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Instrumento Social: Projetos distintos ensinam jovens a tocar gaita de fole em São Gonçalo

Tradição escocesa invade a cidade

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 21 de agosto de 2017 - 12:16
Projeto social que utiliza gaita de fole escocesa atrai jovens em São Gonçalo
Projeto social que utiliza gaita de fole escocesa atrai jovens em São Gonçalo -

Por Matheus Merlim e Marcela Freitas

Considerada “proibida” como arma de guerra, a gaita de fole foi consagrada na Escócia como tradição e hoje tem adeptos no mundo inteiro. Embora tenha chegado ao Brasil com força após as duas grandes guerras, é um instrumento musical que remete às populações mais antigas, como da Babilônia e do Egito. De gênero celta e com a característica de emitir um ruído rasgado, o aparato tem sido difundido em São Gonçalo desde 1999. Para se ter uma ideia, os primeiros colocados na atual Guarda Presidencial do Exército Brasileiro são gonçalenses. Mas a que pode ser atribuído tanto sucesso? Talvez seja o diferencial na maneira como atinge crianças e adolescentes pobres da cidade.

Brazilian Piper

A farda militar repleta de medalhas e o kilt - saiote masculino escocês - são os principais chamativos para quem se depara, à primeira vista, com uma orquestra de gaitas de fole. Mas por trás de toda “armadura”, a cultura do instrumento é o que tem norteado dezenas de crianças e adolescentes, no Porto da Pedra, em São Gonçalo. Fundada em 1999, a banda de gaitas “Brazilian Piper” é um projeto social que busca, por meio da música, promover valores morais, como respeito, disciplina e força de vontade.

Estampado na parede principal da sede, a frase resume a singularidade do grupo: “Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos”. O fundador é o suboficial da reserva, José Paulo Pereira Filho, o J Paulo, de 55 anos, chamado de “Piper Major” (gaiteiro maior). É ele o responsável por administrar a banda que tem cerca de 64 integrantes, sendo 28 músicos na ativa. Assim como os jovens que ingressam no projeto, J Paulo conheceu a gaita de fole na adolescência, quando estudava no Instituto de Educação Clélia Nanci, na Brasilândia.

“Foi amor à primeira vista”, sintetiza o militar reformado, que foi solista por 16 anos na Orquestra Sinfônica dos Fuzileiros Navais. A paixão pelo instrumento é o que mantém viva a esperança do gonçalense de multiplicar cada vez mais a cultura pela cidade.

“Meu primeiro contato com a gaita foi numa apresentação da banda dos Fuzileiros, num passeio da escola. Fiquei encantado com aquele instrumento diferente. Consegui entrar para a Marinha e fui direto para a banda. Saí de lá e desde então vivo para esses meninos”, conta J Paulo, que dedica 18 anos de sua vida ao projeto social.

Entre idas e vindas de alguns locais, hoje o grupo fica sediado no Porto da Pedra. É em um campo de grama sintética que eles ensaiam, com marcha militar e formação adequada. Todavia, diferente das tradicionais orquestras do mesmo gênero pelo Brasil, não existem apenas músicas escocesas no repertório. Os meninos de São Gonçalo arriscam a sonoridade de letras consagradas da cultura verde-amarela, como “Aquarela do Brasil” e “Garota de Ipanema”.

“O que mais me chamou atenção foi por ser um instrumento diferente. As pessoas se surpreendem quando veem a gente tocando. Aqui a gente também possui uma hierarquia que lembra muito o militarismo. São conceitos fundamentais para a vida, a gente aprende a escutar mais. Só quem já foi subordinado saberá dar ordens”, conta o estudante Wellington Gonçalves, de 18 anos, morador do Sacramento e mais velho entre os alunos.

Músicos tocam na rua para viajar ao Chile

Convidados para participarem do 7º Campeonato Sul-Americano de Gaitas de Fole (G7), que acontecerá em Santiago do Chile, entre os dias 22 e 26 de novembro, os meninos da “Brazilian Piper” estão precisando suar a farda, literalmente, para se apresentar no exterior. Com a meta de arrecadar R$42 mil, a banda começou a tocar no Pier Mauá, na Zona Portuária do Rio, há um mês e meio, sempre aos sábados e domingos. A aceitação do público é tanta, que eles já conseguiram acumular R$11 mil nesse período.

A ideia de tocar como músicos de rua surgiu dos próprios alunos. O “major” J Paulo conta que até se surpreendeu com a força de vontade dos meninos e admite que ficou receoso de pôr em prática o plano. “Eles se programaram e eu embarquei meio na dúvida. Mas logo de cara, conseguimos lotar a praça. Toda hora a gente parava para tirar fotos. Foi a maior escola que eu já tive na vida”, revela.

Todo o dinheiro arrecadado com o trabalho é administrado pelo integrante mais novo do grupo. É ele o responsável por fazer a contagem e a separação das quantias para passagens e alimentação. J Paulo acredita que dessa maneira o grupo consegue ficar cada vez mais unido em prol de uma causa comum. “Eles se viram do jeito que podem. Todo o esforço é deles e a recompensa também”, afirma.

A quantia necessária para a viagem cobrirá gastos com passagens, hospedagem e vestimentas. A participação no evento foi conquistada após a etapa do ano passado, o G6, em São Paulo. Na época, o grupo ainda usava gaitas e uniformes produzidos na própria sede de forma artesanal. O líder do encontro, o gaiteiro Cristiano Bicudo, emprestou instrumentos oficiais para a participação na etapa paulista e lá, eles receberam doação de gaitas e percussão.

Gonçalense Piper
Iniciativa quer expandir e se tornar um instituto

O projeto “Gonçalense Piper”, iniciado em 2004 no Centro Educacional Vieira Brum, Bairro Antonina, está ultrapassando os muros da escola e, até o final do ano, deve ser institucionalizado, o que garantirá ao grupo uma sede própria, parcerias públicos-privadas e aumento das ofertas das vagas.

No dia 28 de julho, o grupo foi convidado para participar do “Festival Internacional da Juventude na Suécia” mas por falta de recursos apenas o professor Jhonny Mesquita conseguiu embarcar, tornando-se o único representante brasileiro em mais de 50 anos de festival. Lá, Jhonny inovou e tocou a gaita de fole fazendo embaixadinhas.

“Já havíamos recebido dois convites internacionais para tocar na Alemanha e Holanda, mas não conseguimos os recursos. Dessa vez, fizemos uma campanha que garantiu a minha viagem. Infelizmente, o grupo não pode me acompanhar, mas a nossa intenção é que, ao nos tornarmos um instituto de gaita de fole, possamos conseguir parceiros que nos ajude nestas viagens e na aquisição de equipamentos”, disse.

De acordo com o gestor do grupo, Sergio Reimol, o projeto hoje atende 20 jovens, mas a ideia é ampliar o número de vagas.

“O projeto é aberto a todo público, e os alunos têm a possibilidade de viver novos contextos socioculturais. A partir dos 12 anos, é possível se inscrever no projeto, que fornece as vestimentas e os instrumentos”, afirmou.

Aluno do projeto social há dois anos, Diogo Venâncio, de17 anos e morador do Jóquei, sonha em ingressar no grupo de Gaita de Fole do Corpo de fuzileiros Navais. “Conheci o projeto na minha escola, na época morava no Mutuapira. O grupo do Vieira Brum se apresentou lá e fiquei encantado com o instrumento. Quis conhecer mais e ingressei no grupo. Desde então, venho me dedicando. Esse projeto deu um rumo para minha vida e hoje pretendo fazer da Gaita de Fole uma profissão”, revelou. Em dezembro, o grupo embarca para Santa Catarina, no Sul do país, onde fará apresentações no Concerto de Santo Amaro da Imperatriz, entre os dias 16 e 17.

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