Instagram Facebook Twitter Whatsapp
Dólar R$ 5,2089 | Euro R$ 5,5496
Search

Movimento de Mulheres de SG: perto de fechar as portas

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 21 de agosto de 2016 - 11:22
Fundadora do Movimento de Mulheres de SG, Marisa Chaves, revelou que a entidade atendeu 12 mil vítimas de violência nos últimos dez anos
Fundadora do Movimento de Mulheres de SG, Marisa Chaves, revelou que a entidade atendeu 12 mil vítimas de violência nos últimos dez anos -

Por Gustavo Carvalho, Marcela Freitas e Renata Sena

A história da assistente social Marisa Chaves, de 53 anos, se confunde com a própria história do Movimento de Mulheres de São Gonçalo. Em 1987, os casos de violência doméstica eram tratados como ‘feijoadas’ (sem importância) pelos policiais que pediam para ‘a menina do balcão’, como eram chamadas as atendentes das delegacias, consolarem as vítimas. Marisa era uma dessas meninas. “Nessa época, a delegacia tinha carceragem, onde ficavam homens, mulheres e até adolescentes. Essa convivência me fez perceber que alguma coisa tinha que mudar”, contou Marisa.

O primeiro passo foi a criação do Núcleo de Atendimento à Mulher (NUAM), instalado na 72ªDP (Mutuá), que fazia o primeiro atendimento às vítimas de violência doméstica. Logo em seguida, Marisa fundou o Movimento de Mulheres de São Gonçalo, que se tornou referência nacional. No entanto, o que muitos não sabem é que a luta da assistente social começou dentro da sua própria casa.

Nascida em Minas Gerais, Marisa se mudou para o Rio quando tinha apenas sete anos de idade. Instalou-se com os pais e os cinco irmãos, no Barreto, em Niterói. Em meio a um período de dificuldades financeiras, ela presenciava a mãe sendo agredida pelo pai.

“Meu pai era machista. Não deixava minha mãe trabalhar e a agredia. Apesar disso, ela nos criou de forma diferente. Sempre incentivou os estudos e dizia que tínhamos que buscar nossa independência. Minha compreensão com as mulheres e crianças que atendo veio da minha vivência. O estudo e a capacitação profissional foram a minha saída”, afirma. E foi o inconformismo com a realidade que fez com que Marisa dedicasse sua vida às mulheres vítimas de violência. No entanto, os projetos da assistente social vêm passando por uma grave crise financeira. Se antes ela contava com a ajuda de 104 funcionários - todos com carteira assinada - nas seis casas de atendimento, hoje há apenas oito atuando nas três unidades que ainda funcionam. “Como perdemos o patrocínio da Petrobras, que mantemos por nove anos, ficou difícil manter tudo como era. Estamos unindo forças para continuarmos atendendo quem precisa da gente. Mas nossa situação está complicada”, desabafou Marisa. Para a delegada Débora Rodrigues, titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher de São Gonçalo, o Movimento de Mulheres tem importância fundamental para o município. “A violência contra a mulher é uma guerra, que para conseguir se livrar é preciso todo o empoderamento possível numa rede de ajuda. Por isso, encaminhados muitas vítimas aos centros de ajuda, como o Movimento de Mulheres, onde elas recebem apoio psicológico e jurídico ”, explicou a delegada.

A atendente de lanchonete Raquel Roham de Souza, de 38 anos, preferiu esconder das três filhas as agressões do companheiro, com quem vivia há três anos. Em abril de 2016, Raquel acabou espancada no quintal de casa no Complexo do Caramujo. Ela ainda tentou, mais uma vez, esconder as marcas da violência, mas já era tarde.

Socorrida pela filha mais velha, ela rompeu o silêncio e revelou tudo o que sofria calada. Após dois meses internada lutando pela vida, ela morreu sem realizar sue maior sonho: conhecer o neto, que nasceu dias depois do seu enterro. “Se ela tivesse nos contado, não teria chegado a esse ponto e hoje ela estaria ao nosso lado. É importante denunciar, sair da violência antes que seja tarde demais”, desabafou uma das filhas de Raquel.

Elas não conseguiram pedir ajuda

O mesmo ocorreu com Verônica Tatagiba de Carvalho, 45, esfaqueada pelo homem com quem manteve relacionamento durante 30 anos. Pai da vítima, Joel Pereira de Carvalho, 84, lamenta ter permitido que a filha namorasse com seu algoz. “Minha filha tinha 15 anos quando esse homem veio pedi-la em namoro. Eu não aprovei de imediato, mas acabei aceitando. Foram 30 anos de agressões físicas. Tentávamos acolhê-la, mas ele ligava fazendo ameaças. Quando resolveu dar um basta foi assassinada. O que me dói é saber que não pude evitar. Nunca encostei um dedo nos meu filhos e vem um homem desses e tira a vida da minha filha. A cena dela caída e sangrando nunca vai sair da minha mente. Vivo a base de remédios, sem isso não suportaria viver sem a Verônica”, lamentou.

Marco Antônio da Silva foi preso por agentes da Divisão de Homicídios 15 horas após o crime. “Não há menor possibilidade de ir visitá-lo. Após ter matado a minha mãe, ele disse que mataria todos da família. Sofremos uma vida inteira ao lado dele. Ele nos agredia. Ele acorrentava meu irmão”, contou Kelly Carvalho, filha do casal.

A delegada Débora Rodrigues destaca que quanto antes a vítima buscar ajuda, menor será a chance do agressor ir até o final.

“Vemos que a pessoa sofre por anos e anos com xingamentos e ameaças, mas somente quando é agredida procura a delegacia. Nós vemos um ciclo de violência, que nem sempre começa com agressão. É importante que a vítima não deixe aumentar. Vemos casos de estupros entre casais e casos que chegam ao feminicídio, como esses descritos. Muitas vítimas acham que é normal, pois viam mães e tias sendo agredidas. A prisão do autor é muito importante, mas a gente trabalha para que a mulher retome sua vida e volte a ser o que era antes das agressões. Se você foi xingada ou ameaçada, você já deve procurar ajuda sim, antes que seja tarde demais”, orientou a delegada.

Matérias Relacionadas