórios. “As UPPs modificaram a dinâmica do crime. O projeto já era executado de forma errada, porém o fracasso do mesmo e a não substituição por outra estratégia tornaram nossa realidade ainda pior. Hoje convivemos com o sucateamento das polícias, falta de salários, greves, um ex-governador preso, quase 120 policiais mortos, mais de 800 pessoas vítimas de homicídio durante confrontos - o que chamávamos de autos de resistência, em sua maioria jovens, negros e pobres. Esse cenário não é e não pode ser visto como normal”, avalia.

Ibis acrescenta que um projeto de segurança pública demanda intervenções mais planejadas e com recursos da esfera federal. “No século XIX, a Inglaterra declarou guerra à China, porque o país asiático queria proibir a importação do ópio, uma droga levada pelos próprios europeus para viciar a população. O que quero dizer com isso é que quem detém o poder escolhe que lado defender de acordo com interesses econômicos. O dinheiro que entra no tráfico sujo, circula e torna-se limpo. É um cenário complexo, para o qual precisamos de um projeto viável, com ajuda do governo federal e a ser aplicado ao longo de 15, 20 anos. Já gastamos 40 anos com propostas que nos fizeram regredir. Temos solução, mas não é simples”, conclui o pesquisador, integrante do Núcleo de Identidade Brasileira e História Contemporânea da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Nibrahc/Uerj).

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